Revista: "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Autor: Estevão Bettencourt, Osb
Nº 195, Ano 1976, p. 113
Em síntese: O mosteiro protestante de Taizé é obra do Irmão Roger Schutz e seus companheiros. Roger Schutz, movido pelo desejo de propiciar a reconciliação entre os cristãos e, em geral, entre os homens divididos, houve por bem constituir, a partir de 1940, uma comunidade dedicada à oração, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos. A obra encontrou resistência durante os seus vinte primeiros anos, nos ambientes protestantes. Hoje em dia, porém, goza de estima e do apoio tanto dos protestantes como dos católicos; os Papas João XXIII e Paulo VI têm-lhe dado eloqüentes testemunhos de benevolência.
Os monges de Taizé restauraram no Protestantismo a prática dos votos religiosos: celibato de bens materiais e obediência. Dedicam algumas horas do dia à oração (comunitária e particular). Aplicam-se ao trabalho (manual e intelectual) para sobreviver e para auxiliar as pessoas e populações necessitadas: na América Latina, promoveram a operação "Esperança", que se destina a favorecer os mais pobres do continente. A fim de incentivar a sua obra de reconciliar, os irmãos de Taizé têm fundado pequenas Fraternidades fora de Taizé, na Europa e na América (inclusive na cidade de Vitória, ES, Brasil).
Os jovens têm sido fortemente atraídos pela mensagem de reconciliação e otimismo proveniente de Taizé. O afluxo dos mesmos ao mosteiro é vultuoso, principalmente nas férias de verão e de Páscoa. De 30/VIII a 1/IX/74 inauguraram o Concílio dos Jovens, que se protrairá por diversas sessões em várias partes do mundo durante alguns anos. Os temas do Concílio visam a despertar a juventude e, em geral, os homens de hoje para a responsabilidade que a história lhes impõe.
Em suma, Taizé é um sinal de esperança cristã em nossos dias.
Comentário : O movimento ecumênico visa à restauração da unidade entre os cristãos. Essa unidade foi violada por cismas sucessivos:
- em 431 e 451, separaram-se da comunhão da Igreja os nestorianos e monofisitas (que hoje constituem pequenas comunidades esparsas pelo Oriente);
- em 1054, sob o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla, separaram-se os bizantinos, arrastando consigo vários povos da Europa Oriental. São os cristãs chamados "ortodoxos" (ortodoxos, porque no séc. V não haviam caído nas heresias do nestorianismo e do monofisismo);
- em 1517, Lutero deu início ao movimento cismático protestante, que se continuou no Calvinismo, no Anglicanismo (ao menos na "Low Church") e nas denominações protestantes posteriores.
Frente a essas comunidades cristãs não católicas, existe a Igreja Católica, que se deriva, sem interrupção até hoje, de Jesus Cristo e dos Apóstolos.
Ora nos últimos tempos têm-se verificado tentativas numerosas de aproximação dos cristãos entre si. Uma das mais belas e alvissareiras é o mosteiro de Taizé, fundado por monges protestantes, mas aberto a todos os cristãos, na expectativa de um reencontro de todos na hora e nas circunstâncias que a Providência Divina houver por bem assinalar.
O mosteiro de Taizé, desde a sua fundação, há trinta e seis anos, vem chamando mais e mais a atenção do mundo cristão e não cristão por causa do ideal que representa. Eis por que nos propomos, nas páginas que se seguem, apresentar Taizé e as grande linhas de pensamento que inspiram a sua comunidade.
1. Origens e desenvolvimento
O fundador do mosteiro de Taizé é o Irmão Roger Schutz. Nasceu aos 12 de maio de 1915 na Provença (França) como filho de família protestante; seu pai, Charles Schutz, de origem suíça, era pastor. Desde cedo foi atraído pela Igreja Católica, como refere o próprio Roger Schutz:
"Quando eu tinha cinco anos, entramos numa Igreja católica. Tudo aí mergulhava na penumbra. A luz que iluminava a Virgem e a reserva eucarística, deixou em mim uma imagem até hoje inalterada" ("Ta fête soit sans fin", 30/05/69).
Quando o menino tinha treze anos, seus pais pensaram em mandá-lo estudar numa cidade vizinha, onde ficaria hospedado em casa de família. Poderiam escolher entre uma família protestante e outra católica. Esta era pobre, pois constava de uma viúva com numerosos filhos. Os pais de Roger eram propensos a ajudar essa viúva, pagando-lhe o preço da pensão do menino, mas hesitavam por causa da fé católica da viúva. Finalmente optaram pelo alvitre mais generoso, confiando a esta o seu filho protestante. Em conseqüência, Roger Schutz, em seus anos de formação, compartilhou o estilo de vida de uma família protestante (a sua) como também o de uma família católica.
Durante os seus anos de estudos na Universidade de Lausanne, o jovem protestante leu obras clássicas do Catolicismo, que nele foram aumentando as tendências ao ecumenismo. Estas desabrocharam na idéia de fundar uma comunidade religiosa que se dedicasse à causa da aproximação dos cristãos.
Em 1940, durante a segunda guerra mundial, Roger Schutz procurava um lugar onde estabeleceria a sua fundação. Na Borgonha, perto de Cluny (território francês não ocupado pelos alemães), o jovem idealista encontrou o vilarejo de Taizé, onde lhe apontaram uma casa favorável aos seus propósitos. Foi lá que Roger resolveu fixar-se. Começou então a sua obra, acolhendo os refugiados de guerra que o procurassem. Esta situação se prolongou por dois anos, quando em 1942 Roger Schutz teve que deixar Taizé, pois o território fora ocupado pelos alemães; retirou-se então para Genebra (Suíça), onde conheceu os seus primeiros discípulos: Max Thurian, Pierre Souvairam, Daniel de Montmollin. Em 1944 Roger, com seus três companheiros, voltou a Taizé, onde a comunidade começou a se dedicar a meninos vítimas da guerra e a prisioneiros alemães.
Na festa de Páscoa de 1949, os irmãos de Taizé, em número de sete, emitiram os votos que os consagravam para o resto da vida ao serviço do Senhor. Este passo se revestia de enorme significado. Com efeito, Martinho Lutero, que deu início à Reforma protestante em 1517, rompeu os seus votos religiosos e os condenou. Conseqüentemente, o protestantismo nunca conhecera vida monástica nem comunidades constituídas por votos religiosos. Os teólogos protestantes desaconselhavam aos irmãos de Taizé a introdução desse tipo de vida na Reforma, alegando que os votos eram contrários à liberdade sugerida pelo Espírito Santo. Não obstante, Roger Schutz e seus companheiros julgaram que deviam firmar seu gênero de vida mediante uma profissão religiosa, não somente para dar certa estabilidade à obra iniciada, mas também, e principalmente, para serem coerentes com o próprio Evangelho. Eis como o Irmão Roger Schutz expõe o seu pensamento:
"Muitas vezes nos fizeram a nós (Irmãos de Taizé_ esta pergunta: "Vocês adotaram esses três pontos (os votos de castidade, pobreza e obediência) para copiar o cenobitismo tradicional ?" Temos de responder logo que tentamos sinceramente não nos deixar impressionar pela experiência do passado. Quisemos apagar tudo para experimentar tudo de novo. E, apesar disto, encontramo-nos um dia diante da evidência: não podíamos sustentar a nossa vocação sem nos comprometer totalmente na comunhão de bens, na aceitação de uma autoridade, no celibato" ("Naissance de communautés dans l'Église de la Reforme", em "Verbum Caro" 1955, p. 20). ¹
Em 1951, foi pela primeira vez editada a "Regra de Taizé", que estipulava as estruturas e os objetivos do novo mosteiro. Em 1952, os irmãos de Cluny começaram a fazer fundações em territórios de missão. Em novembro de 1958, Roger Schutz foi recebido em audiência pelo Papa João XXIII, e em fevereiro de 1962 pelo Patriarca Atenágoras. Em 1964, a comunidade já contava 65 irmãos.
Os primeiros vinte anos do mosteiro de Taizé foram difíceis, pois os monges, tidos como inovadores do Protestantismo, não eram compreendidos pelos seus irmãos na Reforma. Todavia a figura e a obra do Papa João XXIII, que mais de uma vez recebeu e encorajou o Ir. Roger Schutz, contribuíram notavelmente para que a nova comunidade superasse os primeiros obstáculos de sua existência e se implantasse definitivamente. Durante o Concílio do Vaticano II (1962-1965) os Irmãos Roger Schutz e Max Thurian foram convidados a comparecer às sessões respectivas como observadores.
Nos dias 5 e 6 de agosto de 1962, foi inaugurada em Taizé a Igreja da Reconciliação, símbolo das aspirações ecumênicas que alimentam a comunidade monástica local. A construção desse templo deve-se a jovens alemães, que a quiseram empreender em sinal de expiação e reconciliação. À entrada da Igreja, lêem-se em francês, alemão e inglês os seguintes dizeres:
"Vós que entrais aqui, reconciliai-vos:
o pai com seu filho,
o marido com sua esposa,
o que crê com aquele que não cr^w,
o cristão com seu irmão separado".
É em vista de oferecer a todos os cristãos, e mesmo a todos os homens, uma ocasião de se aproximarem e unirem entre si que o mosteiro de Taizé existe primordialmente. É esta nota que o caracteriza no mundo inteiro.
Além disto, Taizé tem a vocação de servir aos homens também no plano material; os irmãos são úteis aos habitantes da região em que vivem, mantendo cooperativas agrícolas e pecuárias, dedicando-se à medicina e à saúde da população, trabalhando em olaria, pintura e confecção de vitrais. Em 1952 alguns monges foram enviados em missão entre os operários na região de Monceau-les-Mines; todavia esta experiência não durou muito. Dilataram seus horizontes até a América Latina: em 1962, organizaram uma coleta para atender às vítimas de um terremoto no Chile; em janeiro de 1963, o Ir. Roger Schutz lançou a "Operação Esperança" destinada a auxiliar as populações necessitadas do nosso continente; em conseqüência, no Brasil foi, entre outras coisas, distribuída gratuitamente uma edição do Novo Testamento.
Nos últimos dez anos, Taizé assumiu ainda outra faceta: tornou-se um ponto de convergência dos jovens. Estes vão ao mosteiro atraídos pela mensagem de esperança que daí decorre; muitos são protestantes, outros católicos e ainda outros são indefinidos e curiosos, à procura de uma resposta para as suas indagações. De 30 de agosto a 1º de setembro de 1974, teve início o chamado "Concílio de Jovens", do qual falaremos adiante.
Importa-nos agora realçar as notas principais da espiritualidade de Taizé, que, de resto, vêm a ser, em grande parte, as da vida monástica ou religiosa sempre vivida na Igreja Católica.
2. Taizé : as grande linhas de pensamento
2.1. O ideal e suas etapas
O ideal dos irmãos de Taizé é o da vida monástica, ou seja, o da consagração total ao Senhor; é a procura comunitária do Único e Definitivo em meio às coisas transitórias deste mundo. Para tanto, os monges se nutrem da espiritualidade bíblica e procuram viver segundo a Regra monástica, que estipula três grande atitudes interiores e exteriores: pobreza, castidade e obediência. Está claro que a fé dos monges de Taizé é a protestante; os membros da comunidade se recrutam entre as diversas denominações do Protestantismo: luteranismo, presbiterianismo, anglicanismo, congregacionanalismo...
Por conseguinte, o candidato que deseje incorporar-se ao mosteiro de Taizé, submete-se, antes do mais, a um período de três anos de formação (equivalente ao noviciado das comunidades católicas). Terminado esse prazo, o novo irmão, caso seja aceito pela comunidade, é admitido aos votos monásticos; estes são emitidos geralmente no decorrer da liturgia da manhã de Páscoa, depois da renovação das promessas do Batismo. O candidato prostra-se então por terra, enquanto a comunidade canta a Sl 125. A seguir, o Prior dirige-lhe uma exortação; o candidato profere os seus votos; troca o ósculo da paz com os irmãos; estes, por fim, lhe impõem as mãos em sinal de comunhão e partilha dos mesmos bens espirituais. Eis o texto dos compromissos que o monge de Taizé assume ao professar:
"- Queres, por amor a Cristo, consagrar-te a Ele com todo o teu ser...?
- Queres dedicar-te ao serviço de Deus, na nossa comunidade, em comunhão com os teus irmãos...?
- Renunciando a toda propriedade, queres viver com os teus irmãos não só na comunidade de bens materiais, mas também na dos bens espirituais, esforçando-te por abrir o teu coração ? ...
- A fim de estares mais disponível a servir aos teus irmãos e a fim de te dares sem partilha ao amor de Cristo, queres permanecer no celibato ?...
- Para que sejamos um só coração e uma só alma e para que a nossa unidade de serviço se realize plenamente, queres adotar as decisões tomadas em comunidade e expressas pelo Prior...?
- Vendo sempre o Cristo em teus irmãos, queres vigiar sobre eles nos dias bons e maus, na abundância e na pobreza, no sofrimento e na alegria...?"
Como se vê, os três votos de pobreza, castidade e obediência são enquadrados na moldura do amor a Cristo e do serviço a Deus e aos homens.
O Prior Irmão Roger Schutz explica o significado de cada um desses compromissos:
"Pela castidade desejamos ser homens de um só amor, de um só amor de Cristo,... homens de tal modo voltados para a esperança de Deus que desejam ter os braços abertos a todos e a tudo, ao universal, à catolicidade, ao ecumenismo... Aquele que se compromete na castidade do celibato, só a pode sustentar se vive na espera de Deus. Ser homem de um só amor é ser o homem que dá a sua vida, e por sua vida dá sinais do único amor de Deus que o anima".
Sobre a obediência diz o Prior:
"Em Taizé chegamos à conclusão de que a autoridade tem por função suscitar a unidade, reunir aqueles que sempre tendem a se dispersar ou mesmo, por vezes, a se opor.
...O que se impôs à nossa evidência dia após dia, é que a tarefa pastoral de quem recebeu função de autoridade... é a de tender a suscitar a unanimidade, uma anima, uma só alma na comunidade".
A respeito da pobreza, Ir. Roger Schutz faz as seguintes ponderações:
"Pobreza! Eis uma palavra que esfola os lábios. Redigindo a Regra de Taizé, não ousei utilizá-la; preferi falar de compromisso com a comunhão de bens; esta pode levar à pobreza.
Hoje, se ouso falar de vocação para a pobreza, faço-o porque a solidariedade com o mundo dos pobres se impôs a nós. E, apesar disto, fica sempre um mal-estar, pois no nosso Ocidente teremos sempre o pão sobre a mesa.
O espírito de pobreza está nas antípodas da necessidade de segurança profundamente inscrita no nosso ser. Aquele que vive em espírito de pobreza, tem sua segurança em Deus; seu hoje é o de Deus. A pobreza em espírito fica sendo a atitude em que se realiza a nossa dependência em relação a Deus; no espírito de pobreza, sabemos que os dons pessoais - inteligência, sensibilidade, - ficam sendo muito relativos em relação ao dom por excelência (caridade)".
As tendências da instituição monástica em Taizé voltam-se fortemente para a vida contemplativa ou a oração. O mosteiro dispõe de pequenas ermidas, nas quais os monges se podem retirar ou por alguns dias ou para passar a noite em oração. A prece e a solidão são atitudes cristãs que alimentam a grande expectativa do Definitivo, o qual porá fim ao provisório, ou ainda ... a expectativa do Senhor como Juiz e Consumador da história.
Passemos a uma segunda nota de espiritualidade de Taizé.
2.2. Ecumenismo e Reconciliação
O mosteiro de Taizé foi fundado sob o signo da procura da unidade entre os cristãos separados e, mais amplamente,... entre todos os homens divididos por rixas ou por preconceitos de raça, classe, religião... Essa tendência à unidade em Taizé foi notavelmente reforçada sob o pontificado do Papa João XXIII, que, da parte católica, exprimiu, com eloqüência singular, o apelo ao ecumenismo. Conservando-se protestantes, os irmãos de Taizé aspiram à unidade dos cristãos entre si "como e quando o Senhor a quiser".
Em vista de tão nobre fim, dedicam-se principalmente à oração. O Ofício litúrgico no mosteiro é celebrado três vezes por dia no coro: de manhã, ao meio-dia e à tarde; em certas datas, celebra-se também o Ofício de Vigílias, que é noturno. A Liturgia das Horas consta de textos bíblicos (salmos, leituras do Antigo e do Novo Testamento), cantos e preces, cujos dizeres fazem ressoar a espiritualidade cristã comum a católicos, protestantes e ortodoxos. Dessa oração participam numerosos visitantes e peregrinos, que não são curiosos, mas cristãos que desejam pedir em prol da unidade cristã, procurar&n
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