Duas cidades têm o privilégio de exercer, sobretudo sobre um coração católico, um atrativo incomparável e de dar ao espírito grandes esclarecimentos quando suas investigações o levam rumo à teologia e à história: eu quero dizer Jerusalém e Roma. Elas são como os dois olhos brilhantes do mundo nos quais se reflete o céu; elas são dois santuários particularmente escolhidos sobre nossa terra e como os dois pólos do mundo histórico; elas são os pontos de apoio misteriosos onde a misericórdia divina depositou a alavanca que suspende o mundo e o fez sair da velha órbita da servidão para conduzi-lo em uma via nova, a via do céu. São as duas cidades da aliança, os dois palcos das maravilhas de Deus. Uma proclama a história da Redenção; a outra resume a história da Igreja. Elas são como a mãe e a filha, intimamente e inseparavelmente ligadas uma à outra. Sua fisionomia e sua história levam o selo indelével deste parentesco. A colina eternamente memorável de Jerusalém foi testemunha do sacrifício três vezes santo do Homem-Deus; consagrada pelo sangue divino, ela tornou-se o altar da salvação. As colinas de Roma viram o martírio de um milhão de membros ilustres do Cristo, e, pelas torrentes de sangue que as inundaram e consagraram, elas se tornaram como o altar-mor da Igreja universal. O corpo de Jesus Cristo foi, após o sacrifício supremo, sepultado em uma escavação rochosa no pé do Gólgota. Os corpos daqueles que deram a Deus o testemunho de seu sangue foram sepultados sob o solo da cidade das sete colinas, nas rochas cavernosas das Catacumbas. O corpo do Senhor repousou três dias na gruta silenciosa e ressuscitou após este período. A Igreja romana, corpo místico do Cristo, se confiou durante três séculos à discrição da necrópole subterrânea e se levantou em seguida para fazer ondular sobre o universo o estandarte triunfal da cruz. Enfim, após a ressurreição, cada uma dessas duas sepulturas permaneceu gloriosa e abençoada. Os selos miraculosamente quebrados do Santo Sepulcro, em Jerusalém, a caverna privada de seu tesouro e só contendendo o sudário dobrado, tornou-se o testamento eterno e o testemunho sempre invencível do grande mistério da Redenção. As Catacumbas reabertas de Roma, com seus tesouros de despojos santos e de relíquias preciosas, monumentos de todo tipo, são um testemunho irrefutável em favor da Igreja primitiva, um legado precioso para as gerações mais distantes. Elas são de algum modo os arquivos do cristianismo, o berço da história eclesiástica. Nas galerias e nos arcosolia, nas paredes e nas abóbadas, se desenrolam em cores vivas e frescas os símbolos da fé e do amor tais como os representavam na Igreja apostólica. Após vários anos de estudos especiais, e encorajados pelo concurso benevolente do cavalheiro de Rossi, tão profundamente versado na arqueologia das Catacumbas, tentaremos introduzir e guiar o leitor na Roma subterrânea. Veremos que, se a Igreja tira desta mina tão fecunda o ouro das relíquias preciosas do qual ela decora os altares do mundo inteiro, a erudição católica não é menos exitosa ao extrair dai, felizmente, os diamantes dos quais ela aperfeiçoa e enriquece a ciência da fé.
As Catacumbas em geral – Sua importância histórica
Consideraremos, em uma primeira parte, certos dogmas cristãos que tem mais especialmente relação com a finalidade das Catacumbas, e, em uma segunda parte, outros pontos particulares da doutrina, que tiram desses monumentos uma confirmação radiante. O que são as Catacumbas? Qual foi sua finalidade? Essas questões preliminares necessitam de uma resposta curta. Transportai-vos, pelo pensamento, na cidade eterna, em Roma, nos dias de seu antigo esplendor, no segundo ou no terceiro século da era cristã. Ela é a dominadora orgulhosa do mundo, com seus duzentos milhões de cidadãos, quase todos pagãos. Do meio de seu céu azul, o sol atira sobre ela seus raios flamejantes e parece querer alourar esta multidão de templos, de pórticos, de colunatas, de palácios, de basílicas, de mausoléus, de termas, de teatros e jardins magníficos. Todos os tesouros da terra, todas as maravilhas da arte parecem se encontrarem nessa bacia gigantesca aonde vieram se derramar todos os despojos do mundo. Contudo, esta superabundância de ouro e de mármore, esse luxo grandioso e arrebatador são apenas um verniz brilhante sobre uma imensa tumba. Ainda que mestra do mundo, a cidade é a escrava decaída, vergonhosa e desonrada da superstição e do vício. O inimigo do gênero humano se encarnou de algum modo nela e aí reina, como em uma cidadela inexpugnável, cercado tanto de vassalos quanto de estátuas dos deuses sobre os templos e os terraços dos palácios. Roma, centro do poder político que governa o universo, tornou-se o centro da depravação moral e de todos os vícios. Ela atraía para si as forças vitais de todos os territórios, os transformava em venenos e os reenviava assim transformados até as extremidades da terra. Se a humanidade tivesse sido condenada a perecer, o príncipe do mundo não poderia ter escolhido um quartel general mais favorável para sua obra de destruição. Se, ao contrário, ela tivesse de ser salva, seria aí também que a divina misericórdia deveria engajar a luta contra o mal. Ora, é precisamente aí que ela se abre. No território de Roma, sob as verdes pradarias do campo silencioso, trabalhavam misteriosamente, no fundo das alamedas subterrâneas, algumas centenas de braços cheios de atividade e de energia, cujo alvião formava, em um solo avermelhado, um imenso e inextricável labirinto de galerias. Eram os soldados do Cristo que, empreendendo o cerco da metrópole do paganismo, lhe faziam um cinto de catacumbas, como para apertá-la por um vasto sistema de fortalezas. É nesses campos trinchados que eles se exercitavam e se preparavam ao combate; é daí que eles partiam, animados por um santo entusiamo, para as lutas do martírio. Uma vez a vitória obtida e a palma colhida, eles reconduziam como troféus, às Catacumbas, os corpos dos heróis cristãos. Depositavam com eles, na mesma sepultura, as insignes e os instrumentos do martírio, como eles tinham sepultado outrora os guerreiros com suas armas. Contudo, cada gota de seu sangue era a semente de um novo exército de soldados cristãos, até no dia em que o estandarte da cruz, plantado pelo imperador Constantino, ondulou sobre o Capitólio e que Roma tornou-se o centro vivo de um mundo renovado, o coração que derramou torrentes da fé e do amor de Deus em todas as veias da humanidade.
Plano das Catacumbas
Oferecemos uma ideia da importância histórica das Catacumbas; tentamos descrevê-las. Os cemitérios subterrâneos de Roma, que receberam o nome de Catacumbas apenas a partir do século dezesseis, são exclusivamente de origem cristã. Sua extensão compreende uma zona de duas milhas em torno da cidade, e forma assim uma imensa, silenciosa e santa necrópole. Cavadas nas propriedades de algumas famílias patrícias que tinham abraçado a fé, elas gozavam, sobretudo durante os dois primeiros séculos, da proteção da lei romana, que declarava invioláveis os lugares religiosos. Para melhor designá-las, lhes davam os nomes de seus proprietários cristãos ou dos mártires ilustres que aí eram enterrados.Loculus, Catacumba de São Calixto |
Dom Maurus Wolter. Les Catacombes de Rome et la doctrine catholique. Paris, G. Téqui, 1872. Tradução: Robson Carvalho
Fonte Eletrônica;
http://afeexplicada.wordpress.com/2013/06/25/as-catacumbas-de-roma/
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