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domingo, 30 de janeiro de 2011

Os cinco Evangelhos - EB - Parte 1

Revista : "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 388 - Ano : 1994 - p. 386

Em síntese: O Jesus Seminar, congregando 74 peritos norte-americanos, chegou à conclusão de que somente 18% dos dizeres atribuídos a Jesus nos Evangelhos são autênticas palavras do Senhor; as demais sentenças de coleção de mais de 1.500 sentenças encontradas nos Evangelhos seriam concepções das antigas comunidades cristãs.

A propósito pode-se notar que

1) os peritos norte-americanos se deixaram muitas vezes inspirar por hipóteses, probabilidades e preconceitos subjetivos ou dogmaticamente estabelecidos sem fundamento objetivo. O racionalismo os moveu fortemente em seus estudos;

2) existem pesquisas de outros críticos protestantes (também estes) que preferem ver nos Evangelhos o eco da pregação dos rabinos. A imagem de Jesus, mestre a instruir seus discípulos, está muito viva nos Evangelhos. Estes escritos parecem ser o eco fiel do pensamento de Jesus, podendo por vezes perceber-se ipsissima verba (as próprias palavras) de Jesus. Tal é a conclusão da escola escandinava (Riesenfled, Gerhardson e colegas);

3) além disto, tentou-se fazer a tradução do Evangelho grego para o aramaico - o que surpreendeu os tradutores, pois averiguaram que o texto grego parece corresponder a um discurso aramaico, cuja sintaxe e linguagem estão no linguajar do texto grego.

Donde se vê que é preconcebida a tese de que somente 18% dos dizeres atribuídos a Jesus são autênticos. A Igreja, baseada em boas razões de ordem histórica, professa e fidelidade dos Evangelhos.

Foi publicada nos Estados Unidos a obra "The Five Gospels, The Search for the Authentic Words of Jesus", devida a Robert W. Funk, Roy W. Hoover e The Jesus Seminar (um conjunto de 74 peritos). Tal obras, já comentada na base de notícia da revista VEJA em PR 384/1994, pp. 216-224, chega à conclusão de que somente 18% dos dizeres de Jesus nos Evangelhos são autênticos. - É a este estudo que dedicaremos as páginas seguintes, acrescentando dados novos aos que já foram apresentados PR 384, pois entrementes nos chegou às mãos a obra em seu original inglês.

OS RESULTADOS DO "JESUS SEMINAR"

A equipe de mais de setenta peritos trabalhos durante seis anos, comparando frase por frase de Jesus com paralelos bíblicos e extra-bíblicos. Chegou à conclusão de que nos Evangelhos Sinóticos existem

1) autênticas sentenças proferidas por Jesus (assinaladas com a cor vermelha),

2) sentenças que provavelmente se aproximam do que Jesus disse (cor lilás),

3) sentenças que Jesus não proferiu, mas cujo conteúdo está próximo do pensamento de Jesus (cor cinzenta),

4) sentenças que, de modo nenhum, provém de Jesus, mas de uma tradição posterior a Jesus ou diferente do que Jesus ensinou (preto).

A primeira categoria compreenderia apenas 18% dos 1.500 ou mais dizeres atribuídos a Jesus. Os resultados eram obtidos por votação realizada após o estudo, em equipe, de cada sentença do Evangelho.

Muito interessante é que nenhuma das passagens que se referem aos pontos típicos da doutrina de Cristo ensinada pela Igreja Católica é tida como proveniente dos lábios de Jesus; seriam todas de tradição tardia ou diferente. Assim

a) os textos de Mt 16, 17-19; Lc 22, 31s; Jo 21, 15-17, onde Jesus respectivamente promete o primado a Pedro e as chaves do Reino dos Céus, entrega a Pedro a missão de confirmar seus irmãos na fé e finalmente confia a Pedro o pastoreio de todo o rebanho de Cristo (cor preta);

b) as palavras da consagração da Eucaristia, em que Jesus afirma que o pão se torna seu corpo e o vinho seu sangue, são tidas como espúrias: Mt 26, 26-29 (preto); Mc 14, 22-25 (cinzento); Lc 22, 15-22 (preto);

c) as palavras de Jesus que conferem aos Apóstolos o poder de perdoar ou não perdoar os pecados também são tidas como tardias ou de tradição diferente (cor preta): Jo 20, 22s. Também o perdão outorgado por Jesus ao paralítico é tido como espúrio (preto): Mt 9, 2-6 (é importante notar que o v. 6 diz que "Deus deu tal poder aos homens" ou o poder de perdoar pecados; compreende-se que tenha sido rejeitado, pois está fora de uso no protestantismo);

d) os dizeres de Jesus que proíbem o divórcio em Mc 10,11s; Lc 16,18; Mt 5, 23; 19,9 não seriam oriundos do próprio Jesus (cor cinzenta);

e) as palavras finais de Jesus em Mt 28, 18-20 também são tidas como espúrias (cor preta). E por quê? - Jesus provavelmente não tinha a intenção de lançar uma missão pelo mundo afora, e certamente não foi o fundador de uma instituição. As três partes do mandato - fazei discípulos, batizai e ensinai - constituem o programa adotado pelo movimento missionário da Igreja nascente, e não refletem instruções dadas por Jesus" (p. 270). Mais uma vez se vê que os autores refletiram na base do provavelmente ou da suposição assaz subjetiva e arbitrária, tendo sempre em vista negar a fundação da Igreja por parte de Jesus Cristo;

f) as palavras de Jesus em Mc 1,17 "Eu vos farei pescadores de homens" não seriam palavras de Jesus (...) Por quê? - Porque, segundo alguns estudiosos, Jesus não angariava discípulos; era um mestre itinerante que não tinha a intenção de criar uma instituição ou a Igreja que hoje conhecemos. Foram, portanto, os discípulos que atribuíram a Jesus estes dizeres para justificar a sua procura missionária de adeptos. Apenas a metáfora de pescar homens pode ser considerada palavra de Jesus; cf. p. 41. - Como se vê, os autores procedem na base de premissas preconcebidas ou de hipóteses gratuitas: são protestantes e, como tais, relativizam o valor da Igreja (esta, para os protestantes, é obra meramente humana, que cada reformador pode recomeçar a seu talante), de modo que de antemão negam que Jesus tenha dito algo que implique a fundação da Igreja-instituição. Tal é a razão também por que os membros do Jesus Seminar rejeitam a autenticidade de Mt 16, 17-19; os preconceitos filosófico-religiosos estão muito presentes em tal trabalho;

g) Jesus não pode ter dito: "Completou-se o tempo. O Reino de Deus se aproxima. Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15). - Por que não o pode ter dito? Eis a explicação traduzida literalmente: "Nos Evangelhos Jesus aparece raramente a convocar o povo para o arrependimento. Tal exortação é característica de João Batista (Mt 3,7-12; Lc 3,7-14). Como a visão apocalíptica da história, o apelo ao arrependimento bem pode ter sido derivado de João Batista e atribuído a Jesus" (p. 41).

Pergunta-se, porém: por que Jesus não ter chamado os homens à penitência? Pelo fato de que João Batista os chamou, Jesus não pode ter apregoado o mesmo apelo, ainda com mais ênfase?

Entende-se desta maneira que os resultados a que chegam os membros do Jesus Seminar sejam extremamente pobres para se reconstituir a figura de Jesus histórico. Os autores julgam que à imagem real de Jesus foi sobreposta a de uma figura mítica e celeste, figura esta que o Apóstolo Paulo tomou das religiões helenistas de mistérios. É impressionante o tom dogmático ou definitório utilizado pelos scholars do Seminar, na base de preconceitos ou de concepções formadas de antemão; em virtude do racionalismo negam que Jesus tenha dito tal ou tal sentença.

Diante destes resultados da pesquisa, pode-se, de imediato, ponderar o seguinte: a dependência dos Evangelhos em relação à cultura pagã helenística já foi tese de certa autoridade entre os críticos. Atualmente, porém, está de certo modo superada, tendo-se em vista especialmente os manuscritos judaicos de Qumran e, mais, os estudos da escola de críticos (protestantes) suecos, que enfatizam as raízes hebraicas do Evangelho e mostram a continuidade entre o Jesus histórico e o Jesus documentado pelos Evangelhos. É o que passamos a examinar.

O FUNDO SEMITA (HEBRAICO-ARAMAICO) DOS EVANGELHOS

Métodos e Locuções Rabínicas

A exegese contemporâneas dos Evangelhos tem chamado a atenção para a "hebraicidade" de Jesus e de seu círculo de discípulos. Por exemplo, Rudolf Buttmann, que é um dos críticos mais radicais e contestatários, afirma que Jesus não era cristão, mas hebreu, inteiramente mergulhado na tradição de Israel.

Na verdade, o Cristianismo nasceu no bojo do judaísmo. Daí a conveniência de procurar entender o Cristianismo a partir da tradição judaica, muito mais do que à luz do helenismo.

Esta tarefa foi realizada especialmente por dois estudiosos suecos: H. Riesenfeld1 e seu discípulo B. Gerhardson,2 mestres da chamada "Escola Escandinava".

Estes dois autores afirmam que os Evangelhos não nos referem apenas aquilo que as antigas comunidades cristãs pensavam, mas, sim, o pensamento do próprio Jesus. Eis como raciocina Riesenfeld:
Os Judeus eram muito ciosos de transmitir as palavras recebidas dos mais velhos; remontavam, de geração em geração, até a revelação feita por Javé a Moisés no monte Sinai; os vocábulos utilizados para designar essa transmissão eram masar (entregar) e gibbel (receber). Ora precisamente nesse ambiente de tradição oral teve origem a transmissão do Evangelho, servindo-se da mesma terminologia: paradidonai (entregar) e paralambánein (receber); cf. 1Ts4,1s; 1Cor 11, 23-25 (...).

A missão dos Apóstolos era tida como "um serviço da palavra" (At 6,4). Os Apóstolos eram "ministros da Palavra" (Lc 1,2), "testemunhas oculares desde o começo" (Lc 1,2), tendo convivido com Jesus (At 1,22). O Mestre cujas palavras eram transmitidas, era Jesus. Daí a explicação dada por Riesenfeld ao título do Evangelho de Marcos: "Começo do Evangelho de Jesus Cristo" significa "Início da Boa-Nova transmitida pelo próprio Jesus Cristo". Numa palavra: a única explicação possível para o nascimento dos Evangelhos é a pessoa e o ensinamento do Mestre.

B. Gerhardson aprofundou as idéias de Riesenfeld. Estudou os processos de transmissão da Lei no judaísmo rabínico e comparou-os com o que o Novo Testamento dá a perceber. Assim nos meios rabínicos
- a conservação da Lei escrita se realizava por três vias: a) havia os escribas profissionais, cuja missão era garantir a pureza da tradição; b) havia o meio escolar, no qual o menino aprendia a ler e recitar a Lei; c) havia as sinagogas, nas quais a leitura pública contribuía para a fixação do texto;
- existem oficiais dedicados à tarefa de transmitir a Palavra: os tannaim (repetidores), cuja função era ajudar a decorar a Lei ou também os dizeres (debarim) e os feitos dos grandes rabinos comentadores da Lei;
- para facilitar a memorização, utilizavam várias técnicas: palavras-chaves, fórmulas concisas (simanim), frases cantantes ou cadenciadas, a repetição em alta voz (...)1

Continua Gerhardson, observando que na formação dos Evangelhos encontramos vestígios de semelhante procedimento. Assim, por exemplo, São Lucas começa seu Evangelho com termos que refletem exatamente o método hebraico de transmissão oral dos ensinamentos dos mestres: "Muitos já tentaram compor uma narração dos fatos que se cumpriram entre nós, como nô-los transmitiram os que foram testemunhas desde o início e tornaram-se mestres da Palavra" (Lc 1,1s). De resto, uma análise feita por computador demonstrou que os termos "testemunho, testemunha e testemunhar" são dos mais frequentes do Novo Testamento. O próprio São Paulo, embora fizesse questão de dizer ter recebido sua missão do Senhor (Gl 1,1), afirmava sua dependência da tradição (1Cor 15,3); como os rabinos, ele conservava as tradições dos Pais (Gl 1,13s); Fl 3,5s); foi confrontar seu Evangelho com o daqueles que eram tidos como "colunas" da Igreja (Gl 2,9).





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