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domingo, 29 de julho de 2012

“Ó, DEUS, NÃO SE ESQUEÇA QUE EU SOU DIZIMISTA FIEL"

Em síntese: O artigo põe em foco um espécime de nova religiosidade, que pretende comprar os favores de Deus. Na verdade, ninguém pode comprar de Deus, pois tudo o que a criatura possui lhe é dado pelo Criador; até a paga do dízimo é graça de Deus. Ver São Paulo, 1 Cor 4, 7.

O jornal FOLHA UNIVERSAL da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), edição de 19/3/06, publica um relato do "bispo" Romualdo Panceiro que merece reflexão, pois é a expressão típica de nova e estranha atitude religiosa. Eis o teor da crônica.

"Ó, DEUS! NÃO SE ESQUEÇA QUE EU SOU DIZIMISTA FIEL" TESTEMUNHO DO BISPO ROMUALDO


Recentemente a Igreja Universal de Guayaquil, no Equador, recebeu a visita do bispo Romualdo Panceiro, que esteve naquele país para fazer reuniões com o povo e os pastores. O bispo estava em um automóvel conduzido pelo pastor Laurindo Pinheiro, responsável pelo trabalho da IURD local. Ambos conversavam sobre a desenvoltura da obra de Deus quando, de repente, tocou o celular. O bispo atendeu e era o pastor Jailson de Oliveira com a seguinte notícia:

'Bispo, eu e minha esposa estávamos a caminho da reunião com o senhor e fomos abordados por um policial. Só eu portava o passaporte, minha esposa o esqueceu em casa. O guarda não quer considerar e estamos aqui detidos e ameaçados de deportação', contou.

Ao ouvir o relato do pastor, o bispo Romualdo respondeu apenas: 'Ligue-me daqui a cinco minutos', desligando em seguida.

- 'Imediatamente, como dizimista que sou, ergui o braço, em que uso a minha fita onde está escrito: 'Ó, Deus! Não se esqueça que eu sou dizimista fie!', e me pus a reivindicar os meus direitos. Orei: 'Meu Deus, envia um anjo lá, agora, para resolver essa situação, pois, como dizimista, eu exijo uma solução. Amém'. Quando terminei a oração, quase que imediatamente o pastor voltou a me ligar muito feliz e disse: 'Bispo, aconteceu algo maravilhoso. Chegou aqui o superior do policial que.os abordou. Ele é uma pessoa muito gentil, nos tratou bem, acolheu a nossa justificativa e nos liberou', contou o pastor. Eu sei que, na verdade, isso foi a resposta de Deus ao meu clamor. Eu durmo com a minha fita de dizimista, tomo banho com ela e não tiro para nada - concluiu o bispo Romualdo'".

COMENTANDO
Proporemos seis observações.

1. Antes do mais, pode-se perguntar se o relato em foco é fidedigno ou merece crédito. É notório que os chefes da IURD recorrem, por vezes, a estórias e encenações fictícias, teatrais, para estimular a adesão do público. Daí ser lícito interrogar se o episódio apregoado é realmente histórico.

2. Considerando agora o conteúdo do relato, verifica-se que não difere do caso do sócio de um clube ou de uma empresa que dissesse ao seu chefe: "Chefe, não esqueça que eu sou sócio e pago pontualmente a minha mensalidade! Assim tenho direitos adquiridos e exijo que sejam observados mediante uma imediata prestação de serviços!". Na realidade o dizimista da IURD julga ter direitos sobre Deus, direitos que ele reivindica e que Deus não pode deixar sem atendimento. Ora tal concepção é falsa. Deus não pode ser coagido a tal ou tal intervenção; ninguém tem direitos sobre Deus, pois a própria paga dos dízimos é dom do Senhor Deus. Diz São Paulo em 1Cor 4, 7. "Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?" Muito a propósito afirma S. Agostinho que é Deus que em nós coroa seus dons. Como dito, o poder pagar o dízimo já é dom gratuito de Deus. Ninguém se apodera de Deus. O sentido do dízimo não é angariar favores de Deus, mas é a colaboração do cristão com a Igreja na obra de evangelização.

3. A verdadeira piedade não julga que o valor da oração depende do dinheiro que a acompanha, mas sim da fé e do amor do orante. A oração não pode pretender impor determinado comportamento a Deus, mas subordina seu pedido à vontade do Pai, como fazia Jesus no horto das Oliveiras: "Pai, se possível, que o cálice passe sem que eu o beba; faça-se, porém, a tua vontade e não a minha'' (Mt 26, 39).

O cristão não é sócio de um clube ou de uma empresa, mas é membro do Corpo de Cristo que é a Igreja. É este o fundamento de sua confiança no beneplácito do Pai.

4. A fita de dizimista teria valor mágico, profilático, Deus precisaria vê-la dia e noite (até no banho) pendente do pescoço do seu cliente a fim de o atender melhor? Não haveria aí uma forma de superstição ou algo de não cristão? A IURD tem feito singular mistura de elementos cristãos com traços religiosos afro-brasileiros.

5. O dízimo (a décima parte dos rendimentos) é frequentemente inculcado no Antigo Testamento. Tal prática devia lembrar ao povo de Israel que o Senhor lhe havia dado a terra de Canaã, separando-o dos outros povos; reconhecendo isto, os israelitas eram obrigados a levar a décima parte dos bens da terra ao Templo, onde o Senhor habitava. Era, pois, um dever ligado a um povo, uma geografia, uma nação; ver Dt 14, 22s.

Mais ainda: de três em três anos, o dízimo era dado aos pobres e aos levitas de Israel; ver Dt 14, 28-30; Nm 18, 21-32; Lv 27, 30-32. Eis aí outra razão circunstancial para explicara obrigação do dízimo: devia servir aos pobres de Israel, a começar pelos levitas, visto que a tribo de Levi, na partilha da terra de Canaã, ficou sem porção alguma para poder desincumbir-se mais livremente do culto do Senhor. Os levitas e os pobres eram assim contemplados pela legislação do dízimo. Os judeus que não a observassem, desrespeitavam o desígnio de Deus e. contribuíam para o mal-estar de seus semelhantes.

É à luz destas verdades que se deve entender o texto de Ml 3, 6-12. Retornando do exílio babilônico, no século VI a.C, cada um dos repatriados pensava tão somente em seus interesses ou em recuperar os bens que possuía antes do exílio, deixando assim de pagar o dízimo. Não é um texto que possa ser aplicado aos cristãos como o era aos judeus; não pode servir de ameaça ao não pagante nem de marketing para angariar novos dizimistas.
6. Por último, chama-nos a atenção a formulação portuguesa da oração em foco. Deveria ser: "Não se esqueça de que sou dizimista fiel" ou "Não esqueça que sou dizimista fiel".

Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

FONTE ELETRÔNICA;


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