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domingo, 30 de janeiro de 2011

A dor salvífica - EB ( Parte 2 )

Assim o Evangelho do sofrimento vai-se desenvolvendo ao longo da história, escrito agora por todos aqueles que sofrem com Cristo, unindo os próprios sofrimentos ao sofrimento salvífico do Senhor.

No decorrer dos séculos tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular, que aproxima interiormente o homem de Cristo. Foi esta força que converteu muitos santos, como S. Francisco de Assis, S. Inácio de Loiola... O sofrimento abre também perspectivas para que o homem possa encarar de maneira nova toda a sua existência; quando o corpo está enfermo ou mesmo inutilizado, mais se podem evidenciar a grandeza espiritual e a maturidade interior da pessoa que sofre; esta, assim prostrada, mas ao mesmo tempo engrandecida, oferece comovedoras lições de vida às pessoas sãs e normais.

A aceitação do sofrimento, em muitos casos, só se faz paulatinamente. As pessoas quase sempre entram no sofrimento com a pergunta sobre o seu porque; interrogam Deus Pai e o Cristo a respeito do sentido da sua dor. Cristo lhes responde por meio do seu próprio sofrimento; às vezes, é necessário muito tempo para que a resposta comece a ser percebida interiormente. Na medida em que o homem toma a sua cruz, unindo-se espiritualmente à cruz de Cristo, vai-se-lhe manifestando o sentido salvífico do sofrimento; tal descoberta é acompanhada de paz interior e alegria espiritual. Na base desta experiência, dizia o Apóstolo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa. Completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo, em favor do seu corpo que é a Igreja" (Cl 1,24)..

27. Com efeito. O sofrimento torna o cristão consciente de que é útil a seus irmãos porque unido à Cruz de Cristo; dissipa-se assim a sensação de vazio e inutilidade que as pessoas doentes podem experimentar, cedendo lugar a profunda alegria interior. "O sofrimento impregnado do espírito de Cristo é o mediador insubstituível dos bens indispensáveis à salvação do mundo. Mas que qualquer outra coisa, o sofrimento abre caminho à graça que transforma as almas humanas".

É por isto que a Igreja vê em seus membros sofredores valiosos esteios da sus missão sobrenatural. Quantas vezes os pastores da Igreja recorrem precisamente a eles, para pedir-lhes ajuda e apoio! Mediante os seus sofrimentos conservam uma rica parcela do tesouro da redenção do mundo, que eles compartilham com os outros homens.

VII. O Bom Samaritano

28. A parábola do Bom Samaritano pertence também ao Evangelho do sofrimento. Indica-nos qual deva ser o relacionamento de cada um de nós com o próximo que sofre. Não nos é permitido passar adiante com indiferença, mas devemos parar junto dele numa atitude de disponibilidade serviçal. Não basta comover-se (embora isto seja a única coisa viável em alguns casos); é preciso também prestar ajuda eficaz, na medida do possível; esta ajuda consistirá em dar bens materiais, sim, mas principalmente em dar-se a si mesmo. "Bom Samaritano é o homem capaz de um tal dom de si mesmo".

29. O papel do Bom Samaritano supõe e mobiliza o amor ao próximo. Ele se exerce em muitas profissões ou através de diversas instituições da vida civil. "Quanto de Bom Samaritano têm as profissões de médico ou de enfermeira ou outras similares!" Não são apenas profissões, mas são vocações ao apostolado. É difícil apresentar uma lista de todas as esferas da atividade do Bom Samaritano que existem na Igreja e na sociedade... Graças a elas, os valores morais fundamentais, como o da solidariedade humana e o do amor ao próximo, compõem o quadro da vida social, e fazem parte às diversas formas do ódio, da violência, da crueldade, do desprezo pelo homem ou até da simples insensibilidade para com o próximo.

Nesta altura deve-se salientar a importante função que compete à educação. A família, a escola e as outras instituições educativas... devem trabalhar com perseverança no sentido de despertar aquela sensibilidade para com o próximo de que se tornou símbolo a figura do samaritano do Evangelho. Nenhuma instituição pode substituir o coração humano, a compaixão humana, o amor humano, a iniciativa humana, quando se trata de ir ao encontro do sofrimento de outrem.

Vê-se, pois, que o cristão, longe de ser passivo diante do sofrimento, é incitado a exercer sua atividade preparando-se para ouvir no juízo final as palavras do Senhor Jesus; "Em verdade vos digo que tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste" (Mt 25,40).

"A mim o fizestes". É o próprio Cristo que, em cada um, experimenta o amor e recebe ajuda. Ele próprio está presente em quem sofre, pois o seu sofrimento salvífico foi aberto, uma vez para sempre, a todo sofrimento humano.

VIII. Conclusão (nº 31)

As explanações anteriores tentaram desvendar o sentido do sofrimento. Em resumo, ele é verdadeiramente humano, pois o sofrimento faz parte do mistério do homem ou da natureza e da dignidade do homem. Mas é também verdadeiramente sobrenatural, porque só se explica, em última análise, dentro do plano de Redenção do mundo. É, sim, Cristo quem plenamente revela o sentido do homem ao homem e, conseqüentemente, o sentido do sofrimento. Lembra o Concílio do Vaticano II: "Por Cristo e em Cristo se esclarece o enigma da dor e da morte" (Const. Gaudium et Spes nº 22).

É preciso, pois, que se congreguem em espírito, junto à Cruz do Calvário, todos aqueles que sofrem e acreditam em Cristo... a fim de que o oferecimento dos seus sofrimentos apresse o realizar-se da oração do mesmo Salvador pela unidade de todos os homens (cf. Jo 17,11.21s).

Em seu último parágrafo dirige o S. Padre um apelo caloroso:

"Pedimos a todos vós que sofreis, que nos ajudeis. Precisamente a vós, que sois fracos, pedimos que vos torneis uma fonte de força para a Igreja e para a humanidade. Na terrível luta entre as forças do bem e do mal, de que o nosso mundo contemporâneo nos oferece o espetáculo, que vença o vosso sofrimento em união com a Cruz de Cristo!" (nº 31).

Tal é, em síntese, o conteúdo da notável Carta de João Paulo II sobre a dor salvífica.

Observações

São cinco as observações que o texto nos sugere:

1. O âmago da Carta

João Paulo II parte do fato de que o sofrimento é inerente à vida do homem, pois decorre da dignidade da natureza humana, que é intelectiva e reflete sobre si mesma; o homem sobre e sabe que sofre, ao passo que o animal irracional apenas sofre.

Além disto, o sofrimento, concretamente considerado, tem como pano de fundo o pecado das origens. Foi assumido por Cristo, o segundo Adão, que lhe deu valor redentor; o homem é salvo do pecado e da morte pelo sofrimento expiatório de Cristo. A propósito João Paulo II cita com muita ênfase as palavras de Jo 3,16: "Deus tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna"; por amor, o Pai entregou o Filho à sorte do homem pecador para que este pudesse compartilhar a herança do Filho de Deus. - Assim o sofrimento, que antes de Cristo era tido em Israel como sinal da justiça punitiva de Deus, aparece no Novo Testamento como testemunho do amor divino, que se compadece do homem.

Se o sofrimento é assim apresentado, compreende-se que o cristão o considere com otimismo e alegria, consoante o texto de Cl 1,24, também muito citado por João Paulo II: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa. Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo, em prol do seu Corpo, que é a Igreja".

Passemos agora à consideração de pontos particulares.

2. Essencial à natureza humana

No inciso 2, diz João Paulo II:

"Ainda que os sofrimentos do mundo dos animais sejam bem conhecidos e estejam próximos ao homem, aquilo que nós exprimimos com a palavra "sofrimento" parece ser algo particularmente essencial à natureza humana... O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem".

Estes dizeres, à primeira vista, desconcertam, pois contrariam à espontânea tendência que temos, de procurar uma vida "feliz" e sem sofrimento. Como pode então o sofrimento ser essencial à natureza humana?

- A resposta não é difícil. Consideremos a escala dos seres.

Os seres inanimados (minerais...), quando percutidos ou lesados, não reagem; nada sentem, não sofrem; são os mais imperfeitos dos seres, pois não têm vida. Passando para o nível dos seres vivos vegetativos, verificamos que, quando um vegetal ou uma planta é maltratada ou mutilada, ela tende a se restaurar reagindo contra a lesão infligida; dir-se-ia que não é impassível como os minerais. Subindo ao degrau dos animais irracionais, percebemos que reagem muito sensivelmente aos golpes dolorosos: gemem, rugem, fogem, contra-atacam... Elevando-nos ainda na escala dos seres, chegamos ao homem, que certamente sofre mais do que os restantes seres criados, porque, além de sofrer fisicamente, ele sabe que sofre (tem consciência psicológica); o homem reflete sobre o seu sofrimento, comparando-o com o seu ideal e verificando que este é, não raro, truncado ou prejudicado pelas adversidades da caminhada: um pai ou uma mão de família atingidos em sua saúde física quando têm filhos pequenos, sentem, além do incômodo físico, a dor de não poderem desempenhar devidamente a sua tarefa de educadores... Diremos mesmo: quanto mais um ser humano é nobre e profundo (no plano moral), tanto mais sofre; quanto menos alguém tem ideal ou vive como criatura inteligente, tanto menos sofre: diz-se que a mãe desnaturada é aquela que não se sensibiliza pela dor dos filhos.

Eis em que termos o sofrimento é essencial ao homem e característico da sua transcendência: ele decorre da dignidade mesma da natureza humana, que aspira legitimamente a realizações prejudicadas pelos golpes da vida. Ele decorre, com outras palavras, da nobreza intelectual (e espiritual) do ser humano, que não só conhece, mas sabe que conhece ou reflete sobre si mesmo (coisa que os animais inferiores não realizam).

Está claro, porém, que uma pessoa de fé sabe superar a dor natural que a afeta, olhando para o modelo do Cristo Jesus; Este, diante da perspectiva da sua Paixão e Morte, orava: "Pai, se possível, que este cálice passe sem que eu o beba; faça-se, porém, a tua vontade e não a minha" (Mt 26,39). Acima de tudo, importa ao cristão identificar-se com o desígnio do Pai, que certamente é mais sábio que os planos dos homens.

3. Sofrimentos e pecado

Nos incisos 9-15, João Paulo II percorre a história das respostas dadas ao problema do sofrimento. Verifica que, a princípio, o povo de Israel o associava sempre ao pecado cometido pelo indivíduo sofredor; seria castigo de faltas pessoais. Tal tese, desmentida pela história, foi posta em xeque pelo livro de Jó, no qual aparece um homem reto que sofre. Os sábios de Israel perceberam então que o sofrimento poderia ser provação infligida por Deus ao homem para acrisolar as suas virtudes. Sobreveio Jesus Cristo, que o Pai quis carregar com os pecados de todos os homens (cf. 2Cor 5,21); inocente, sofreu as conseqüências do pecado - a dor e a morte: "O mal permanece ligado ao pecado e à morte. E, ainda que se deva ter muita cautela em considerar o sofrimento do homem como conseqüência dos pecados concretos (como mostra precisamente o exemplo do justo Jó), ele não pode contudo ser separado do pecado das origens, daquilo que em São João é chamado "o pecado do mundo" (cf. Jo 1,29)".

Estes dizeres são importantes porque reafirmam a doutrina do pecado original numa época em que este é diluído em concepções vagas. O primeiro pecado da história não foi simplesmente um fato desregrado como outro qualquer, mas um Não dito ao convite de Deus, que chamava o homem ao consórcio de sua vida (na Justiça original); essa recusa acarretou para os homens a perda dos dons paradisíacos, entre os quais o não sofrer e o não morrer. A S. Escritura, de ponta-a-ponta, relaciona a dor e a morte com o pecado (ao menos, o pecado original ou dos primeiros pais). Há, sim, nas origens da história humana um pecado que é responsável pelo desencadeamento da miséria física e moral de que o homem sofre através dos séculos. Como bem atesta São Paulo, em consonância com todo o Antigo Testamento, "por um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte" (Rm 5,12).

4. Sofrimento-serviço

João Paulo II alude ao sentimento de inutilidade que acomete, muitas vezes, as pessoas que sofrem; julgam ser apenas fardo para os outros - o que as aflige e humilha. Ora a propósito escreve o S. Padre:

"Torna-se fonte de alegria o superar o sentimento de inutilidade do sofrimento, sensação que, por vezes, está profundamente arraigada no sofrimento humano; e isto não só desgasta o homem por dentro, mas parece fazer dele um peso para os outros. O homem sente-se condenado a receber ajuda e assistência da parte dos outros e, ao mesmo tempo, considera-se a si mesmo inútil. A descoberta do sentido salvífico do sofrimento em união com Cristo transforma esta sensação deprimente. A fé na participação nos sofrimentos de Cristo traz consigo a certeza interior de que o homem que sofre, completa o que falta aos sofrimentos do mesmo Cristo; e de que, na dimensão espiritual da obra da Redenção, serve, como Cristo, para a salvação dos seus irmãos e irmãs. Portanto, não só é útil aos outros, mas presta-lhes ainda um serviço insubstituível" (nº 27).

O Papa frisa que o sofrimento é serviço insubstituível. E isto a dois títulos: 1) na comunhão dos santos, aquele que se santifica contribui para santificar o mundo inteiro ("uma alma que se eleva, eleva o mundo", diz Elizabeth Leseur); a mais íntima configuração a Cristo beneficia os irmãos; 2) aquele que sofre com paciência e tenacidade heróicas, dá aos seus semelhantes um exemplo que os homens fortes, importantes e violentos não conseguem dar. É dos enfermos heroicamente prostrados sobre o seu leito de dor que os homens sadios podem aprender coragem e magnanimidade. Não fossem tais figuras pacientes, o mundo careceria de lições valiosas e insubstituíveis. Aquele que remata uma discussão dando um murro sobre a mesa e quebrando valores, é mais fraco do que aquele que sabe aguardar magnanimamente a hora precisa para salvar os valores em perigo.

5. O mistério do sofrimento

O S. Padre, apesar de propor a transfiguração do sofrimento em Cristo e por Cristo, não deixa de reconhecer que "o homem no seu sofrimento permanece um mistério intangível" (nº 4). Na verdade, se podemos dizer que todo sofrimento decorre da derrogação à ordem inicial instituída pelo Criador, se podemos dizer também que é participação da Páscoa (morte e ressurreição de Cristo), não nos é possível explicar por que tal ou tal pessoa sofre deste ou daquele modo,... por que uma mãe de família é arrebatada deixando filhos pequenos, ou por que tal pai desaparece sem ter cumprido plenamente a sua missão humana.

Cremos que cada um desses casos está envolvido nos sábios desígnios do Senhor Deus, que não se engana, mas, ao contrário, é muito mais perspicaz do que a limitada inteligência humana. Na visão face-a-face de Deus e do seu santo desígnio sobre este mundo, teremos a alegria de perceber melhor os nexos que ligam os acontecimentos da história entre si, fazendo desta uma sintonia harmoniosa. Por ora, compete-nos adorar em silêncio as santas e sábias disposições da Providência Divina.

Como se vê, a Carta de João Paulo II vem a ser rico alimento espiritual destinado a todo e qualquer indivíduo, pois reflete sobre o tema que é a trama da vida de todo homem, causando escândalo a uns, curiosidade a outros, e elevação mística a terceiros. É precisamente na direção do engrandecimento do homem e da descoberta de novos horizontes que João Paulo II propõe suas considerações. Os cristãos não podem deixar de ser gratos ao Santo Padre por mais este belo texto, que eles hão de procurar meditar e transformar em vida.

A propósito muito se recomenda

JOURNET, CHARLES, Le mal. Desclée de Brouwer 1961.





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