continuação
4. Os planetas habitados
Todo planeta habitável não é necessariamente habitado, pois é preciso que a vida aí surja, a menos que venha de fora. Suponhamos que a vida comece num planeta habitável, com todas as condições favoráveis: água, temperatura, etc. Vejamos os elementos que devem ser combinados entre si para que se possa falar de um ser vivo.
O vivente deve dispor, para agir, de uma reserva de energia, que ele há de poder utilizar nos momentos oportunos. Em vista disso, sobre a Terra os organismos vivos utilizam enzimas. Estas são atuantes, mas frágeis; são construídas de acordo com as necessidades, segundo um programa especial para cada uma delas. Esse programa se situa no interior do núcleo, entre milhares de outros programas nos cromossomos e no ADN. Logo que surja uma necessidade, a célula encontra o programa interessante: faz uma cópia do mesmo, que se torna uma mensagem. Saindo do núcleo, a mensagem é decifrada pelos ribossoma, que reúne logo todos os ácidos aminados necessários (uma centena!) e os arruma, cada qual no seu lugar, em menos de um minuto.
A enzima pode então agir e realiza sua tarefa graças a uma outra série de operações não menos complexas. Assim funciona a vida sobre a Terra há mais de um bilhão de anos.
A atividade da clorofila também supõe mecanismos muito complicados, a tal ponto que não somos capazes de realizar a foto-síntese. Contudo esta é indispensável, de modo que nenhum animal poderia subsistir sem ela: já há três bilhões de anos que ela se verifica sobre a Terra. O que mais impressiona nesses mecanismos, é a sua perfeita coordenação e sua eficiente colaboração, que atestam uma direção central e uma unidade maravilhosa, tão duradoura quanto a existência do ser vivo.
Mais do que as minúcias desse maravilhoso aparato, o que importa é a sua unidade ou a intensa solidariedade que faz cada pormenor depender de todo o resto.
Que probabilidade existe de vermos aparecer esse conjunto e essa unidade de um organismo vivo num mundo deserto? - Alguns astrônomos julgam que esse aparecimento é fácil e que ele se realiza naturalmente desde que o ambiente não se lhe oponha. Os biólogos são mais hesitantes; J. Monod, por exemplo, que procura explicar tudo pelo acaso, detém-se diante da pergunta: "A vida apareceu sobre a Terra; antes que isto se desse, qual era a probabilidade de tal ocorrência? Não está excluído que o acontecimento decisivo se tenha dado uma só vez. Isto significa que as suas probabilidades de antemão eram quase nulas". Em tal perspectiva, mesmo se existem milhões de planetas habitáveis, que esperança existe de que haja muitos deles habitados?
Para evitar esta dificuldade, ou ao menos removê-la para mais longe, alguns admitem que a Terra tenha sido semeada por seres vivos provenientes de fora. F. Crick, por exemplo, imagina que seres muito inteligentes terão enviado uma nave espacial, de velocidade vertiginosa, que terá viajado milhões de anos em direção da Terra para aqui depositar gérmens de vida (o que supõe uma tecnologia muito adiantada!). - Deixemos, porém, de lado a ciência de ficção e reconheçamos no conjunto do universo. O número de planetas onde a vida terá podido aparecer, é inegavelmente muito exíguo.
5. Temos vizinhos?
Entre os planetas habitados, os únicos que nos interessam realmente são aqueles em que vivem seres racionais, mais ou menos semelhantes a nós, com quem tenhamos alguma possibilidade de contato.
Todos reconhecem que a evolução da via podia não ter chegado até o homem e que o homem pode não chegar a alta tecnologia. Se esta existe na Terra, faz parte dos privilégios do nosso planeta.
A vida sobre a Terra escolheu o ADN como cerne do seu funcionamento. É provável que outras escolhas fossem possíveis, mas a escolha do ADN foi definitiva e o código genético é praticamente comum a todos os seres vivos que nós conhecemos.
Há 700.000.000 de anos, as células se agruparam para firmar um ser vivo: os viventes se diversificam, de modo que apareceram diferentes espécies de animais; os vertebrados conquistaram não só os mares, mas a terra sólida. Alguns mamíferos recém-oriundos foram exterminados pelos dinossauros, os quais, por sua vez, foram eliminados por um cataclismo inédito - o que permitiu novo surto e a propagação dos mamíferos.
Nessa história, há oito milhões de anos, apareceram os pré-humanos erguidos sobre os membros traseiros; um deles sofreu uma mutação que o dotou de um cérebro maior. Surgiu assim o homo habilis e, mais tarde, o homem de Neandertal¹.
Toda a humanidade atual descende desse primeiro indivíduo, que, em seus quarenta e seis cromossomos, reuniu todas as mutações que caracterizam hoje cada um dos representantes da estirpe humana.
A evolução dos seres vivos, que chegou até o homem, dá a impressão de não ter sido uma caminhada rotineira, mas parece, antes, uma cadeia de acontecimentos imprevisíveis e surpreendentes: não tem o aspecto de uma estrada larga, mas o de um atalho cercado de precipícios que poderiam facilmente ter tragado o caminheiro.
O surto e a evolução da vida são algo de singular demais para que possam ser considerados acontecimentos normais ou ordinários. Especialmente o aparecimento do homem é, do ponto de vista estatístico, algo de totalmente improvável. Seriam necessários milhões de planetas sobre os quais tivesse aparecido a vida, para termos um no qual a vida chegasse ao grau "homem".
Alguns astrônomos tentaram todavia entrar em contato com outros planetas. - Seja mencionado o projeto OZMA iniciado em 1960. Escolheram a estrela T Ceti, que se encontra a doze anos-luz¹ da Terra. Suposta a velocidade de nossos satélites artificiais, seria necessário mais de um milhão de anos para chegar lá. Supondo-se que tal estrela tenha planetas e que esses planetas tenham habitantes, foi-lhe enviada uma mensagem sobre uma onda de comprimento de vinte e um centímetros (onda do hidrogênio, que é a mais comum nas galáxias); essa mensagem compreendia 1271 (31 x 41) percussões. A mensagem pode ter chegado doze anos mais tarde, ou seja, em 1972. Levantam-se então várias hipóteses concatenadas: se há algum planeta em torno da estrela T Ceti, se esse planeta é habitado por seres inteligentes, se tais habitantes estavam naquela dia à escuta do espaço, se a intensidade da mensagem ainda era bastante forte, se os matemáticos do lugar contaram as 1271 percussões e compreenderam que são o produto de 31 e 41..., então a mensagem terá sido compreendida talvez; terão percebido também a direção donde ela provinha a fim de poder orientar a resposta... Em conseqüência, pode-se esperar tal resposta em 1985 ou um pouco mais tarde, se houve dificuldades para decifrar ou se não puderam localizar com precisão o ponto de partida. Isto quer dizer que a esperança de uma resposta é assaz fraca.
Realizou-se ainda outra tentativa de comunicação com hipotéticos seres inteligentes mediante uma nave espacial que, depois de ter visitado Júpiter e Saturno, continua a trajetória no espaço fora do sistema solar. O astrônomo C. Sagan mandou colocar nessa nave algumas mensagens, entre as quais uma cassete portadora de um discurso de boas-vindas do presidente Jimmy Carter. No caso de que os extra-terrestres não compreendam o inglês, acrescentaram o desenho do sistema solar, o de um homem e o de uma mulher.
Tendo deixado o sistema solar, essa nave viajará milhões de anos, talvez bilhões, sem nada encontrar. Existem grandes vácuos entre as estrelas e os planetas são milhares de vezes menores do que as estrelas. - O discurso do presidente Carter, portanto corre o risco de jamais ser ouvido.
Em conseqüência de tais raciocínios e experiências, vai diminuindo a esperança de entrarmos em contato com seres extra-terrestres: parece inverossímil a perspectiva de lhes fazermos visita. - Mas não poderíamos esperar a vinda deles, supondo-os dotados de melhor tecnologia e maior habilidade do que nós?... Os mais ardorosos da pluralidade de mundos habitados julgam que não é possível encontrar tais mundos a uma distância inferior a dez anos-luz, mas que as probabilidades aumentam se chegarmos à distância de cem anos-luz. Sendo assim, os extraterrestres, para chegar à Terra, precisariam de dez milhões de anos ao menos, percorridos com a velocidade das nossas naves espaciais - o que supõe uma longevidade espantosa..
Para diminuir a duração da viagem, podemos imaginar duas hipóteses: ou se aumentaria a velocidade das naves espaciais em virtude de maior adiantamento da tecnologia, ou o ponto de partida estaria mais próximo da Terra.
Quanto ao aumento da velocidade, verifica-se que a velocidade da luz não bastaria, pois a viagem de ida e volta levaria ainda duzentos anos; seria preciso ir mil vezes mais depressa do que a luz para que a viagem durasse apenas alguns meses...
Imaginar um ponto de partida menos distante da Terra eqüivale a postular a existência de planetas próximos de nós que ainda não descobrimos...
Em suma, a ciência de ficção vai construindo suas hipóteses, nem sempre com grande criatividade; tenha-se em vista o E. T. do famoso filme!
6. Conclusão
A questão da existência de planetas habitados não pode ser resolvida com precisão. É certo que as condições necessárias para o surto e a continuidade da vida são assaz complexas. Como quer que seja, pode ser que se realizem em alguns planetas dentre a multidão dos que existem.
Notemos, aliás: a vida poderia tomar formas diferentes daquelas que nós conhecemos, formas que não exigiriam as condições da vida na Terra, mas, sim, outras que ignoramos.
Da parte da fé, nada há que opor à hipótese de haver outros mundos habitados. A Revelação Divina apenas manifestou aos homens o que lhes interessa para a salvação eterna.
Por enquanto, é tudo o que se pode dizer em poucas palavras sobre assunto ainda tão pouco explorado.
Este artigo muito deve ao estudo de Jules Charles, S.J., De La pluralité des mondes habiutés, em Etudes, novembro 1983, pp. 471-481.
¹ A doutrina católica aceita a tese da evolução aplicada ao corpo humano ((este pode vir de matéria viva preexistente), mas afirma que Deus cria uma alma espiritual para cada ser humano; terá, pois, criado diretamente a alma dos primeiros homens logo que os seus organismos tenham tido condições de exercer a vida de um ser humano.
¹ O ano-luz equivale à distância percorrida pela luz no vácuo em um ano. É igual a 9.461.000.000.000 km ou a 9.461 x 10¹².
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