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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A versão portuguesa da Bíblia entre os protestantes

Interessam-nos agora apenas as versões feitas ou ao menos generosamente espalhadas pelos protestantes. Por isso, não trataremos dos primeiros tradutores lusitanos da Bíblia, os monges de Alcobaça, nem dos letrados portugueses no tempo do El Rei D. João I, nem de Gonçalo Garcia de Santa Maria, nem de Dona Filipa de Lancastre, filha do infante D. Pedro e neta de D. João I, nem mencionaremos outras versões de menor importância que precederam a tradução protestante de João Ferreira de Almeida.


Nascido em Lisboa, no ano de 1628, de pais católicos, seguiu João Ferreira de Almeida para a Batávia, passando em 1642 para a Igreja Reformada. Com 15 anos, já traduzia do espanhol para o português um resumo dos Evangelhos e Epístolas. Ordenado ministro calvinista, a par de suas atividades missionárias, traduziu primeiramente o Novo Testamento sobre o texto grego, que seguiu quando diferia da Vulgata (como atesta o padre Antonio Ribeiro dos Santos) e o Antigo Testamento sobre o original hebraico (servindo-se da edição holandesa de 1618), com o auxílio da versão castelhana e de outras traduções. Por isso, se diz que a versão Almeida é tradução de traduções. Como calvinista, não excluiu os livros deuterocanônicos que o luteranismo rejeita.


O Novo testamento foi impresso em 1681 e o Antigo Testamento começou a ser divulgado em 1738 e ficou concluída a sua impressão em 1748, muito após a morte de Ferreira da Almeida, o que se deu em 6 de agosto de 1691.


Ferreira de Almeida foi apóstata, não porém padre apóstata, como vulgarmente se afirma[1].


A tradução em foco tem como características:



a) É demasiadamente servil.

b) Tem muitos modismos e expressões holandesas, familiares ao Autor, que cresceu ouvindo esse idioma.

c) Foi deploravelmente estropiada pelos revisores (Bartholomeus Heynes e Joannes de Vought): o próprio autor se revoltou contra a incapacidade dos revisores quando teve em mãos, na Batávia, o primeiro exemplar impresso, redigindo depois uma advertência com um índice de mais de mil erros e não os deu todos.


A 2ª edição, aparecida doze anos mais tarde, já falecido o autor, foi ainda mais miseravelmente desfigurada pelos revisores (Theodorus Zaz e Jocobus op dem Akker), pouco conhecedores da língua portuguesa, que corromperam o que das belezas do original havia escapado à barbaridade dos seus predecessores. Assim, colocaram quase todos os verbos no fim, tornando o sentido obscuro, violentando a frase e viciando a construção dos períodos. Diversas edições teve o Novo Testamento e, como diz Santos Ferreira, as revisões da versão de Ferreira de Almeida quase que se contam pelo número de edições feitas por revisores que desconheciam nosso idioma.


É sabido que Ferreira de Almeida deixou incompleta sua obra do Antigo Testamento, terminado por Jacob op dem Akker, que traduziu a parte restante de Ezequiel, Daniel e os Profetas Menores.


Desde 1808, aproveitando-se da abertura dos portos, a Sociedade Bíblica Britânica inicia, no Brasil, sua propaganda de exemplares do Novo Testamento de Ferreira de Almeida. Mais tarde, crescendo essa distribuição, o Arcebispo da Bahia, d. Manuel Joaquim da Silveira, publicava, em 1862, uma carta pastoral para prevenir os fiéis "contra as adulterações e mutilações da Bíblia traduzida em português pelo padre F. A. de Almeida"[2].


Outra tradução espalhada pelos protestante é a do padre Antonio Pereira de Figueiredo (1725-1797), que começava a editar em 1778 o Novo Testamento e, de 1783 a 1790, o Antigo Testamento, traduzindo a Bíblia da edição Vulgata [de São Jerônimo]. De sua obra tiraram-se várias edições, inclusive uma no Brasil, da Livraria Garnier, em 1864, com notas de Delaunay, que foi aprovada por mandamento do Arcebispo da Bahia (por ato de 1863).


A Sociedade Bíblica de Londres publicou diversas edições da versão Figueiredo, sem prefácio e notas. A de 1821 trazia os deuterocanônicos, que os protestantes consideram apócrifos. Mas a edição de 1828 já não os apresenta mais. É que nesse interim a Sociedade Bíblica de Londres, por decreto de 3 de maio de 1826, proibira a divulgação da Bíblia com os pretensos livros "apócrifos" (Cornely, Manuel d'Introduction, vol. I, p. 50).


Francisco Recreio, um dos censores da edição católica de 1864, advertia que aquela edição se publicava com todo o cuidado porque - dizia - a propaganda protestante a tem introduzido facciosamente em Portugal e países de sua dominação, fazendo-a imprimir, a seu talante, por imprensas impuras e falsificadoras.


Sendo Pereira de Figueiredo exímio latinista e cultor da língua pátria, sua obra goza merecidamente de valor clássico, sob o ponto de vista filológico e literário. Entretanto, o autor sofreu as influências regalistas da época, que defendeu nos livros "Tentativa Teológica" e "Análise da Profissão de Fé do Santo Padre Pio IV", que foi posto no Index (26.01.1796). Entretanto, Pereira de Figueiredo recusou-se a retratar-se. Diante disso, compreende-se que suas notas tenham sido condenadas, embora grande número delas atestem seus conhecimentos lingüísticos, históricos e literários. Nelas, porém, não prevalecem nem o espírito sacerdotal nem a piedade cristã[3].


Ocupado o território português por tropas britânicas e estabelecidas as relações comerciais e políticas com a Grã-Bretanha, a colônia britânica residente em Lisboa e no Porto rapidamente se propagou pelo Reino. Tudo isso favoreceu a iniciativa da Casa Bertrand de divulgar as edições de Figueiredo.


De 1902 em diante, tem a tradução de Figueiredo sido reeditada por Santos Farinha, com notas de Glaire, Knabenbauer, Lesetre, Lestrade, Poel, Vigouroux etc., com aprovação do Exmo. Cardeal Patriarca de Lisboa.


Na realidade, nem Almeida nem Figueiredo satisfaziam completamente as Sociedades Bíblicas Britânica e Americana, que decidiram, em 1886, preparar uma nova tradução baseada na versão Figueiredo. Nomearam duas comissões, uma em Portugal e outra no Brasil. A brasileira traduziu uma parte do Evangelho de São Lucas e deixou de funcionar; a portuguesa continuou o trabalho até 1901, traduzindo o Novo Testamento até o fim da Epístola aos Hebreus.


Assim abandonado, o plano se realizou mais tarde, em 1902, na "tradução brasileira" sobre as línguas originais. A comissão tradutora era composta dos seguintes ministros: W.C.Brown, da Igreja Episcopal; J.R.Smith, da Igreja Presbiteriana (Sul); J.M.Kyle, da Igreja Presbiteriana (Norte); A.B.Trajano, da Igreja Presbiteriana Sinodal; E.C.Pereira, da Igreja Independente; e Hipólito de Campos, da Igreja Metodista. Associados com esta comissão havia vários literatos brasileiros como consultores. A 1ª edição do Novo Testamento desta versão saiu em 1910 e a Bíblia completa, em 1917. Desta edição diz o dr. José Carlos Rodrigues:



"Se perdemos nela o castigado e belo português do trabalho de Figueiredo, ganhamos uma revisão muito fiel dos originais, seguindo as melhores autoridades... Escoimada de bastantes erros tipográficos que contém e melhorada a sua linguagem em alguns pontos, é a versão portuguesa que deve permanecer como a mais fiel, sendo por isso indispensável aos que estudam a Bíblia" (Estudo sobre o Velho Testamento, vol. I, pág. 193).


O rev. Eduardo Moreira, um dos líderes protestantes em Portugal, ao contrário, assim se expressa:



"A erroneamente denominada 'versão brasileira de 1911', por uma comissão de teólogos na qual predominavam os norte-americanos, não chegou a satisfazer os mesmos brasileiros e é intolerável em Portugal" (The Significance or Portugal, páb. 36).


Por isso, em abril de 1943, as Sociedades Bíblicas Unidas, sentindo a necessidade duma revisão de Almeida, constituíram uma comissão de 18 membros, 12 para o Novo Testamento e 6 para o Antigo Testamento. Essa comissão até hoje desenvolve suas atividades, pensando dar ao Brasil a melhor versão vernácula.


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Notas

[1] Esse equívoco se deve: (a) Ao fato de confundir-se o seu nome com o de um certo jesuíta também Ferreira de sobrenome; (b) Ao fato de se declarar invariavelmente nos frontispícios de todas as antigas edições de sua Bíblia que a tradução foi feita pelo "Revdo. Pe. João Ferreira A. de Almeida". Mas nessas ocasião, vários ministros do Evangelho holandeses, alemães, dinamarqueses se auto intitulavam "Reverendos Padres" e, o que é mais original, "Reverendos Padres Dominicanos".

[2] Aí se examina a edição de Nova Iorque que os protestantes espalhavam no Brasil; depois de tê-la confrontado com o texto reconhecido autêntico desde dos primeiros séculos, mostra que ela contém alterações, mudanças, mutilações e acréscimos, por exemplo Lc 1,28; At 14,23; Ef 5,32; 2Tm 4,5; 2Jo 5,6,10,15,17,20.

[3] Mr. Fox, querendo justificar o fato de os protestantes se apropriarem desta tradução católica, diz a respeito do seu autor: "Foi um clérigo católico romano, mas adversário das pretensões da autoridade papal e inimigo dos jesuítas. Além disso, não é tradutor servil da Vulgata, mas atreveu-se a seguir o texto grego e, portanto, tem o espírito quase-protestante".

Fonte: Estudos Bíblicos Adicionais, Ed. das Américas.

Mons. Agnelo Rossi

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