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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Acolhimento de pessoas atormentadas pelo mal

O atendimento e encaminhamento de alguns casos pastorais especiais
Côn. Henrique Soares da Costa
1. A realidade
a) O nosso é um povo de forte traço cultural místico em todas as camadas sociais e faixas etárias;
b) Os pastores da Igreja atual são geralmente despreparados para uma abordagem que realmente satisfaça aos anseios e necessidades desse povo:
+ por uma formação racionalista;
+ por não ter tido nenhuma preparação teórica ou prática para essa realidade no seminário.
c) A floração das seitas, que dão respostas (errôneas, muitas vezes) às necessidades do povo, explorando, enganando, mas fazendo enorme sucesso e causando forte impressão de credibilidade e autoridade junto às pessoas de todas as classes sociais.
d) Tudo isso mostra a urgente necessidade de abordar algumas situações especiais, que escapam à nossa rotina de compreensão.
2. A fenomenologia
Enquadram-se nesses casos especiais que desejamos abordar as pessoas com os seguintes sintomas:
+ Forte sensação de uma presença maléfica que a acompanha e/ou a ameaça;
+ Crises de transe: a pessoa sai de si, age de modo violento, grita, corre, desmaia, depois não recorda o que fez;
+ Sensação de alta negatividade num determinado ambiente ou no convívio familiar;
+ Problemas de saúde aparentemente normais mas não explicáveis por vias normais;
+ Forte e fundada suspeita de estar sendo vítima de malefício (feitiço, despacho, etc);
+ Fenômenos estranhos de cunho parapsicológico como, por exemplo, casas mal-assombradas, coisas que se movem, luzes que acendem e apagam sozinhas, barulhos esquisitos, coisas que pegam fogo sozinhas, etc.
+ Sonhos persistentes de conteúdo negativo, alucinações negativas, idéias e sentimentos obsessivos...
Observações:
(a) Em não poucas dessas situações, os médicos ou psicólogos dizem: procure um padre ou procure “outros meios”. O padre torna-se, então, a última esperança dessas pessoas. A Igreja tem o dever de dar uma resposta!
(b) Duas atitudes erradas:
+ Ignorar ou negar levianamente a existência do problema e despedir a pessoa sem mais, deixando-a sem amparo nem esperança;
+ Eximir-se de procurar uma via de solução. Simplesmente consolar e basta. Tal solução é totalmente insuficiente! Sei de padres que simplesmente mandam procurar a Renovação Carismática ou um pastor protestante. São soluções covardes e vergonhosas!
3. Passos a serem dados
Além do óbvio acolhimento caridoso, cheio de atenção e da capacidade de escuta, é necessário uma criteriologia para um correto encaminhamento. Eis alguns passos a serem dados:
a) Sem preconceitos, procurar individuar o tipo de problema, que pode advir de três áreas: (1) médico-psicológica, (2) parapsicológica ou (3) espiritual. Há situações em que se pode logo perceber tratar-se de algo de cunho espiritual.
b) Em todos os casos, nunca se deve deixar de rezar pela pessoa: nossa oração de ministros de Deus, oração ligada ao nosso ministério no exercício do sacramento da Ordem, tem grande valor e eficácia. É absolutamente necessário superar nosso respeito humano e nossos preconceitos racionalistas! É preciso compreender que mesmo num problema estritamente médico, psicológico ou parapsicológico, a oração, a dinâmica da procura sincera e humilde de Deus, a confiança no Senhor e na sua santa vontade e a prática sacramental têm uma enorme importância. Uma oração de cura ou de libertação dirigida ao Pai pelo Filho no Espírito, sempre fazendo memória dos mistérios salvíficos em Jesus Cristo, não somente tem grande eficácia terapêutica como também enorme potência evangelizadora. A pessoa experimenta, agradecida e emocionada, a ação de Deus que se manifesta salvando-a, libertando-a, fazendo-se presente à sua dor e ao seu momento difícil. Rezar por quem sofre e com quem sofre é indispensável: é sinal de fé e renúncia a toda presunção que exclui Deus do dia-a-dia... Em outras palavras: envia-se ao médico, ao psicólogo ou ao psiquiatra, mas reza-se também, reza-se primeiro! Pode-se fazer isso tomando um salmo conveniente, depois, com a imposição das mãos, fazer-se uma breve oração espontânea, concluída com um Pai-nosso e uma Ave-Maria e, finalmente, dando-se uma bênção.
c) Se os sintomas apresentados forem claramente extraordinários, podem ser de cunho parapsicológico. É importante compreender que, em geral, todos esses fenômenos são causados por pressão psicológica de problemas e vivências não resolvidas e não assimiladas pela pessoa e podem ser tratados com a tomada de consciência do problema que os gera e uma reta maneira de enfrentar os desafios da vida com sabedoria, maturidade e confiança em Deus. Neste âmbito, a vida espiritual ajuda muitíssimo. Nunca se devem separar as duas coisas: a oração, a confissão, a vida sacramental, a vida de comunidade ajudam muitíssimo. Então, de modo prático: em pessoas com problemas extraordinários, deve-se conversar até que se descubra frustrações e/ou tensões que gerem essa explosão de fenômenos. Aí então, é conscientizar a pessoa de que deve trabalhar esse problema aceitando, buscando solução e confiando em Deus pela oração e o abandono em suas mãos. Às vezes, é recomendável também a ajuda de um psicólogo; no mais das vezes, basta uma série de conversas e aconselhamento do próprio padre. Num caso de fenômenos mais graves e intensos, convém encaminhar para alguém que tenha noções mais precisas de parapsicologia.
d) Caso os sintomas estejam ligados claramente a uma experiência religiosa negativa e deixe na pessoa marcas de tentação de afastamento de Deus, desprezo pelo sagrado, ódio às pessoas e às coisas de Deus, etc, é muito importante que o padre, com prudência ajude a pessoa neste nível religioso. Seria um erro procurar solução na medicina, na psiquiatria ou na parapsicologia... A própria parapsicologia não exclui a possibilidade de fenômenos supranormais, isto é, de cunho acima da natureza, pertencentes propriamente ao âmbito da religião e do sobrenatural! Aqui se encaixam os milagres, as influências maléficas, a infestação e a possessão diabólica. É necessário afirmar claramente que neste campo somente a religião pode ajudar!
Em casos assim, algumas vezes, psicólogos e psiquiatras sérios e desprovidos de preconceitos racionalistas e imanentistas, pedem a ajuda de exorcistas! Exemplos: o exorcista da Diocese de Roma, Pe. Gabriele Amorth participou recentemente, como conferencista, de dois encontros com psiquiatras de grande qualificação científica: em 16 de abril de 1993, na Clínica de psiquiatria da Universidade de Roma, na sede de Tor Vergata, por iniciativa da Sociedade Italiana de Psiquiatria e no dia 12 de abril de 1995 fez conferência e dirigiu um debate no âmbito do Ministério da Saúde italiano, num Curso de Prevenção do Departamento de Saúde Mental. Interessante que havia psiquiatras agnósticos e ateus, que fizeram perguntas muito interessantes e pertinentes. (Sugiro o filme “O exorcismo de Emyle Rose”).
4. Como proceder em casos de origem supranormal (sobrenatural)
a) Alguns elementos teológicos
Recordemos que a existência dos anjos e demônios é parte da revelação bíblica e da fé constante da Igreja. E não só: a Igreja ensina que há real possibilidade da ação do Diabo e seus anjos no mundo. Só a título de exemplos, pense-se na práxis litúrgica da Igreja, que é expressão da sua fé e tenha-se presente o Catecismo da Igreja Católica nn. 325-327; 328-333; 350-351; 334-336; 352; 391-395; 414.
Anjos e demônios devem ser claramente compreendidos como seres pessoais, livres e inteligentes. É nesta direção que caminham as indicações do Novo Testamento e da fé da Igreja expressa na Tradição e na liturgia. Não é aceitável o subterfúgio de falar no Diabo ou nos demônios como simples personificação do mal. Não foi assim que Jesus compreendeu nem é assim que a Igreja compreende. Só a título de exemplo do Magistério recente pense-se no próprio Ritual de Exorcismos, renovado segundo a liturgia do Vaticano II.
O caminho cristão sempre foi visto pela Escritura e pela Tradição teológica e espiritual também como uma luta contra o Diabo e seus anjos. Basta pensar nos ritos do catecumenato e do Batismo: aí se fazem os pequenos exorcismos e a renúncia clara e explícita a Satanás e suas obras. Pense-se também que Jesus, na oração que nos ensinou, ensina-nos a pedir que o Pai nos livre do Maligno, isto é, de Satanás! É absolutamente inaceitável dizer que as referências de Jesus aos anjos e demônios são contingências sócio-culturais! Deve-se recordar que os saduceus não acreditavam nem em anjos (ou demônios); Jesus, ao contrário ensina claramente a existências desses! Não podemos ser mestres de Jesus ou contradize-lo em nome de preconceitos imanentistas ou racionalistas!
Quanto aos modos de ação diabólica, a tradição espiritual da Igreja, fundamentada no Novo Testamento e na sua prática bi-milenar identifica:
+ a tentação,
+ a infestação = pessoal (também chamada de obsessão): aqui a ação diabólica é como um cerco, um assédio, pois que vem de fora, prejudicando a saúde, afetando a imaginação, memória, os sentidos, causando alucinação, etc...
= local: a ação diabólica dá-se num lugar, num ambiente, provocando sensações negativas, desmantelos nas relações humanas, nos negócios e projetos das pessoas, etc...
+ a possessão: dá-se quando o um ou mais demônios apoderam-se do corpo da pessoa (nunca de sua alma, de seu núcleo pessoal), utilizando-o de modo tirânico, agressivo e humilhante. Trata-se, pois, de uma ação do Diabo a partir de dentro da própria pessoa.
Convém recordar como a teologia atual, tendo redescoberto a perspectiva bíblico-patrística, concebe a relação entre natural e sobrenatural: os dois campos se distinguem, mas não se separam. O sobrenatural não exclui nem nega o natural, mas pode se manifestar através dele. Há fenômenos aparentemente naturais e que se dão pelas nossas capacidades naturais que, no entanto, tem como causa última, o Maligno! No Evangelho, há doenças de origem natural (e Jesus as cura) e de origem sobrenatural (e Jesus, então exorciza). Cuidado para não pensarmos que Jesus e os primeiros cristãos eram tolinhos sem discernimento! Estamos tratando do nosso Deus e Salvador e de seus santos apóstolos!
Ainda do ponto de vista da hermenêutica teológica, é preciso deixar claro que a palavra e a práxis de Jesus bem como a perene Tradição da Igreja, sem desprezar as aquisições da ciência atual, são os critérios últimos de nossa compreensão, de nosso discernimento e de nossa práxis.
b) Criteriologia
Ainda que haja indícios de uma presença sobrenatural maléfica na pessoa que procura ajuda, nunca se deve pensar primeiramente em possessão diabólica: o exorcismo é o último recurso, depois do clínico, do neurologista e do psiquiatra.
Isso não exclui a possibilidade de uma força negativa, uma presença maligna provocada pela ação do Diabo e pela maldade humana. É o caso, por exemplo, da infestação. É importante não separar natural e sobrenatural: o sobrenatural pode agir através de fenômenos aparentemente naturais. Um exemplo: um feitiço, um despacho que se faz contra alguém pode realmente atingir a pessoa. Isso a parapsicologia explica de modo natural e dá o nome de subjugação telepsíquica. No entanto, certamente, aí também há a ação do Maligno, que sempre está misteriosamente presente na maldade humana. Uma coisa não exclui a outra (analogamente, nossos dons naturais não excluem a ação da graça de Deus). O importante é que tenhamos consciência da real possibilidade da possessão: “Uma árdua luta contra os poderes das trevas perpassa toda a história dos homens. Iniciada desde a origem do mundo, vai durar até o último dia, segundo a palavra do Senhor” (Ritual de Exorcismos, Introd. 2 citando a GS 37).
Procedimento: Se alguém nos procura e os sintomas parecem de uma misteriosa ação maligna (infestação) – mas não de possessão -, deve-se: (1) Recomendar a oração, um caminho de sincera conversão, de prática dos sacramentos, de confiança em Deus e crescimento na vida cristã. Deve-se evitar todo reducionismo mágico, pensando que basta uma oração e está tudo resolvido. Não! Há um caminho a ser feito e estas situações devem ser motivo para uma real evangelização no sentido mais profundo do termo: um anúncio e um acolhimento da Boa Nova de salvação e libertação que Cristo nos traz com sua morte e ressurreição! (2) Rezar com a pessoa e sobre a pessoa quer espontaneamente, quer utilizando o esquema de súplicas do Apêndice I do Ritual (pp. 77-82), quer utilizando os salmos e leituras bíblicas do capítulo II do Ritual (pp. 47-69); (3) Recomendar que a pessoa reze salmos, reze o terço e, sobretudo, as orações propostas no Apêndice II do Ritual (pp. 83-89).
No caso de infestação local: uma série de bênçãos simples no lugar ou, em casos mais sérios, as orações segundo o Apêndice I do Ritual (pp. 77-82).
Observação: Seja na infestação pessoal (obsessão) que na local, pode ser necessário mais de um ou dois momentos de oração... É também muito conveniente o uso de sinais consagrados pela práxis secular da Igreja, como a água benta, o sinal da cruz na testa, nos ombros, a imposição das mãos, o uso da medalha de São Bento.
c) A questão da possessão
A possessão é afirmada pela Escritura e a constante Tradição da Igreja. O novo Catecismo ensina sua possibilidade (cf. n. 1673). Diz o Ritual: “O mistério da divina piedade se torna mais difícil ao nosso intelecto quando, por permissão de Deus, ocorrem casos de especial tormento ou possessão que o Diabo exerce em prejuízo do homem incorporado ao povo de Deus e iluminado por Cristo, para que caminhe para a vida eterna como filho da luz. Então, claramente se manifesta o mistério da iniqüidade que age no mundo, embora o Diabo não consiga ultrapassar os limites que Deus lhe impôs... Em tais casos, a Igreja suplica a Cristo Senhor e Salvador e, confiante no poder dele, oferece auxílios ao fiel atormentado, a fim de que seja libertado do tormento ou da possessão” (Ritual, Introd. 10).
“Entre esses auxílios, sobressai o exorcismo maior, solene, também chamado grande exorcismo, que é uma oração litúrgica. Por esse motivo, o exorcismo, que visa expulsar os demônios ou livrar da influência demoníaca, e isto pela autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja, é uma prece que faz parte dos sacramentais; portanto, um sinal sagrado pelo qual são significados efeitos principalmente espirituais obtidos por intercessão da Igreja” (n. 11).
Observações: O exorcismo maior, litúrgico, como está nas páginas 23-45 do Ritual, só pode ser feito com expressa licença do Ordinário local.
Trata-se sempre do próprio Bispo, que é o exorcista originário, ou de um sacerdote por ele designado.
Este exorcismo é diverso da oração de libertação e cura, que pode ser feita até mesmo por fiéis leigos. Repito: este tipo de oração pode e deve ser feita seja por leigos como também e principalmente pelos sacerdotes e diáconos. O modo de faze-la já foi indicado mais acima.
O exorcista julgará prudentemente sobre a conveniência do uso do exorcismo e, caso seja necessário, consultará a ciência médica e psiquiátrica, com profissionais que tenham senso das coisas espirituais.
5. Considerações finais
Atualmente, com a profunda crise de valores da nossa sociedade, com o paganismo galopante, com o consumo de drogas, com a dissolução da família, com a libertinagem sexual e a apologia da imoralidade, com um fechamento prático para Deus, com o renascimento de tantas seitas e velhas superstições, com a Nova Era e o esoterismo, com a falta de oração e de uma vida ascética, esses casos de presença maléfica tendem a ter um aumento. Devemos estar aptos a acolher e ajudar a esses irmãos num caminho de descoberta de Cristo do compromisso com ele e do seu poder libertador.
Uma adequada atenção a esses casos especiais significa:
Uma Igreja atenta ao âmago da sua missão: libertar o homem de tudo quanto demoniza sua vida, doando-lhe a liberdade para a qual Cristo nos libertou;
Uma correta pastoral nesta área debela a superstição, a mistificação e o fanatismo, além de trazer enorme consolo e alívio às pessoas;
Transcurar esse aspecto da pastoral é cair num racionalismo injustificável, doutrinalmente deficiente e pastoralmente mutilado. Se a Igreja já não souber o que fazer ante a presença do mal nas suas variadas manifestações, então ela nega um aspecto essencial da salvação trazida por Cristo, obscurece o sentido da obra do Senhor e nega na prática o sentido pascal da nossa esperança. Nunca esqueçamos que a vitória sobre o mal e a morte é o traço por excelência do senhorio de Cristo. Uma Igreja que não seja ministra dessa vitória perde a credibilidade, deixa de ser religião para se tornar simplesmente uma ONG...

FONTE ELETRÔNICA:

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