Essas passagens são usadas para justificar a expressão “tá amarrado em nome de Jesus”, ou qualquer outro ritual para “amarrar” os demônios (em algumas versões em inglês “ligar”, em Mateus 16, é “bind”, ou seja, “amarrar”).
Também são usadas para justificar doutrinariamente uma suposta “legalidade” que o diabo e os demônios teriam para agir. Em outras palavras, na teologia da prosperidade e da confissão positiva, quem dá poder para os demônios agirem (ou tira esse poder) são as pessoas e não Deus. Deus só observaria, passivo, as atitudes das pessoas, que neste caso dão ou tiram o poder para que os seres espirituais ajam. A soberania de Deus, assim, se torna um mero detalhe, e Deus, de supremo controlador e sustentador de todas as coisas, passa para o posto de mero expectador, sendo constantemente ameaçado pelas forças do mal e precisando constantemente ser defendido por ninguém menos que nós, criaturas com o poder de “amarrar” os demônios…
Primeiramente, é preciso mencionar que a gramática de Mt 16:19 não diz que nós “amarramos” ou “ligamos” na terra e só então se “amarra” ou “liga” algo nos céus, mas exatamente o contrário. O tempo verbal grego, literalmente traduzido, é: “tudo que ligardes na terra terá sido ligado no céu”. “Terá sido” implica que primeiro foi ligado no céu, para só então nós ligarmos na terra. Em outras palavras, primeiro no céu, depois na terra, essa é a ordem – como, aliás, qualquer outra coisa que Deus faz: primeiro Deus toma a iniciativa, depois o homem segue o que Ele decretou. Esse entendimento acaba com o orgulho humano, uma vez que tira do homem qualquer possibilidade de mudar a Deus, que por falar nisso é imutável e sem qualquer sombra de variação (Tg 1:17). É verdade que Tiago diz que a oração do justo é eficaz, mas curiosamente o exemplo dado por ele foi o de Elias orando para não chover (Tg 5:17,18).
Quem, afinal, colocou no coração de Elias o desejo de orar para que não chovesse, foi o próprio Elias que convenceu a Deus ou foi Deus que moveu o profeta? Em segundo lugar, vale lembrar que o texto de Mateus não tem absolutamente nada a ver com “amarrar demônios”.
Quanto aos textos sobre “amarrar o valente”, é importante entender que Jesus não estava ensinando táticas para derrotar demônios, mas fazia apenas uma analogia entre um ladrão que invade uma casa e amarra o dono para poder roubar e aquele que expulsava os demônios (no caso, Ele próprio). Jesus havia sido acusado de expulsar demônios por ser o maioral deles, e usou dessa analogia para explicar que não fazia sentido expulsá-los sendo um deles, assim como não fazia sentido invadir uma casa sem amordaçar (ou amarrar) o dono desta. Além do mais, ainda que Jesus estivesse ensinando a amarrar demônios, quem disse que isso se faz gritando uma frase mágica?
Nunca é demais lembrar, também, que Jesus e os apóstolos só expulsaram demônios quando estes se apossavam das pessoas, eles nunca os expulsaram de um determinado lugar, como fazem alguns hoje.
Mateus 13:58 e Marcos 6:5,6
E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles. Não pôde fazer ali nenhum milagre, senão curar uns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. Admirou-se da incredulidade deles.
Segundo os proponentes da teologia da prosperidade e da confissão positiva, o poder de Jesus está limitado pela nossa fé. Quanto mais fé tivermos, dizem eles, mais poder Jesus terá, e a prova seria essas passagens, que dizem que Jesus “não pôde fazer muitos milagres em Nazaré por causa da incredulidade das pessoas”. Mais uma vez, Deus é privado da Sua soberania, já que só pode agir se os seres humanos permitirem.
O sentido dessas passagens, no entanto, fica claro quando entendemos para que serviam os milagres de Jesus. Um dos termos gregos usados para “milagre”, embora não seja o que foi usado nessas passagens, mas é muitas vezes usado indistintamente em outras, significa “sinal”. Um sinal é algo que se faz para que alguém veja e creia, ou seja, é como se fosse uma prova jurídica.
Aliás, esse é o termo preferido pelo evangelista João para se referir aos milagres de Jesus. Em Jo 20:30,31, está escrito: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
Em Lucas 4, temos um relato mais detalhado da ida de Jesus a Nazaré e da incredulidade das pessoas de lá, que chegaram ao ponto de tentar matá-lo. A pergunta óbvia que se faz é, por que Jesus iria desperdiçar sinais com pessoas que não estavam dispostas a crer? Não, Jesus não teve seus poderes limitados pela incredulidade do povo, simplesmente não quis fazer sinais se estes não serviriam para nada.
Deuteronômio 28:1-14, Gênesis 39:3, Êxodo 15:26, Josué 1:8, I Crônicas 22:13, II Crônicas 26:5, Salmo 1:3, Salmo 25:13, Salmo 112:1-3 etc.
São as únicas passagens bíblicas ou que prometem prosperidade para quem obedecer ao Senhor ou que relatam que alguém prosperou por causa disso. Não é por acaso que todas elas estão no Antigo Testamento. Na Nova Aliança, não há qualquer promessa de que quem for fiel aos mandamentos de Deus prosperará materialmente ou não estará sujeito às doenças que atingem os demais seres humanos. Assim como, na Velha Aliança, não havia qualquer “promessa”, como há no caso da Nova, de que quem servisse ao Senhor seria perseguido por causa da justiça – mesmo assim, vale lembrar que vários personagens do Antigo Testamento foram perseguidos, como Elias, Daniel e Jeremias.
O fato é que Deus se relaciona com as pessoas por meio de alianças. Estas alianças são feitas conforme o nível de maturidade espiritual na qual a humanidade se encontra. Exemplificando, ninguém trata o filho de 5 anos da mesma forma que trata o que tem 25. Quando o filho pequeno pede uma bala, o pai dá. Quando o filho adulto pede a mesma coisa, geralmente a resposta é “vá trabalhar!”… No Antigo Testamento, Deus tratava as pessoas como um pai trata um filho pequeno: obedeça, seja fiel, que você ganhará muitas recompensas, será feliz, suas colheitas nunca falharão, você será rico, sua mulher nunca será estéril (nem suas vacas), sua saúde será perfeita.
Desobedeça, e os céus não enviarão a chuva, as crias das suas vacas abortarão, seus inimigos o perseguirão… No Novo Testamento, por outro lado, depois que Jesus se humilhou e se esvaziou, tendo se tornado pobre mesmo sendo o criador de tudo e o dono de todo o ouro, Deus passou a tratar a humanidade como um pai que se relaciona com um filho maduro, ou seja, na base do amor e não mais das recompensas. A humanidade já estava madura para entender que deve se relacionar com Deus apenas pelo que Ele é, sem buscar bênçãos materiais e saúde em troca e sem obedecer só pelo medo da punição. Na Nova Aliança, as doenças já não são necessariamente punição pela desobediência, mas muitas vezes podem até ser bênção, já que é em meio à nossa fraqueza que o poder de Deus se aperfeiçoa.
O mais interessante é ver que, ainda na Antiga Aliança, muitos já tinham entendido essa verdade, principalmente no caso dos profetas que foram perseguidos. Notem como é tocante a oração de Habacuque: “ainda que a figueira não floresça, que falte tudo, que todas as colheitas falhem, eu contudo me alegrarei no Senhor” (Hc 3:17,18), ou ainda a forma como Jó, pelo menos no início, reage à perda de tudo: “o Senhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1:21). Por mais absurdo que possa parecer, um defensor da teologia da prosperidade uma vez me disse que Jó errou por não buscar a cura…
Salmo 103:3
Ele é quem perdoa as tuas iniqüidades; quem sara as tuas enfermidades.
Davi estava num momento de alegria em que, provavelmente, tinha acabado de ver curado de uma doença, possivelmente a mesma referida nos salmos 51, 32 e 38, por causa do seu pecado. Ele diz à sua própria alma que seja grata ao Senhor, que é quem cura de todas as enfermidades. Só que Ele cura quando e como quer, e ainda assim se quiser. Eu concordo com Davi, Deus cura tudo (inclusive amputações!), mas só quando quer. Quando Ele diz não, eu me contento com o fato de que o poder dEle se aperfeiçoa na minha fraqueza, na minha enfermidade, na minha tristeza. Aliás, quando Paulo diz em II Co 12:10 que “sente prazer nas fraquezas”, a palavra grega usada para “fraquezas” é exatamente a mesma usada em Mt 8:17 – ou seja, as fraquezas nas quais Paulo sentia prazer eram as mesmas que Jesus levou sobre Si! Por que os teólogos da prosperidade nunca mencionam isso? Será que eles não sabem, ou escondem deliberadamente?
Provérbios 18:21
A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto.
Esse texto é usado para justificar muitas coisas, dentre as quais a doutrina das “maldições” e a própria confissão positiva, segundo a qual suas palavras (confissão, no caso) têm algum poder mágico no mundo espiritual.
O livro de Provérbios é um pouco mais complicado quando se trata de colocar passagens no contexto, já que cada provérbio é um dito isolado e não faz parte de uma unidade textual. Por outro lado, existe algo chamado “contexto amplo”, que é a idéia geral do autor ao escrever uma obra, e ainda o estilo literário.
Neste caso, vemos que o livro em questão contém conselhos para a vida prática, discorrendo sobre criação dos filhos, conduta ética, temor de Deus, sabedoria, obediência às autoridades e outras recomendações que, seguidas na nossa vida prática, produzem uma vida coerente e centrada na vontade de Deus. Desta forma, não se trata de um manual de batalha espiritual nem muito menos de um tratado teológico sobre a ação de anjos e demônios, mas é um livro bem “pé no chão”.
Dito isso, podemos entender que o verso em questão trata do uso da língua no nosso quotidiano, e do grande poder que ela tem: com a língua você pode magoar alguém, desfazer uma longa amizade, pode se meter em apuros, principalmente se ofender alguém com mais poder que você, mas também pode manifestar amor, produzir reconciliação, pode evitar até uma guerra.
Quem usa a língua com sabedoria comerá do fruto que essa mesma sabedoria produz, e é isso e nada mais que o verso em questão está dizendo. Em Tiago 3:1-12 temos o mesmo tema novamente, de forma mais elaborada.
I Samuel 24:6 e Salmo 105:15
E disse [Davi] aos seus homens: O SENHOR me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido do SENHOR.
Dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas.
Com base nesses dois versículos, criou-se dentro do protestantismo uma classe especial de “ungidos” que estão acima dos demais crentes e, além disso, não podem ser criticados ou questionados, pois afinal não se pode “tocar nos ungidos”. Esses tais se dizem procuradores de Deus, verdadeiros mediadores, como era, por exemplo, Moisés em relação ao resto do povo de Israel. Cito essas passagens aqui, portanto, por serem usadas com freqüência pelos líderes que ensinam a teologia da prosperidade.
Mas, afinal, o que significa “ungidos”? “Ungir” significa “derramar óleo sobre”, e era, na cultura judaica antiga, a forma como os sacerdotes e reis eram iniciados no seu ofício. Em outras palavras, a unção credenciava o indivíduo para ser mediador entre Deus e as outras pessoas. Por esta razão Jesus é chamado de Cristo ou Messias, que são palavras que significam “ungido”. No Novo Testamento, contudo, o termo “unção” só aparece duas vezes, dentro da mesma passagem, em I Jo 2:20 e 27, que é um texto que diz que todos nós recebemos a unção do alto. A palavra “ungido”, por outro lado, só aparece na sua forma transliterada do grego, ou seja, Cristo, se referindo a Jesus e nunca aos líderes da igreja, nem mesmo aos apóstolos.
E quanto aos versículos de I Sm 24:6 e Sl 105:15? A primeira passagem fala de Saul, ungido como rei, e a segunda fala dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, que Deus aqui chama também de ungidos. “Tocar”, “estender a mão contra” e “maltratar”, em ambos os contextos, significa utilizar de violência física e não a crítica ou o questionamento. Não há qualquer legitimidade exegética para transpor essas passagens do seu contexto original e aplicá-las aos líderes da igreja, por mais abençoados que estes supostamente sejam. O leitor pode ficar tranqüilo, o seu líder não é infalível nem intocável, quem crê dessa forma é o catolicismo em relação ao papa. Se o seu líder falar ou ensinar algo que não se harmoniza com as Escrituras, ele deve sim ser confrontado (com respeito e submissão, obviamente, afinal, a não ser que ele seja um usurpador, Deus o colocou como líder) e, se ele tentar usar de intimidação citando as passagens já citadas, desconfie das intenções dele.
FONTE ELETRÔNICA;
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