Tarde é melhor que nunca, e mesmo que eu tenha pensado sobre nossa conversa várias vezes nas últimas semanas, não é hoje ainda o dia em que eu poderei sentar e colocar alguns pensamentos no papel. Esperei que você ligasse para que pudéssemos nos encontrar para discutir mais. Você poderá assar mais alguns salmões e trazer sua família na próxima vez. Não precisamos conversar sobre "religião" o tempo todo; podemos também discutir a vida em geral como negócios, as crianças crescendo, ou o presidente Clinton (sempre temos coisas interessantes sobre ele). Podemos também andar pelos trilhos que cortam nossos bosques.
Mesmo que nossa discussão de algumas semanas atrás esteja ainda de pé, minha esposa e eu gostamos da sua visita; sempre respeitamos as pessoas que são apaixonadas por suas crenças, e mesmo que discordemos em algumas conclusões, sentimos um companheirismo dos que, como nós, desejam estar no centro da vontade de Deus.
Desde a nossa última conversa tive alguns editores interessados em publicar os três livros que tinha terminado; quem sabe o que o Senhor quer fazer... Estou agora no meio de mais três livros: Abraão e a Justificação, A Igreja, e um outro que critica a obra de Hislop chamado As Duas Babilônias.
A propósito, você sabe de algo sobre Alexander Hislop? Não há informação sobre ele no livro. Escrevi ao editor, os irmãos Loizeaux em Netune, Nova Jersey. Ele é um homem misterioso. Eles também não têm nenhuma informação sobre ele e já fizeram a mesma pergunta várias vezes. Não creio que ele seja um cristão ortodoxo, especialmente à luz dos comentários que ele faz sobre a Trindade. Estou tentando descobrir o seu mistério. A teoria que ele propõe, que a Igreja Católica é a "prostituta da Babilônia", é uma teoria insustentável, e até eu mesmo acreditei nisto por anos. Eu cresci vendo este livro proeminentemente arrumado no armário do meu pai. Quando terminar esta obra, te enviarei uma cópia.
Queria saber o que você pensa sobre Batismo e Eucaristia (contidos em Crossing Tiber). Quando eu era protestante não os apreciava muito, de fato os rejeitava. Eles me irritavam e eu teria repudiado a porção histórica assim como partes da "história Católica", não entendendo porque os primeiros cristãos teriam dito e acreditado em tais coisas. A tradição protestante era tão parte de mim que eu estava disposto a ser um tanto irracional para poder fazer com que as coisas se encaixassem na crença que eu tinha adotado.
Lembra que nós concordamos que a morte de Jesus na cruz era o centro do Evangelho? E que você tinha quatro estantes de livros católicos que nunca mencionavam isto? Você poderá se surpreender, mas eu abri o Catecismo da Igreja Católica. O Catecismo é pleno do Evangelho, explicando a morte de Jesus na cruz, a reconciliação, a necessidade da fé na justificação. Tenho lido muitos livros católicos e procurei achar coisas que você não viu, ou talvez não quis ver. Ou possivelmente, não usou a nomenclatura exata que chegasse a lhe confortar.
Quando você esteve aqui nós conversamos sobre a conversa que Jesus teve com Nicodemus. Fiz algumas pesquisas sobre Jo 3,5 e o fluxo contextual da passagem. Refiro-me especificamente à resposta de Jesus à pergunta de Nicodemus:
"Nicodemos perguntou-lhe: Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus". (Jo 3,4-5)
Em nossa discussão, e em meu livro, expliquei que as palavras de Jesus estavam se referindo aobatismo, e o batismo é um sacramento pelo qual a pessoa, pela fé e pelo Espírito, nasce de novo. Alguns anos atrás este conceito era odioso para mim. Em 1993 tive a certeza de que minha filha conhecia a "natureza simbólica" do batismo antes de batiza-la junto com seus amigos na Primeira Igreja Batista de Wayne.
Você fez um comentário sobre a palavra "e" na sentença "da água e do Espírito". Agora, se entendi corretamente, ocorre a impressão de que você põe Jesus de lado quando diz que a palavra grega para "kai", que conecta "água" e "Espírito", possivelmente é traduzida como "ainda pelo" em vez de "e". Fiz algumas pesquisas sobre este assunto e descobri que as evidências, e a opinião dos estudiosos, são contra este tipo de formatação. É este o contexto lógico? É esta a forma contextual mais clara de traduzir o texto? Como a igreja primitiva entendia estes versos? Partilhando o Evangelho com alguns religiosos, especialmente alguns Testemunhas de Jeová, percebi que eles tinham algum interesse neste contexto. Eles percebem o texto com uma idéia previamente formada e atribuem as passagens mais difíceis segundo a sua linha teológica, forçando a Palavra de Deus aos seus moldes. Receio que muitas seitas utilizam este mesmo recurso nas palavras de Jesus em João 3,5. A tradição protestante geralmente pratica este mesmo recurso "tornando a Palavra de Deus sem efeito devido suas tradições" (Mc 7,13). Como protestante, ou preferencialmente como um batista fundamentalista, fui acusado de praticar isto em muitas ocasiões, apesar de faze-lo com profunda consciência, sem saber que o que fazia era errado. Sempre que me confrontava com alguns versos problemáticos eu simplesmente os "pulava" para evitar conclusões desconfortáveis. Jesus e os apóstolos disseram coisas de tal modo que nos deixam desconfortáveis. Disseram coisas que não pensaríamos em dizer atualmente. Como você pode dizer que ama Jesus e moldar as Suas Palavras em João 3,5 para melhor se adequar à sua tradição?
João é muito claro em seu Evangelho, especialmente à luz do contexto, acerca das palavras de Jesus. O apóstolo João, que provavelmente escreveu seu Evangelho na época do imperador Trajano (98-117 d.C.), certamente compreendia como seus leitores do final do século iriam entender o diálogo entre Jesus e Nicodemos, especialmente desde que o batismo tinha sido, e sempre foi, o ensinamento e a prática da época de João. João descreve as palavras de João Batista e do batismo de Jesus (as águas do batismo e a descida do Espírito como símbolo), então, após o casamento em Caná, Ele fala com Nicodemos e menciona o novo nascimento pela água e Espírito. Como os contemporâneos, livres das interpretações protestantes, entenderam as palavras de Jesus?
Imediatamente após o diálogo com Nicodemos João relembra, "Depois disto Jesus foi com seus discípulos para a terra da Judéia. Habitava com eles e batizava" (Jo 3,22) e depois, "Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido que ele fazia mais discípulos e batizava mais que João,..." (Jo 4,1). Porque João coloca estes eventos neste contexto? Jesus e seus discípulos batizando não é mencionado pelos sinóticos. Porque ele dispõe o ensinamento do renascimento pela água e Espírito junto com tal evidência de trabalho batismal? João conhecia seu contexto e, isento do prejuízo protestante, pretendeu nos dizer exatamente o que Jesus queria dizer e o que a Igreja sempre entendeu sobre o assunto. João não foi insensato, muito menos o Espírito Santo. Minha antiga comunidade me forçou a tornar nulas as palavras de Jesus, ou pelos menos meu entendimento sobre elas.
Então fui buscar o que os primeiros cristãos, inclusive os que conheceram Jesus e os apóstolos, entenderam sobre o significado das Suas palavras. Não há necessidade de listar as suas citações. Em meu livro "Crossing the Tiber" eu as faço largamente. Alguém nos primeiros séculos sustentou a visão simbólica do protestantismo sobre o batismo? Ninguém. E se você discordar de mim, o ônus da prova é seu. Os Padres apostólicos da Igreja ensinavam a teologia protestante? Nem de perto. Se alguém discorda, produzam as evidências. Fiquei muito confuso quando comecei a ler os escritos primitivos. Muitos dizem que não interessa o que os Padres escreveram porque se fosse importante Deus os colocaria no Novo Testamento. Os mesmo Padres e bispos da Igreja Católica que defendiam a Trindade, a divindade de Cristo, a inspiração e a inerrância da Escritura, também ensinaram a presença real de Jesus na Eucaristia, a regeneração pelo batismo, os sacramentos, a autoridade dos bispos, a unidade visível e orgânica da Igreja, etc.
Os apóstolos, seus discípulos e os Padres não ensinaram nada acerca das doutrinas luteranas daSola Scriptura, Sola Fide, e outros desvios protestantes. Eles não possuíam um Novo Testamento e fora estes bispos católicos, mediante a devida autoridade, que canonizaram o Novo Testamento que é lido e aceito hoje por todos os ramos do cristianismo.
A propósito, lembra que você falou que a Igreja Batista do Calvário na rua Joy em Canton não era uma igreja batista? Que você comentou que ela era uma "igreja livre" e não realmente uma batista? Achei isto muito estranho. Liguei para eles outro dia e perguntei se tinham deixado a titulação de "batistas". Eles ficaram chocados e disseram "Pelos céus não! Somos verdadeiros Batistas em nossa teologia!" Ou você não sabia disto, ou você, querendo tapar o sol com a peneira, queria negar sua filiação a uma igreja e por isso se ver livre de qualquer crítica? Sei que muitas pessoas gostam de fazer isso. Dizem que servem só a Deus para esconder que são batistas ou presbiterianos e que defendem as respectivas doutrinas, que são conflitantes. Querem ser cristãos genéricos e, portanto, sem o peso das críticas às denominações, ficando somente estas cabíveis à Igreja Católica, com seus 2000 anos de história. Nada mais falso e injusto. Creio que os debates devem acontecer mediante ambos colocarem todas as cartas na mesa.
Por acaso você se envergonha de ser batista? Um fundamentalista? Um evangélico? Um protestante? Se realmente você pensa desta forma, não fique envergonhado. Existem coisas piores do que ser chamado de fundamentalista. Eu detestei esta identificação, e por 39 anos, e nunca me neguei ou escondi minha antiga denominação. Se você acredita nisto, seja prudente e ore muito. Se você está com vergonha ou desconfiado, então entre para uma denominação que possa lhe "orgulhar".
Por favor, entenda que eu não pretendo ser crítico. Continuo discutindo com minhas antigas crenças e é bom para minha alma que fique pensando sobre estes assuntos. Sei que você é um bom e sincero cristão. Ninguém poderia evangelizar e cuidar das pessoas como você faz sem um amor genuíno ao Senhor Jesus. Nós dois amamos Jesus e temos diferenças de opiniões em certos pontos, mas isto até é bom e correto para nós termos estas discussões para analisarmos nossas compreensões sobre o Evangelho e encontrar a verdadeira doutrina. Por favor, não considere minhas palavras como um ataque, não tenho esta intenção. Estou debatendo com você como de um irmão ao outro, por amor a você, a Cristo e à Sua Palavra.
Você se importa se eu fizer mais algumas perguntas, agora que estamos conversando numa boa? Primeiro, conversamos sobre o ensino Bíblico de que Abraão fora justificado pela fé, como escrito em Gênesis e referido por Paulo em Romanos 4,9, onde ele diz que "Porquanto, dizem que a fé foi imputada a Abraão como justiça". Você comentou que a palavra "imputada" era aorista (isto é, 3ª pessoa, singular, aorista, passivo, indicativo) e, portanto, significava algo em um determinado ponto do tempo (puntiforme, a definição de aorista). Você obviamente está correto, concordo.
Então, você pode me apontar em qual momento Abraão acreditou? Você pode apontar o momento aorista em que ele foi salvo? Sendo que esta foi uma ocasião momentânea na história da humanidade, e na história da salvação, deveria estar claramente mostrado quando Abraão acreditou e quando lhe fora imputada a justiça. De não-crente para crente, de sem fé para a fé.
Sabemos que Paulo citou Gn 15, mas é onde Abraão acreditou pela primeira vez em Deus? A primeira vez que ele teve fé? E quanto a Gn 12? Não nos diz Hb 11.8, "Pela fé, aquele que se chama Abraão obedeceu, partindo para o lugar que havia de receber por herança; e partiu, sem saber para onde ia".Seria esta outra forma de fé? Vemos aqui uma obediência pela fé. Ele construiu altares para Deus no monte Moriá (Gn 12,6-7), em Betel (Gn 12, 8) e em Hebron (Gn 13,18). Durante este tempo pela fé "esperava aquela cidade de sólidos fundamentos, cujo arquiteto e fundador é Deus" (Hb 11,10). Por favor note que tudo isto ocorre antes da declaração de Gn 15. Isto foi há muitos anos, provavelmente mais de 10 anos, entre as declarações de fé salvadora contidas em Gn 12 e Gn 15. Em qual ponto a sua fé o salvou? Ou foi um processo de fé e obediência? O fato de Paulo usar o aorismo em Rm 4,9 nos confere pouca, senão nada, que relacione a fé de Abraão e sua subseqüente justificação.
Além disso, no contexto cristão, a justificação é vista como uma entrada na Nova Aliança. Quando Deus deu a Abraão os sinal da Aliança? Em Gn 12 quando ele acreditou pela primeira vez aos 75 anos de idade? Em Gn 15 quando é dito que ele fora contado entre os justificados? Ou em Gn 17 quando ele tinha 99 anos de idade?
Deus estabeleceu sua aliança com Abraão em Gn 17. O sinal desta aliança era a circuncisão (ai!) Abraão foi justificado pela fé, mas o que aconteceria se ele tivesse recusado obedecer e ter que cortar fora seu prepúcio? Qual seria sua posição diante de Deus agora? A sua obediência (ou desobediência) entraria na equação? E se ele tivesse recusado sacrificar seu filho?
No livro de Tiago temos uma outra perspectiva sobre a justificação de Abraão. Eu costumava evitar o livro de Tiago e pude claramente entender porque Lutero a chamou de "carta de palha". Tiago também fala sobre os elementos da fé de Abraão e da resultante justificação. Mas sob a ótica protestante Tiago devia estar confuso. Ele pensava que Abraão não foi justificado em Gn 15 ou 17, mas mais tarde, em Gn 22, quando ele ofereceu Isaac. Ele afirma, "Não foi ele justificado pelas obras, oferecendo seu filho Isaac sobre o altar?" (Tg 2,21). E então Tiago é audacioso o bastante para dizer, "Vedes, pois, que o homem é justificado pelas obras e não pela fé somente" (Tg 2,24). Você pode ver agora porquê Lutero não gostava desta Epístola?
Eu acredito assim como você que somos salvos pela fé, mas a fé somente é o que eu objeto. E vendo que Romanos não diz que somos justificados pela fé, somente, e Tiago claramente rejeita isto, eu creio que alguém deve se perguntar se está sendo verdadeiro com as Palavras de Deus, ou se estão sendo fiéis às suas tradições (que, neste caso é de somente 400 anos) e, portanto, anulando e alterando a Palavra de Deus. Eu desafio você a achar a justificação pela fé, somente, ensinada em qualquer ponto antes de Huss, Wycliff, Lutero e Calvino. Quando nos encontrarmos de novo podemos discutir sobre Abraão e sobre os livros de Romanos e Gálatas no contexto e ver o que descobrimos com eles.
De alguma forma, o argumento feito por Paulo em Romanos tem sido pressionado como a base dos debates católicos e protestantes. Será que isto estava na mente de Paulo quando escrevia aos fiéis de Roma, seus interlocutores? Paulo não estava falando sobre fé versus boas obras (obediência). Isto nem passava pela cabeça de Paulo. Quando os livros de Romanos e Gálatas são lidos no contexto, sociológica e biblicamente, fica claro o que Paulo está fazendo. Estudo exegético significa compreender, raciocinar sobre o que está sendo dito e permitir que o texto fale por si mesmo. O oposto disto, e o modo como muitos protestantes entendem o texto em seus debates contra católicos, é chamado eisegese. Isto é, leitura sobre nossas intuições e influências dentro o texto. Deve-se considerar a situação crítica e corrente a que Paulo está endereçando e ler o texto a esta luz.
Os judeus não ficaram satisfeitos em deixar os gentios se tornarem cristãos pela fé. Afinal, Jesus foi enviado aos judeus. Ele era o Messias dos judeus. Por essa razão, os judeus daquele tempo consideravam que antes de seguir o Messias judeu, os gentios deveriam obedecer as leis e os costumes judaicos, e carregar o sinal da aliança. Deveriam obedecer e cumprir as leis do Antigo Testamento e os costumes. Em outras palavras, os judaizantes estavam tentando fazer os gentios virarem "judeus" primeiro, antes de se tornarem cristãos. Diziam que se devia tornar cristão pela observação de todas as leis da religião judaica. Paulo não estava argüindo sobre salvação "pela fé" vs. "fé e obediência"! Ele estava dizendo, "Abraão foi justificado pela circuncisão e obediência aos dez mandamentos? Não, ele foi considerado justo antes dessas coisas existirem. Como ele foi feito justo? Pela crença em Deus enquanto ainda era gentil? Porquê? Não havia judeus ainda. Não havia dez mandamentos, não havia Levítico ou Deuteronômio, não havia tabernáculo".
Abraão foi justificado ainda gentil (não-judeu) e não precisou se tornar judeu para isso. Mas foi justificado aos olhos de Deus. Agora, estes gentios convertidos... Como eles poderiam ser justificados? Eles tiveram que ser circuncidados e seguir as leis judaicas antes que Deus os justificassem? Não, eles foram justificados como Abraão fora - pela fé. Tiago então elabora o que é a fé e o elemento crucial da obediência (boas obras), como João faz em sua primeira epístola.
Dessa forma, o argumento católico-protestante, o debate entre "fé - fé e obediência", não tem nada a ver com a discussão que Paulo estava tendo com os cristãos-judeus em Roma e na Galácia. Não era disto que Paulo estava tratando. Dizem que os protestantes têm feito injustiças com estas passagens tentando usa-las para provar a defesa luterana da "Sola Fide". Vês porque o contexto é importante? Os protestantes têm contornado a situação da justificação de Abraão pela fé nos argumentos referentes à fé e a fé e obediência e por isso não compreendendo o que Paulo realmente estava dizendo. Eu estava tão enraizado nas tradições protestantes, na mentalidade protestante do "pense-diferente-do-católico" que eu estava cego para muito do que Deus realmente quer dizer, o que era de fato uma forma de anular a Palavra de Deus por causa de minhas tradições.
Então, se não é problema de fé e fé e obediência, somos salvos pela fé à parte das boas obras (obediência a Deus)? Paulo não direciona isto em seu argumento. Ele nos oferece uma pista por embasar sua discussão sobre fé em Romanos com a frase "obediência da fé" no primeiro e no décimo-sexto capítulo. Paulo fez isso de propósito? Cristo morreu pelos nossos pecados e nós somos justificados pela fé nEle, à parte das leis dos judeus, mas não sem obediência e santidade. Este é o ensinamento da Igreja Católica. Não há forma mais clara e profunda de dizer isto que esta citação da Lumen Gentium, dos documentos do Vaticano II: "Os seguidores de Cristo, chamados por Deus não em virtude de suas obras, mas pelo Seu desígnio e graça, e justificados em Cristo Jesus, têm sido feitos filhos de Deus pelo batismo, o sacramento da fé, e participantes da natureza divina, sendo então verdadeiramente justificados. Dessa forma eles devem perseverar e manter perfeita em suas vidas esta santificação que receberam de Deus".
A discussão sobre a fé e a obediência (boas obras), ensinada por Jesus no Novo Testamento, pode ser feita quando nos encontrarmos novamente. Você pode checar algumas passagens como Mt 18 e notar em particular o versículo 35. Ele está se referindo aos pagãos ou aos crentes, aqueles que já haviam acreditado? As coisas nem sempre são tão claras como aparentam ser...
Um último comentário sobre a sua crença na "fé somente", o que, se entendida corretamente, é terminológica. Mas, quando conversamos, você foi enfático em afirmar que foi pelo fato da crença de Abraão em Deus em um determinado momento que Ele "fora contado entre os justificados". Este é o argumento de Paulo em Romanos e Gálatas, que já discutimos. Entretanto, você já atentou ao Salmo 105,31? Você pode começar lendo do v. 25 para ter idéia da história. Finéias era zeloso para com a casa de Deus e entrou em ação. A ele foi "imputada a justiça". Fiz uma pequena pesquisa e encontrei que estas eram as mesmas palavras hebraicas usadas em Gn 15,6 e o mesmo grego como na Septuaginta (o AT que Jesus e os apóstolos usaram). Impressionante?
Pesquisei a obra completa de Lutero. Ele nunca fez referência sobre este verso. Um dos três comentários protestantes omitem completamente este versículo. Kiel e Delitch dizem que é incomum, que parece apresentar uma outra base para a justificação. Nenhum protestante sabe realmente o que fazer com este versículo. É como ler o segundo capítulo de Tiago. Ninguém pode simplesmente dizer, "realmente foi pela sua fé, pois era um verdadeiro filho de Abraão" porque isto poderia ser lido como uma idéia pré-concebida pelas tradições (e você sabe o que Jesus disse aos fariseus quando eles fizeram isso?). Alterar as palavras do salmista (presumido como Davi) seria estar manipulando as Escrituras para se adequar às suas tradições fundamentalistas.
Outros poderiam dizer que isso é só poesia e não se pode tirar alguma teologia. Seria difícil manter tal posição considerando a importância desta frase na história salvífica. O salmista seguramente conhecia e compreendeu este evento na vida de seu pai Abraão. Davi não teria usado estas palavras "imputado a justiça" por nada. O Espírito Santo é cuidadoso com Suas palavras e não comente enganos estúpidos com tais chaves teológicas. Então o que isto quer dizer? Não creio que precise fazer muitas conclusões sobre este ponto. Eu sei, entretanto, que isto presta grande suporte à definição católica e apresentam um problema real para os fundamentalistas mais intelectuais e honestos.
Nós vemos que as Escrituras nos mostram Abraão sendo justificado pela sua fé e ouvimos Davi dizer que Finéias foi considerado justo pelo seu zelo à casa de Deus. Então, se interpretarmos esta passagem da mesma forma que fazem os fundamentalistas em Gn 15,6 veremos dois significados bíblicos sobre a justificação aos olhos de Deus: fé e zelo.
Você lembra da sua ênfase aorista sobre as palavras "acreditou" e "justificou"? Desde que o Salmo 105,31 usa as mesmas palavras, seria o zelo que provocou a justificação de Finéias um zelo dentro de um determinado tempo? Em outras palavras, Finéias fora justificado por um único ato de zelo, da mesma forma que Abraão o fora pelo ato da fé? Se você perguntar ao apóstolo Tiago, como você acha que ele responderia?
Deixarei você refletir, sabendo que você é cuidadoso e honesto com a Palavra de Deus. Outras coisas podem ser ditas, e creio que este versículo será bem importante nos futuros debates sobre a "fé somente", e desafiará muitos fundamentalistas a buscar as Escrituras um pouco mais seriamente. Vejo porque ele tem sido ignorado. Não creio que muitos protestantes usariam estes versículos em seus cultos. É um daqueles impactos no "caminho para Roma".
Uma última questão: você verificou os tempos verbais gregos dos verbos pelos quais você "foi salvo"? Quando você esteve aqui, disse-me repetidamente que tinhas lido João 3,16 e seus olhos se abriram, e você foi "salvo". Estudei um pouco o versículo para ver o tempo verbal:
João 3,16
"Com efeito, de tal modo Deus amou (aorista, pontualmente) o mundo, que lhe deu (aorista, pontualmente) seu Filho único, para que todo o que nele crer (presente, progressivo) não pereça (aorista, pontualmente), mas tenha (presente, progressivo) a vida eterna".
Interessante, não? O tempo presente "para todo o que nele crer" coloca uma luz diferente no versículo. Alguém poderia esperar que a crença seja aorista, para mostrar que é definitivo, de uma vez por todas, um evento em um ponto determinado do tempo. Outro poderia perguntar porque Jesus alertou para o presente do verbo em uma frase cheia de aorismos. Este tempo presente implica acontinuidade da crença, um processo progressivo, e não um evento em um determinado tempo, como uma vez fui convencido. Hewitt, em sua gramática "New Testament Greek (James Hewitt, B.A., B.D., M.A., Ph.D.; Hedrickson Publishers; 1986, page 13)", diz: "O tempo presente é basicamente linear e duradouro, avançando na sua ação. A noção de duração deve ser expressada graficamente por uma linha inquebrável, desde que a ação seja simplesmente contínua. Isto é conhecido como presente progressivo. Requintes desta regra geral poderão ser encontradas; entretanto, a distinção fundamental não deve ser negada". Aquele que comumente, habitualmente e continuamente acredita...
Ainda, a palavra "crer" não deve ser reduzida a um consentimento mental. A palavra "crer" nos tempos bíblicos carrega consigo um conceito de obediência e esperança. Kittel diz "pisteuo significa ?acreditar? (e também ?obedecer?)...". Vines diz "...Esperança, não mera crença...". Isto confirmado por João Batista em Jo 3,36, "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem não crê (apeitheo)no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus". A palavra "apeitheo" é entendida por todos os bons tradutores e comentaristas como significando "obediência". O antônimo de crer édesobedecer. O versículo na RSV diz "Aquele que crê (presente do verbo) no Filho... Aquele que desobedece (presente do verbo, progressivo, estado de persistência) a ira de Deus residirá nele". Kittel, que é protestante, em um trabalho muito bom, define claramente "apeitheo" como "ser desobediente". A crença tem a obediência envolta em seus braços e o oposto da crença bíblica é a desobediência. Ninguém pode se considerar "bíblico" se ensina a salvação por um consentimento mental sem a subseqüente obediência.
Finalmente, somente pode haver uma afirmação correta, verdadeira. Os cristãos têm caído na excitação relativista do século 20. Podem aceitar crenças contraditórias como sendo igualmente válidas. 1 + 1 = 2, nunca será 3. Franck Schaeffer, em seu novo livro Dancing Alone, descreve a situação: Talvez os primeiros reformadores protestantes não tivessem idéia do perigo mortal que eles desencadearam, perigo para suas próprias bases. Ainda no tempo de Lutero e Calvino, a rápida proliferação de denominações protestantes os encontrou na necessidade de uma tradição histórica legítima. Esta necessidade chegou porque os protestantes começaram a contradizer (e a matar) uns aos outros acerca de suas várias interpretações das Escrituras. Não possuindo uma Sagrada Tradição a qual os protestantes se aliassem, o único recurso para as divididas denominações protestantes era o apelo à Escritura de forma individual e subjetiva. Um problema tornou-se aberrantemente evidente: a interpretação de uma pessoa discordava amplamente de outra. Os protestantes encontraram-se enganados em sua oposição infinita, que persiste ainda pelos tempos de hoje. Apesar disso, existe aqui uma diferença: ninguém nesta largamente secularizada cultura os ouve mais.
A maior e mais fundamental falha dos protestantes não é sua Sola Scriptura, mas o dilema sobre o Cânon das Sagradas Escrituras. Tenho certeza que você já atentou a isto. Até R.C. Sproul disse que o melhor protestante deseja ser uma "lista falível de livros infalíveis". Calvino disse que o teste final da inspiração e canonicidade é o testemunho pessoal. Sola Scriptura é um assunto difícil para os protestantes, sei disso. Aqueles que acreditam na Sola Scriptura não conseguem prova-la somente pelas escrituras. E ainda pior é a incoerência dos ensinamentos protestantes que proclama leitura individual da Escritura como a maior autoridade e ao mesmo tempo impõe suas interpretações como corretas...
Como eu havia dito no início desta carta, respeito você pela sua sinceridade e paixão. Mas lembre-se que paixão não é garantia de correta doutrina, e alguém pode estar sinceramente errado. Estarei rezando por você e desejando que nós possamos discutir mais no futuro. Se você tiver interesse e continuar nosso diálogo, por favor, me ligue e poderemos combinar uma noite aconchegante para nossas famílias. Você tem crianças? Elas podem se divertir com as nossas. Podemos cozinhar bons bifes e assar marshmallows.
Que a graça, a misericórdia, e a paz de Deus Pai e Jesus Cristo nosso Senhor estejam com você. Pelo sangue do cordeiro.
Traduzido pelo Veritatis Splendor por Rondinelly Ribeiro, diretamente do site catholic-convert.com.
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