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quinta-feira, 14 de julho de 2011

O fundamentalismo: a Bíblia como receita de bolo – II

No artigo passado escrevemos sobre a interpretação fundamentalista, isto é, literal da Escritura. Vimos então que interpretar a Palavra de Deus ao pé da letra é um erro, uma ilusão e uma traição ao que o Senhor nos quer revelar. Os motivos foram apresentados de modo bastante detalhado! No presente artigo gostaríamos de explicar como se deve proceder para uma leitura correta e frutuosa da Palavra santa de Deus, sem cair no erro grosseiro dos fundamentalistas. Para tanto é necessário levar em conta os seguintes pontos:
1) O centro de toda a Escritura é Jesus Cristo; foi para ele que os livros santos foram escritos: tudo leva ao Cristo e somente nele encontra sentido! Este fato nos deve recordar duas coisas: (1) No Antigo Testamento é importante, é normativo (obrigatório) para nós cristãos somente aquilo que conduz a Cristo, aquilo que se relaciona diretamente com ele. Eis alguns exemplos: preceitos como não comer carne de porco, guardar o sábado, não usar imagens, a circuncisão... nada disso tem mais importância alguma para nós! E por quê? Porque Cristo cumpriu a lei, quer dizer, realizou tudo isso que era apenas figura do que deveria vir! Já São Paulo alertava os cristãos para isso: “Ninguém vos julgue por questões de comida e de bebida, ou a respeito de festas anuais ou de lua nova ou de sábados, que são apenas sombra de coisas que haviam de vir, mas a realidade é o corpo de Cristo” (Cl 2,16s); (2) O Antigo Testamento é preparação para o Novo, de modo que é um grave erro interpretá-lo em si mesmo, sem observar como os primeiros cristãos reinterpretaram as Escrituras de Israel à luz de Cristo. Por exemplo: é desconhecer a ressurreição de Cristo afirmar que os mortos ficam dormindo: se o Antigo Testamento afirma isto é porque os judeus esperavam o Messias; ora, nós cristãos sabemos que o Messias já veio! É também uma leitura errada um cristão falar em “batismo nas águas”. Este era o batismo de João Batista; com a ressurreição do Senhor, o batismo com água é batismo no Espírito do Ressuscitado: no Novo Testamento, a água é símbolo do Espírito (cf. Jo 7,37-39; 4,13-14; 19,34)
2) Nas Escrituras Sagradas existe uma coisa chamada “analogia da fé”, quer dizer um fio condutor, uma idéia de fundo que atravessa todos os livros. Que idéia é essa? É que Deus deseja salvar toda a humanidade através do seu Filho Jesus, fazendo-lhe o dom do Espírito. Ora, não se pode, então, ler corretamente algum texto da Bíblia esquecendo isso! Por exemplo: os textos nos quais se fala da salvação são mais importantes que aqueles que falam em condenação. A Bíblia fala na possibilidade de condenação por um motivo só: para nos recordar que nós podemos, com nossa liberdade, dizer “não” a Deus, fechando-nos para ele, que é a Vida! Então, colocar todos os textos num mesmo pé de igualdade e fazer da Escritura um livro carrancudo que se compraz em ameaçar com o inferno seria uma gravíssima traição a Deus e ao Evangelho (= feliz notícia!) de Cristo! Pense-se naqueles pregadores que só falam em ira, condenação, inferno... que “Boa notícia”, que Evangelho é esse? Mais uma coisa: ter consciência da “analogia de fé” evita dar importância ao que é secundário na Palavra de Deus, caindo em erros graves. Por exemplo: lembro-me de dois mórmons que, certa vez, em minha casa, vieram com um texto de Amós 3,7: “Pois o Senhor Deus não faz coisa alguma sem revelar o seu segredo a seus servos, os profetas”. Partindo deste texto eles queriam afirmar que o fundador de sua religião, Joseph Smith, era um verdadeiro profeta de Deus e fundara uma religião verdadeira por ordem de Deus! Ora, tal texto de Amós está muito, mas muito longe de ser um texto central ou importante para a mensagem da Escritura! Em outras palavras: coam o mosquito e deixam passar o camelo: apegam-se a um texto sem importância e esquecem textos centrais como a fé na Igreja que Cristo confiou a Pedro e seus sucessores, o fato de Jesus ser o centro da revelação e não mais se poder inventar outras revelações (como o Livro de Mórmon, que Joseph Smith inventou...). Um outro exemplo interessante são as Testemunhas de Jeová: apegam-se a duas ou três frases soltas de Isaías: “As minhas testemunhas sois vós!”(43,10) e “Vós sois as minhas testemunhas” (43,12) e, partindo daí, consideram-se as testemunhas de Jeová (o nome correto é Javé!). Ora, a Testemunha Fiel e verdadeira é uma só: Cristo Jesus, o Filho eterno do Pai: quem não aceita Jesus como Senhor e Deus, não aceita o testemunho de Deus (cf. 1Jo 4,3; 1Cor 12,3; Rm 9,5). Assim, as Testemunhas de Jeová, apegando-se a uma frase solta e sem grande importância do Antigo Testamento, traíram a mensagem central do Novo Testamento! Apegando-se à letra mal lida, sufocaram o Espírito de Deus no qual confessamos que Jesus é Senhor e Deus! Ainda mais dois exemplos simples de interpretação fundamentalista por não se ter em mente a “analogia da fé”: os líderes da Igreja Universal levarem orações dos fiéis para colocar no Muro das Lamentações em Jerusalém... Nem se recordam que o Templo não tem mais valor algum e que o verdadeiro templo é o Cristo ressuscitado (cf. Jo 2,19-21; 4,21)! Assim, enfatizam o Antigo, obscurecendo o Novo Testamento; trocam o vinho novo pela água da purificação dos judeus! O último exemplo a ser dado é de um grupo de católicos que, em suas reuniões, estava ungindo com o “óleo da alegria”, baseando-se em uma frase solta de Isaías (cf. Is 61,3). Ora, primeiramente o profeta está usando uma imagem e, depois, o único óleo da alegria que o cristão conhece é o Espírito Santo, com o qual fomos ungindos no Batismo e na Crisma! O fundamentalismo é venenoso sempre, leva sempre ao erro e a deturpar a Palavra de Deus, mutilando-a! É necessário, então, não tomar tudo na Bíblia como se se tratasse de afirmações absolutas e desligadas umas das outras! Toda frase, todo texto, deve ser interpretado no seu contexto... e o contexto da Escritura é a salvação que o Pai nos dá em Cristo!
3) A Escritura não pode ser interpretada de modo privado (cf. 2Pd 1,20-21)! O Antigo Testamento nasceu no seio do Povo de Israel e era interpretado no seio da Comunidade. Do mesmo modo o Novo Testamento nasceu no seio da Igreja católica: foi escrito por católicos e para a Comunidade cristã, que era toda católica. O Novo Testamento nada mais é que o essencial da Tradição oral da Igreja (quer dizer, da pregação apostólica e da vida dos primeiros cristãos) colocada por escrito. O próprio Jesus não mandou escrever nada, mas sim pregar (oralmente e pela vida) o Evangelho. Basta pensar nisto: Cristo morreu e ressuscitou no ano 30 da nossa era; o livro mais antigo do Novo Testamento, o primeiro a ser escrito, foi a Primeira Carta aos Tessalonicenses, no ano 51; o primeiro evangelho a ser escrito foi o de Marcos, lá pelo ano 64. O cânon definitivo do Novo Testamento somente foi definido pela Igreja lá pelo século II-III. Tudo isto significa que a Igreja existe antes do Novo Testamento e o Novo Testamento nasceu na Igreja, quer dizer, na Comunidade sob a liderança de seus pastores legítimos, de modo que os escritos neotestamentários nada mais são que expressão da fé da Comunidade. Assim sendo, somente em comunhão com a Comunidade, que é a Igreja, pode-se interpretar corretamente a Escritura. Interpretada de modo individual e individualista, a Palavra vira confusão. Basta ver a multidão de seitas em que se esfacelou e continua esfacelando-se o cristianismo. Estamos como no tempo dos juízes de Israel, quando cada um fazia como queria (cf. Jz 17,6; 21,25); hoje cada um pensa que pode interpretar a Bíblia como quer... e fundar sua igrejinha, baseando-se na sua “sábia” interpretação. Ao invés, se olharmos bem o Novo Testamento, veremos que Cristo e os Apóstolos recomendam que a Igreja viva da Tradição recebida oralmente (quer dizer naquelas coisas que vêm dos Apóstolos) ou por escrito (ou seja, a Tradição atestada nos livros do Novo Testamento) – cf. At 2,42; 1Tm 6,20; 2Tm 1,12-14; 1Cor 11,23s). O Catecismo da Igreja Católica exprime isso de modo muito preciso: “Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles transmitindo seu próprio encargo de Magistério. Com efeito, a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos” (n.77). Ler a Escritura fora ou contra a Comunidade eclesial na qual ela nasceu é como querer compreender e saborear as emoções de um álbum de família sem pertencer àquela família e sem ter participado de sua história... Esse ficará sempre por fora! Infelizmente é isso que vemos hoje: tantos e tanto, coitados, lendo a Bíblia como se fosse uma receita de bolo: uma pitadinha de oração; um bocadinho de culto de louvor, alguns exorcismos, meia dúzia de aleluias, tantos gramas de orações pela paz de Jerusalém, meio quilo de observâncias arcaicas do Antigo Testamento... e pensa-se que se está cumprindo as Escrituras! Ledo engano! Não podemos interpretar corretamente a Bíblia a não ser que a interpretemos com a Igreja. Portanto, é necessário perguntar: como as primeiras gerações, inspiradas pelo Espírito, interpretaram e viveram as Santas Escrituras? O que ensinaram os Santos Doutores da Igreja antiga sobre elas? Como os cristãos, guiados pelo Espírito foram interpretando estes livros santos, vivendo e morrendo por eles? Como os legítimos pastores da Igreja os ensinaram? Aí sim, teremos a estupenda alegria de ver o Espírito do Senhor, sempre presente na Igreja, conduzindo o rebanho de Cristo à verdade plena (cf. Jo 14, 16-17; 16,13-14; Mt 28,20; 16,16-18).
Teremos ainda um terceiro artigo sobre este tema. Aí vamos continuar a apresentar os critérios para uma interpretação correta da Escritura Sagrada. Até lá!

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