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segunda-feira, 1 de julho de 2013

As Catacumbas de Roma – Destinação e finalidade das Catacumbas


 
Esforcemo-nos, depois desta curta descrição, em descobrir para qual fim estas Catacumbas foram cavadas. Sua destinação original e primeira sai claramente do nome que elas levavam na antiguidade cristã. Elas eram chamadas cemitérios, coemeterium, ou seja, lugar de descanso, dormitório. Elas tinham então servido primitivamente de lugar de sepultura aos cristãos de Roma. Tão logo eles consideraram seus corpos como os membros do Cristo, como os templos do Espírito Santo e vasos de eleição, eles não quiseram nem queimá-los sobre uma fogueira, segundo o costume pagão então em vigor, nem expô-los para serem desonrados pelos infiéis. Ademais, como eles estavam destinados para resplandecer um dia cheios de magnificência e de luz na glória divina, eles os deitavam como uma semente no campo abençoado; ou ainda, segundo a palavra mais expressiva dos primeiros cristãos, eles os depositavam aí, como se deposita, para conservá-lo, um tesouro em lugar seguro. Estes não eram mortos, eram homens adormecidos: ademais, o lugar de sua sepultura se chamava um dormitório, onde eles descansam dos trabalhos da jornada, até que venha a aurora e que o som do trompete os desperte.
Transportemo-nos um instante em um destes subterrâneos. Uma carroça atrelada a dois cavalos acaba de entrar sob a abóbada escura de uma pedreira de areia, de uma arenária abandonada. É a carroça dos mortos, auxiliar indispensável durante os dias tão difíceis da perseguição. Os fossores, revestidos com os hábitos de sua ordem, esperam o recém chegado com impaciência, e com uma mão trémula, descarregam o corpo. Este corpo não foi mergulhado no cal, para escondê-lo dos pagãos, como acontecia algumas vezes. Os fiéis, vigias dos mortos, o pegaram, completamente sangrento, no próprio lugar da execução, e se apressaram em levar seu espólio precioso ao tesouro da Igreja. Um coveiro, já branqueado pela idade, precede e ilumina os carregadores. Ele os conduz em um canto da arenária onde uma escada secreta abre-lhes o caminho da necrópole cristã. Aí, o bispo e os fiéis saúdam, por cantos solenes, o despojo do herói, e o cortejo fúnebre se coloca em marcha. Nestes corredores silenciosos, ressoa, suave como o canto dos bem-aventurados, a salmodia divina, e seus sons misteriosos repercutem através das galerias. As chamas carregadas pelos acólitos, se refletindo sobre estas muralhas avermelhadas pelo tufo litoide, formam milhares de estrelas que cintilam subitamente e se apagam imediatamente, enquanto que os sepulcros, cujas filas se prolongam indefinidamente de cada lado, formam com seus habitantes pacíficos uma cerca de honra para o novo concidadão que faz aí sua entrada. Os tijolos amarelados e as placas de mármore branco que fecham a entrada das tumbas, brilham sob os reflexos móveis da luz, como distintivos de ouro e de prata que seriam incrustados ou encaixados na púrpura. Eles parecem se movimentar! A luz os torna expressivos; ela  faz deles como emblemas transparentes, e mais de uma inscrição comovente, mais de um símbolo cheio de frescor e de delicadeza, executado sem arte pela mão inábil do coveiro, anuncia a paz do céu, a esperança inabalável, a confiança jovial, e parece ser, por assim dizer, uma resposta aos versículos salmodiados pelo coro que passa. Tudo, em torno destas placas de mármore, parece selar no morteiro, como guirlandas de honra, sinais expressivos da memória e da afeição imortais. Aqui, há uma moeda, ou uma concha, ou um camafeu que atinge o olhar; ali, é uma pedra cintilante ou um fragmento de cristal encaixado no ouro. Mais adiante, marcas de cera, representando a forma da planta do pé e cobertas de divisas cristãs, emolduram a fina tabuleta que cobre a tumba. Quando é um mártir que mora no loculus silencioso, a mais invejável das joias assinala aí sua presença: um frasco de vidro, de argila ou de ónix, contendo o sangue precioso do mártir, e na frente uma lâmpada acesa. O cortejo fúnebre já percorreu várias galerias. Assim que ele penetra em uma nova alameda, uma lâmpada, sentinela discreta que vigia sem ruído no fundo de seu nicho, parece saudá-lo. Logo esta lâmpada é decorada com um ornamento emblemático; logo ela toma a forma de uma pomba, de um peixe ou de um barco. Ela une alegremente sua luz fraca com o brilho das velas.
Nesse meio tempo chegamos ao espaço reservado ao defunto. Desta vez, não é uma simples abertura em uma destas longas ruas sepulcrais. Para honrar o mártir, os fossores lhe prepararam uma grande escavação, um arcosolium. Isso é um tipo de sarcófago esculpido no tufo e coroado por um nicho em abóbada rebaixada. Os necróforos ou carregadores se detém e depositam no solo seu precioso fardo. Como aquele de Jesus, este corpo está embalsamado com aromas preciosos e envolvido em uma mortalha. O serviço deposita em sua fronte vitoriosa uma coroa de louros, e o pontífice conclui a bênção. Piedosos lábios ainda cobrem de beijos o santo despojo; depois o introduzem na abertura preparada. Ao lado, colocam um pequeno vaso cheio do sangue que foi derramado em testemunho de Jesus Cristo, e uma urna de aromas, cujo odor suave, imagem do perfume da santidade, perfuma a tumba e a cripta. Mas logo a tumba torna-se a mesa eucarística; a pedra que fecha sua abertura serve de pedra de altar; sobre ela o bispo celebra o sacrifício da nova aliança, sacrifício ofertado à glória do Altíssimo, em honra do bem-aventurado que acaba de receber a coroa celeste.
Consagradas, sobretudo, para a sepultura dos cristãos, que são irmãos e irmãs em Jesus Cristo, as Catacumbas receberam ademais, pela força das coisas, outra destinação. Nos dias da perseguição, elas tornaram-se a morada temporária do Papa, do clero e de alguns leigos de distinção, particularmente designados pelo ódio dos tiranos. Elas foram também o lugar de reunião dos fiéis para a celebração do culto.
Esta última destinação tornou insuficientes as câmaras sepulcrais de algumas famílias e os arcosolia dos mártires. Eles fizeram então escavações em forma de capelas mais ricamente decoradas, com um arcosolium ou um altar livre situado sobre um sarcófago. Ao lado ou por trás encontrava-se a sé episcopal, e ao longo da parede um banco de pedra para o clero. A credência consistia em um nicho feito no tufo ou em suportes talhados em relevo. Ao coro, compartimento no qual ficavam os homens, correspondia, regularmente, do outro lado da galeria, a capela das mulheres, que tinha vista sobre o coro. Uma passagem, luminare, feita na parte superior e dando acima da separação, levava a cada uma das duas naves a luz e o ar constantemente renovado. Algumas vezes encontramos um terceiro espaço, sem ornamentação de nenhum tipo. Ele estava em comunicação com o presbyterium por uma abertura destinada à transmissão das palavras: é aí que se reuniam os penitentes e os catecúmenos. Nestas criptas morou por um longo tempo toda uma série de papas desde São Pedro até São Marcelo e Santo Eusébio. O santo papa Caio, sobrinho do cruel Diocleciano, permaneceu aí oito anos inteiros. É aí que eles instruíam e batizavam os fiéis, que eles ordenavam os padres e estabeleciam a disciplina eclesiástica. É daí que eles governavam todo o rebanho do Cristo, daí que eles datavam suas bulas pontificais e exerciam seu encargo pastoral e apostólico. É daí que eles enviavam os fiéis, alimentados do pão dos fortes, para o campo de batalha do martírio, e saíam, enfim, eles também, quando se tratava de ir morrer por Jesus Cristo. A santidade inseparável das tumbas e o temor de se expor aos perigos nos labirintos desconhecidos davam a estes refúgios subterrâneos toda a segurança desejada contra os inimigos do nome cristão. Assinalamos, não obstante, circunstâncias excepcionais nas quais esta necrópole deixou de ser um asilo inviolável. Assim, Santo Emerenciano foi apedrejado em uma cripta, São Cândido precipitado por um luminare. Em outro momento, todo um bando de cristãos foi enterrado vivo perto da tumba dos santos mártires Crisanto e Daria. Assim ainda, em 261, o santo papa Sisto II, celebrando os santos mistérios nas Catacumbas, em presença de um grande número de fiéis, foi morto com quatro diáconos. Pouco tempo antes, outro papa tivera o mesmo destino. Era Santo Estevão I. Em virtude de uma ordem imperial, ele foi arrastado ao templo de Marte. Ele escapou por milagre das mãos de seus carrascos e se escondeu com seu clero nas Catacumbas de São Calisto. Por muito tempo ele deu ao seu rebanho, já considerável, todos os cuidados de um bom pastor. Uma tardinha – depois de um dia quente do mês de agosto – os fiéis foram convocados, como de costume, para uma assembleia santa. Aquele que, neste momento, estivesse caminhando na via Ápia, fora dos muros, teria podido ver, de tempo em outro, ou sozinhas ou em pequenos grupos, sombras caminhar rapidamente, resvalar-se e desaparecer atrás dos murros de uma vila solitária. Eram os cristãos que, para o ofício noturno, se apressavam em penetrar no cemitério de Lucina, ramificação das Catacumbas de Calisto. A senha dada, a porta se abria diante deles, e eles percorriam silenciosamente as alamedas subterrâneas fracamente iluminadas. Ei-los chegando. As mulheres, completamente cobertas de véu, se voltam para a esquerda, dando uma saudação silenciosa às viúvas consagradas a Deus. Os homens penetram na capela da direita, da qual um clérigo guarda a entrada. Os arcos e as muralhas estão ornados com pinturas simbólicas, nas quais a luz suave das lâmpadas empresta um charme todo particular. Tudo respira a piedade e o recolhimento. No fundo, sobre o túmulo de um mártir, se levanta um altar simples, onde o diácono prepara os vasos sagrados. Os fiéis que chegam depositam no nicho mural sua oferta de pão e de vinho e esperam em pé que a ação santa comece, enquanto que o clero se coloca no presbyterium. A cena se concentra, sobretudo, na pessoa venerável de Santo Estevão, sentado sobre uma sé de mármore. Seu olhar doce de pai repousa com amor sobre seu pequeno rebanho. Ele se levanta. De sua boca de profeta saem ondas carregadas de palavras de paz e de encorajamento, que penetram os corações dos fiéis e produzem uma emoção poderosa na assembleia. O pontífice sobe então ao altar, e, virado para o povo, ele começa os santos mistérios. Que luminosidade sobrenatural ilumina sua face quando ele eleva as mãos! Que chamas maravilhosas jorram de seus olhos quando ele contempla o Cordeiro de Deus estendido diante dele! É isso o antegozo da felicidade próxima do qual o pressentimento apanhava o nobre ancião?  Escutem… ouvimos um tinido de armas… a luz das tochas já são avistadas na galeria vizinha; uma tropa se aproxima;… são os temíveis servos de César. O respiradouro ou luminare lhes conduziu o som dos cânticos e lhes revelou, por isso, o asilo dos cristãos. Eles abrem violentamente uma passagem. Mas um poder sobre-humano parece cravá-los na soleira da cripta sagrada. O Papa termina o sacrifício, reza pelos perseguidores, e os soldados só saem de seu torpor miraculoso quando Estevão volta para seu trono. Eis então que a tropa se precipita sobre ele, a espada nua, e faz uma vítima gloriosa daquele que agora mesmo oferecia o sacrifício. Eis nossa estrada aplainada. Ela nos conduziu ao fim que nos propomos ao escrever estas páginas. As Catacumbas, pilhadas e devastadas durante a invasão dos bárbaros, mais tarde cobertas de terra em consequência de desabamentos, caíram completamente no esquecimento e foram uma região desconhecida até o tempo (1593) de Antonio Bosio, de Malte. Com este sábio, o Cristóvão Colombo da Roma subterrânea, começaram as escavações sérias, destinadas a  despertar o interesse que se liga naturalmente às Catacumbas, e que forneceram as bases da ciência da qual elas são objeto. Mas é para nosso século, e, sobretudo, no reinado glorioso de Pio IX, que estava reservada a glória de dar a estas pesquisas uma impulsão cujos resultados ultrapassam as esperanças mais ousadas. Pio IX, este outro Dâmaso, realizou, durante quase vinte anos, e ao preço dos mais nobres sacrifícios, escavações que permitiram ao ilustre de Rossi publicar, em obras doravante clássicas, uma profusão de descobertas extremamente interessantes e de construir o edifício científico mais completo com a ajuda dos materiais conquistados. É somente após a conclusão destas obras que veremos dele o prêmio imenso para todos os ramos da ciência cristã. Esperamos, não obstante, pela análise dos resultados já adquiridos, poder contribuir, de nossa débil parte, com a apologética do catolicismo.
Dom Maurus Wolter. Les Catacombes de Rome et la doctrine catholique. Paris, G. Téqui, 1872.
Tradução: Robson Carvalho
 
Fonte Eletrônica;
 

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