A história recente do Direito Natural no mundo protestante vai da sua completa rejeição por Karl Barth (1886-1968), na década de trinta do século passado, ao atual interesse renovado pelo assunto entre os intelectuais protestantes. Meu ponto de vista é que o Direito Natural é uma herança esquecida pela Reforma – um legado que os protestantes de hoje precisam desesperadamente redescobrir.
Por muito tempo da história cristã, algum tipo de teoria de Direito Natural foi utilizada como elo de conexão entre a fé e a cultura cristãs, a igreja e o mundo. Mas, nos últimos anos, as igrejas e os teólogos protestantes rejeitaram o Direito Natural como uma forma de demonstrar as diferenças com a tradição da teologia moral da igreja católica romana.
O alcance e a unidade dos ensinamentos sociais católicos são impressionantes, mas sem o recurso recorrente do Direito Natural, faltaria o esqueleto sobre o qual a Igreja Católica constrói o corpo do ensinamento social. A moderna ética protestante, ao contrário, não tem uma infra-estrutura que possa se comparar em força. Diferente da teologia moral católica, que é feita no contexto da autoridade (ou ensinamento) magisterial da igreja, a ética protestante nunca teve “um tribunal de apelação superior” para decidir o que é lícito ou ilícito. Embora a Bíblia seja a principal autoridade na ética protestante, o assunto da determinação do ensinamento moral “autorizado” é complexo e está sujeito à interpretação pessoal. Até ao erro, deveria acrescentar.
No discurso de abertura do primeiro Congresso Social Cristão em 1891, o teólogo reformado holandês Abraham Kuyper (1837-1920) enfatizou a catolicidade do Direito Natural em relação à nova encíclica “Rerum Novarum” (1891) do papa Leão XIII. “Devemos admitir, para nossa vergonha”, disse Kuyper, “que os católicos romanos estão muito adiante de nós no estudo do problema social. De fato, estão muito adiante. A atitude dos católicos romanos deve nos incitar a demonstrar mais dinamismo. A encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII estabelece princípios comuns a todos os cristãos, e que partilhamos com nossos compatriotas católicos”.
No âmago da encíclica “Rerum Novarum” e na recente carta “Deus Caritas Est” (2005) de Bento XVI, está um apelo à razão e à natureza humana, mas não de forma que denigra a fé ou a verdade revelada. “Do ponto de vista de Deus”, insiste o papa, “a fé liberta a razão dos pontos cegos e, portanto, a ajuda a ser cada vez mais plena. A fé permite à razão fazer seu trabalho de modo mais eficaz e a ver seu objeto próprio mais claramente”. A igreja cristã cumpre sua responsabilidade de formar consciências e de promover a justiça quando, como insiste Bento XVI, o ensinamento social é discutido “com base na razão e na lei natural”.
Em muito da teologia protestante moderna há um ceticismo sobre esse apelo à razão. Os protestantes acreditam que a ponte já foi arruinada e substituída por uma ética de mandamento divino. Logo, o que as igrejas e comunidades de fé muitas vezes dizem sobre questões sociais não tem meios de chegar ao grande público, e elas acabam num perigoso isolamento da sociedade e da história da reflexão moral cristã.
Enquanto os católicos se mantiveram firmes à lei natural, os protestantes de todas as linhas e denominações não o foram, dos ortodoxos aos pentecostais, passando pelos luteranos, calvinistas, batistas, metodistas e assim por diante. Eles oscilaram entre os extremos, desde uma rejeição geral a uma aceitação hesitante da Lei Natural. Mas, mesmo entre os mais favoravelmente inclinados, o Direito Natural é tratado como um intruso não desejado.
A “natureza” a que se refere o Direito Natural pode significar coisas diferentes, mas pretendo chamar de natureza o conhecimento da moralidade divinamente gravado na razão e na consciência humanas, onde todos os seres humanos partilham a virtude de serem criados à imagem de Deus. Em linguagem teológica, creio que esse entendimento de natureza nos leva de volta à origem de nossa criação, mas também antevê nossa queda pelo pecado, onde a imagem divina é corrompida, mas não destruída.
O “Direito” ou a “Lei”, também podem assumir vários significados. Aqui os usamos no sentido de uma lei moral universal escrita por Deus no coração humano. O Direito, como representação da vontade de Deus, pode ser conhecido por uma série de meios, tais como os Dez Mandamentos, a Torá, o sermão da montanha, os “pesos” na consciência ou uma intuição racional de bem e de mal. Quando a “natureza” e a “lei” são entendidas assim, a alegação de que o Direito Natural é um legado esquecido pela Reforma passa a ser, certamente, um mal entendido.
O Direito Natural nos traz uma grande promessa como ponte entre a fé cristã e a cultura, apesar de que, visto da grande perspectiva da revelação de Deus em Jesus Cristo, o Direito Natural tenha um valor limitado, porém significativo. O Direito Natural não é meramente uma busca pela ordem por parte do Estado e dos não-cristãos, como afirmava Karl Barth. Ele também é uma fonte profunda da verdade revelada para cada pessoa – conforme suas capacidades – por intermédio da invenção, da consciência e da razão. Quando o Direito Natural é propriamente entendido, muito deve se esperar dele como fonte de revelação. Deus não salva o mundo pelo Direito Natural, nem reconcilia o mundo pela busca da justiça, mas nos dá uma declaração pública de seu poder e divindade eternos pela lei escrita nos corações.
Tradução de Márcia Xavier de Brito
Autor: Stephen J. Grabill é Editor Executivo do Journal of Markets & Morality do Acton Institute for the Study of Religion and Liberty
Texto disponível em Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista - título original: Os protestantes e o Direito Natural: uma herança esquecida
FONTE ELETRÔNICA;
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