Uma igreja cristã da Flórida, chamada Centro para alcançar um mundo de paz (Dove World Outreach Center, em inglês), propõe relembrar o atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York queimando o livro sagrado dos muçulmanos, o Corão. A iniciativa do pastor Terry Jones, líder da instituição religiosa, preocupa a Casa Branca, o FBI e o comandantes das forças norte-americanas no Afeganistão. Falando à imprensa na última segunda-feira, o general David Petraeus alertou que “isso pode colocar em perigo tanto as nossas tropas quanto nosso esforço global no país”. Petraeus lembrou ainda que “estamos engajados com a comunidade muçulmana no mundo todo”.
O pastor evangélico disse ao canal CNN que “leva a sério” as palavras do general, mas não se mostrou disposto a mudar de ideia. “Estamos firmemente determinados a fazê-lo (queimar o Corão), mas ao mesmo tempo rezamos”, disse Jones. O religioso pediu que outras igrejas evangélicas se unam à proposta para lembrar os mortos do 11 de setembro e enfrentar “o demônio do islã”. A queima de um exemplar do Corão está prevista para o próximo sábado em frente ao templo liderado por Jones, em Gainsville, a mais de 500km ao norte de Miami.
Uma cópia de um relatório atribuído ao FBI, datado de 19 de agosto e “vazado” para o site Infowars, demonstra que a polícia federal americana estaria acompanhando o caso com atenção, e já teria identificado duas ameaças na internet, em resposta ao Dia Internacional de Queimar o Corão, como também tem sido apelidada a iniciativa do pastor Jones. Uma delas se refere a um membro do fórum islamista Al-Falluja, que afirma: “Gostaria de me detonar nessa igreja agora, em vingança por Deus todo-poderoso”. Os federais evitam comentar o caso com a imprensa. “Desculpe, mas não podemos discutir isso”, respondeu ao Correio, por telefone, um porta-voz do FBI em Jacksonville, na Flórida.
Preconceito
Muçulmanos queixa-se de um aumento no preconceito contra o islã nos EUA. “Lamentavelmente, nesse estado e em todo o país, a islamofobia está crescendo”, diz Ramsey Kilic, porta-voz do Centro de Relações Islâmico-Americanas (Cair). A entidade, porém, promete não adotar nenhuma ação para evitar a queima do livro sagrado. “O que nos preocupa é o sentimento anti-islâmico que se cria, que essa ação legitima e que pode gerar ataques contra mesquitas ou contra algum muçulmano nas ruas”, adverte Kilic.
Fundada em 1986, a denominação evangélica Centro para alcançar um mundo de paz acusa o islã de ser uma “religião diabólica” e de querer dominar o mundo. A igreja aceita doações pela internet, inclusive por meio de cartões de crédito, e vende, por US$ 20, camisetas com a inscrição “O islã é do demônio”, ou um livro com o mesmo título escrito por Jones. O pastor, de 58 anos, também é investigado por sonegar impostos e desviar dinheiro dos fiéis. “Ao queimar o Corão, estamos dizendo basta ao islã, basta à lei islâmica e basta à brutalidade. Não temos nada contra os muçulmanos, são bem-vindos em nosso país”, disse Jones à CNN. No site Facebook, sob o título International Burn a Koran Day (“dia internacional de queimar o Corão”), visitantes de diferentes credos debatem acaloradamente ou deixam ameaças e comentários xenófobos aos partidários e críticos da iniciativa.
Reação
A reação internacional temida pelo general Petraeus já começa a tomar forma. “Aconselhamos os países ocidentais a impedirem a exploração da liberdade de expressão para insultar os livros sagrados. Do contrário, os sentimentos que isso provocaria nas nações muçulmanas não poderiam ser controlados”, afirmou um porta-voz da chancelaria iraniana. Na Indonésia, o país com a maior população muçulmana do mundo, a minoria cristã está apreensiva. Uma entidade que reúne 20 mil igrejas protestantes enviou carta ao presidente americano, Barack Obama, pedindo-lhe para a intervir e evitar a provocação.
Ameaça às candidatas
Os talibãs ameaçaram ontem as eleições parlamentares marcadas para o próximo dia 18 no Afeganistão. “Somos contra as eleições e faremos tudo para impedi-las. Nossos primeiros alvos são as forças estrangeiras e depois as afegãs”, disse o porta-voz dos extremistas, Zabihullah Mujahid. As mulheres têm sido vítimas preferenciais dos ataques talibãs ao processo eleitoral. O número de candidatas aumentou 22% em relação a 2005: há cinco anos, foram 328 inscritas; em 2010, são 406. Pelas ruas da capital, Cabul, grande parte dos cartazes de candidatas estão rasgados ou riscados. Na província de Ghor, no centro-oeste, uma delas foi obrigada a abandonar a campanha e refugiar-se na capital. “Nove em cada 10 ameaças eleitorais visam às mulheres”, aponta o relatório de uma organização de associações de sociedade civil afegã. Nas províncias mais afastadas, a campanha das mulheres tem pouca visibilidade e as candidatas se queixam da indiferença do governo central. Elas alegam que o presidente Hamid Karzai tinha prometido dois guarda-costas para cada uma, promessa que não se cumpriu. Apesar da presença de quase 150 mil soldados estrangeiros, a violência é a pior desde que os Estados Unidos expulsaram os talibãs do governo, em 2001.
Memória
Histórico de tensão
O relatório do FBI divulgado pelo site Infowars recorda eventos similares ocorridos nos EUA e “percebidos por extremistas islâmicos como atos de difamação” contra o profeta Maomé e o livro sagrado muçulmano. Entre eles consta o Dia de todo mundo desenhar Maomé, convocado para 20 de maio de 2010 pelo cartunista Molly Norris. A partir do anúncio, a rede terrorista Al-Qaeda colocou a cabeça de Norris a prêmio e considerou “justificável” o assassinato de quem ridicularizasse o profeta do islã.
Outro antecedente mencionado pelo informe foi um episódio do desenho animado South Park, exibido em abril passado, no qual Maomé é representado em caricatura como um ursinho de pelúcia. Após a exibição do capítulo, os criadores do desenho animado receberam ameaças de morte, que diziam que eles poderiam acabar como o cineasta holandês Theo Van Gough, assassinado depois de fazer um filme crítico à sociedade islâmica.
Durante o governo de George W. Bush, as tropas americanas protagonizaram outros atos de profanação do Corão. Em maio de 2008, Bush pediu desculpas publicamente pelo fato de um soldado americano no Iraque ter disparado várias vezes contra o livro sagrado dos muçulmanos. Em 2005, soldados americanos chutaram e encharcaram com urina um exemplar do Corão que pertencia a um dos detentos muçulmanos na base em Guantánamo, onde estão detidos suspeitos de terrorismo capturados em várias partes do mundo.
Convite ao diálogo
Na contramão da iniciativa patrocinada pelo pastor Terry Jones, na Flórida, que semeia antipatia pelos Estados Unidos no mundo islâmico, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês) aconselha os países ocidentais a mudarem de estratégia no Afeganistão e adotarem uma política de contenção da Al-Qaeda e dos extremistas talibãs recorrendo principalmente na negociação política, em lugar do uso puro e simples da força. “O futuro passa claramente pela negociação com os participantes no conflito, ou entre eles”, afirma o IISS em seu balanço estratégico anual, publicado em Londres.
No Afeganistão, o IISS destaca que os esforços da coalizão liderada pela Otan para reconstruir o Estado e combater os insurgentes “alcançaram os limites políticos e militares”, no momento em que o conflito está perto de completar nove anos. “Pode ser necessário, e provavelmente é preferível, que as potências estrangeiras adotem uma política de contenção e de dissuasão para enfrentar a ameaça terrorista nas regiões fronteiriças entre o Afeganistão e o Paquistão.”
Analistas especulam que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, parece fugir da promessa de retirar as tropas do Afeganistão em julho de 2011, depois que Washington enviou este ano 30 mil soldados adicionais ao país. O IISS, porém, considera “cada vez mais duvidoso” que as tropas estrangeiras possam alcançar uma vitória sobre os talibãs, o fortalecimento do Estado e das forças de segurança afegãs ou o fim da corrupção no país.
Por outro lado, o instituto também considera que retirar rapidamente os quase 150 mil soldados estrangeiros poderia provocar uma “implosão no Afeganistão”. O relatório destaca ainda que os ocidentais devem elaborar uma nova estratégia também para o Paquistão, cujo governo “resistiu firmemente” às pressões para agir de maneira efetiva contra os insurgentes em seu território.
O IISS também destaca que uma nova ordem mundial emerge dos escombros da crise econômica de 2008, na qual os EUA podem cair em um “cansaço estratégico” em seu papel de polícia do mundo, enquanto novas potências, como Brasil e Turquia, podem ganhar influência.
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