A todos aqueles que vêm ter aqui, desejamos dizer e redizer incessantemente o que está inscrito no frontispício da Igreja: que o pai se reconcilie com o filho, o marido com a esposa, o crente com aquele que não pode crer, o irmão de uma confissão com o irmão separado.
De certo modo, a oração da nossa comunidade, em meio a esses peregrinos, consiste em dizer com eles: "Olha-nos, Senhor; vê o que somos hoje: divididos, separados pela história, incapazes de realizar a unidade". E eles que, na verdade, homens e mulheres vêm rezar aqui, pedindo a reconciliação de uma esposa com seu esposo, de um irmão com o seu irmão. E todas estas intenções de oração estão inscritas preto sobre branco e nos são confiadas. Levamo-las em nossa própria oração, certos de que o ecumenismo é a reconciliação. O ecumenismo começa sempre por essa reconciliação do homem com Deus e, depois, do homem com o homem, na família, profissão, na sociedade. É somente a partir dessas formas de reconciliação mais próximas que se pode caminhar em demanda da grande reconciliação universal de todos nós na Igreja una".
Como dito atrás, as aspirações ecumênicas dos monges de Taizé não foram devidamente entendidas nos seus primeiros vinte anos de existência, principalmente por parte de denominações protestantes. Atualmente, porém, o mosteiro é ponto de convergência e objeto de profunda estima para numerosas comunidades eclesiais protestantes, bispos luteranos e pastores de outras confissões cristãs dos países escandinavos, germânicos, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Verificou-se evidente mudança de mentalidade, que é certamente um dos frutos obtidos pela oração e o esforço dos monges de Taizé. Quanto aos fiéis católicos, costumam olhar com simpatia o movimento de Taizé, ao qual os Sumos Pontífices João XXIII e Paulo VI têm dado vivo apoio: é entrando em diálogo e procurando a aproximação que os cristãos derrubarão as barreiras humanas que os separam. A maneira como a unidade dos discípulos de Cristo se dará, não é objeto de discussão em Taizé, pois isto foge à alçada do programa dos monges e de seus visitantes; católicos e protestantes talvez encarem de maneiras diferentes essa questão. Como quer que seja, é somente o Espírito de Deus, com a sua graça, que pode restaurar a unidade dos irmãos separados, iluminando as inteligências e movendo os corações. E o Espírito há de ser invocado pela oração assídua: "Se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!" (Lc 11, 13).
A espiritualidade de Taizé, baseada, antes do mais, sobre a oração, se alimenta e exprime também pelo trabalho.
2.3. Trabalho
A comunidade de Taizé dedica-se intensamente ao trabalho, não só porque este é um fator de ascese e disciplina na vida dos monges, mas também porque, sendo pobres, os irmãos necessitam de exercer um ganha-pão. O dinheiro que eles assim adquirem não beneficia apenas a comunidade, mas também os semelhantes necessitados que os irmãos possam atingir.
As atividades dos monges são variadas.
Há os que se entregam à confecção de obras de arte: pintura, vitrais, cerâmica (certos artefatos de cerâmica de Taizé, por exemplo, têm sido levados a exposições internacionais, inclusive no Japão). Outros se dedicam à arte gráfica, atendendo ao setor de edições do mosteiro. Também o trabalho intelectual - estudo, redação e publicação de livros - interessa aos irmãos: alguns se aprofundam na teologia, principalmente na teologia ecumênica; outros pesquisam no setor da sociologia, considerando com olhar cristão as questões e conclusões da mesma.
A hospedagem de visitantes e peregrinos solicita outrossim o trabalho dos irmãos. Já que este setor é, por vezes, absorvente, bom número de amigos da comunidade colabora com os monges na recepção dos que batem à porta do mosteiro; estes são convidados à oração comunitária e, se possível, à participação da mesa fraterna. Ainda para receber os peregrinos em Taizé, há geralmente sacerdotes católicos e ortodoxos.
Dada a irradiação que o mosteiro vem tendo, foi necessário que os irmãos construíssem novas e novas dependências em torno do núcleo central. Não raro a mão-de-obra tem sido gratuita; alguns irmãos tomam parte da mesma.
A finalidade ecumênica do mosteiro faz também que os monges se desloquem freqüentemente, não raro em pequenos grupos de dois ou três e por um tempo mais ou menos longo Vão a países da Europa (Holanda, Alemanha, Escandinávia e Inglaterra), como também os Estados Unidos e à América Latina. Fundam pequenas Fraternidades em tais regiões, no intuito de propiciar reconciliação e renovação de vida entre os homens. No Brasil, os irmãos de Taize constituíram uma pequena Fraternidade junto ao mosteiro beneditino de Olinda (PE), mantendo boas relações com os monges de São bento e a população local. Passaram posteriormente para Vitória (ES), onde continuam até hoje, sem intenções proselitistas.
Não poderíamos terminar estas apreciações sem referir algo de mais explícito a respeito do movimento de jovens em Taizé.
3. Taizé e os jovens
3.1. O afluxo
A mensagem de reconciliação e otimismo proclamada pelos monges de Taizé tem encontrado eco particularmente significativo entre os jovens das diversas partes do mundo. Desde 1965 registra-se um afluxo crescente da juventude ao mosteiro de Taizé, principalmente por ocasião das férias de verão e de Páscoa. Em 1974, 19.000 jovens se encontravam em Taizé por ocasião da Páscoa.
Os observadores têm procurado indicar as causas precisas de tal afluxo: por que vão os jovens a Taizé com tanto interesse ?
Há quem responda que eles assim procedem porque gostam de viajar... e viajar como aventureiros. Poder-se-iam lembrar as aglomerações de jovens em Woodstock (ilha de Wight). Tal tendência a viajar exprimiria o desejo que os jovens têm, de fugir do mundo dos adultos ou da sociedade de consumo; seria, em outros termos, uma expressão de contestação. Ora inegavelmente Taizé é uma espécie de desafio ou contestação à sociedade de consumo. Lá não existe luxo; os visitantes não raro dormem sobre palha e comem precariamente.
Pode-se crer que essa mentalidade dos jovens explique, até certo ponto, o afluxo dos mesmos a Taizé. É o que se deduz, por exemplo, das palavras de Annick, peregrino em Taizé:
"A primeira vez que alguém vai a Taizé, creio que seja por curiosidade. Amigos, vizinhos voltam de lá entusiasmados, animados por nova força de vida e, não obstante, procuram não divulgar o que lá acontece".
Parece, pois, que a curiosidade e o desejo de estar na moda (de receber a cruz e a pedra azul de Taizé) explicam a primeira visita de muita gente ao mosteiro. Mas o fato de lá voltarem repetidamente já requer outra explicação. Esta parece consistir em algumas notas características de Taizé, que os jovens vão descobrindo aos poucos:
- a partilha. O ambiente de Taizé é estritamente comunitário, mesmo para os visitantes. Cada qual destes é incorporado a um grupo, onde há intercâmbio de idéias e valores humanos e cristãos; ora a descoberta desta realidade atrai;
- a oração. O ambiente de Taizé é fortemente marcado pelo espírito e a prática da oração. Os Ofícios litúrgicos convidam regularmente a esta; além disto, a calma e a beleza do lugar, o silêncio de certos recantos têm o mesmo efeito. É o que atesta Virgínia, visitante à qual muitos companheiros fariam eco:
"Aqui encontrei de novo o sentido da oração e da contemplação".
Um jovem belga, movido primeiramente pela curiosidade, assim se exprimiu:
"Havia sete anos que eu não entrava numa Igreja. Que silêncio ! Fiquei surpreso por não ver cadeiras. Quase tive vontade de puxar um cigarro... e rezar";
- engajamento ou compromisso. Em Taizé os jovens se conscientizam da missão que lhes cabe nesta fase da história e dispõem-se a agir.
Em conclusão, pode-se dizer que é a descoberta destes valores que, em última análise, prende os jovens a Taizé, de modo a explicar a crescente procura do mosteiro por parte da juventude.
3.2. O Concílio dos jovens
Vendo o interesse da mocidade por Taizé, o Prior do mosteiro, Ir. Roger Schutz, organizou em setembro de 1966 o primeiro Encontro Internacional dos mesmos. Nos anos seguintes, outros Encontros se realizaram, tendo sempre um tema próprio: "Viver", "Crer", "Um desafio: esperar". Diante do êxito obtido e por influência de Margarida Moyano, Secretária-Geral da Juventude Católica Latino-Americana, o Prior Ir. Roger Schutz resolveu lançar a idéia de um "Concílio de Jovens". Na Páscoa de 1970, uma equipe internacional de jovens anunciou a "Alegre Notícia" ... Todavia, antes da concretização da idéia, foi necessário proceder a uma série de preparativos: em diversas partes do mundo criaram-se grupos ou células destinados a refletir sobre a maneira de levar a termo a idéia com o máximo de êxito.
Finalmente na Páscoa de 1972 foi anunciada a data de realização do Concílio: agosto-setembro de 1974.
Com efeito, de 30 de agosto a 1º de setembro de 1974 uma multidão de 30.000 a 35.000 jovens, provenientes de 120 países, participou do grande Encontro. Este, porém, seria (e foi) apenas a primeira sessão do Concílio, que se protrairá por diversas sessões no decorrer de alguns anos, tomando sedes sucessivas nos vários continentes do globo. Os congressistas acamparam em tendas no vale próximo à colina de Taizé; nesse vale e na colina foram constituídos cinco centros de distribuição de refeições; vendiam-se também, em diversos lugares, alimentos, bebidas e utilidades a baixo preço. Os participantes do Congresso pagaram a sua diária, dentro dos moldes do seu possível; em geral, o Congresso e os congressistas procuraram autofinanciar-se, renunciando a doações. Muitos jovens fizeram horas "extra" de trabalho a fim de poder ganhar a sua subsistência no Congresso.
Os debates do certame levaram fortemente em considerações a situação angustiada de numerosos grupos e populações do globo; os representantes do terceiro Mundo relataram as condições de vida dos respectivos países, despertando assim os demais congressistas para o desafio da época aos cristãos e aos homens de boa vontade. O S. Padre Paulo VI, o Patriarca Dimitrios de Constantinopla (Istambul) e o Pastor Philip Potter, do Conselho Mundial das Igrejas, enviaram sua mensagem aos jovens reunidos, comunicando-lhes a orientação da fé neste momento, em que as posições extremistas exercem forte sedução.
Em conclusão, não se pode deixar de registrar a ação do Espírito Santo na comunidade de Taizé. Esta é realmente um sinal de reconciliação tanto para os cristãos como para todos os homens que desejem viver mais freqüentemente esta fase da história.
¹ Aliás, não é este o único testemunho de irmãos protestantes contemporâneos em favor dos votos religiosos. Sim; uma diaconisa protestante na África declarou:
"Quando uma jovem toma consciência desse convite de Deus a uma consagração total, deve fazer frente a três exigências muito precisas: a castidade, a pobreza e a obediência" (citada por Esnault, "Luther et lê monachisme acutel" p. 11, n. 1).
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