No contexto em que tratou exaustivamente sobre os dons espirituais em sua primeira carta aos crentes da cidade de Corinto, Paulo terminou por afirmar a esses irmãos, seus contemporâneos: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Coríntios 13:1).
Obviamente que o apóstolo quis destacar que, embora no tempo presente esses três dons façam parte da vida de todo cristão genuíno, haverá um dia no qual a fé e a esperança deixarão de existir, haja vista que são dons instrumentais, vinculados à realização/cumprimento das promessas divinas. A parousia (vinda de Cristo), portanto, porá fim à fé e à esperança, por perderem tais dons a razão das suas existências.
Porém, o amor, por fazer parte da essência de Deus e, por conseguinte, “… do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Efésios 4:24), permanecerá pelos séculos dos séculos, como o vínculo de união entre Deus e o homem, e entre os homens entre si. Não é sem razão que Paulo escreveu aos cristãos da cidade de Colossos: “acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3:14).
O amor, desse modo, exerce uma posição sublime, elevada, na vida cristã. Tal fato é comprovado pelas palavras do próprio Jesus Cristo, o Deus encarnado: “… Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22:37-40 ). Paulo, o mesmo que nos disse “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Coríntios 11:1 ), deixou-nos escrito palavras semelhantes às de Jesus, embora mais resumidas: “O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor” (Romanos 13:10).
No mesmo sentido de Jesus Cristo e de Paulo, Tiago, irmão na carne do Senhor, ensinou-nos: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2:14-17).
Não necessita muito esforço hermenêutico, interpretativo, para se chegar à conclusão que por “obras”, no contexto, Tiago está se referindo ao “amor”, pois dá como exemplo de boa obra o socorro ao irmão ou irmã que por acaso estão em necessidades materiais de alimento e vestimenta. Nem é de surpreender que Tiago tenha o amor em mente, diante do fato de que “… o cumprimento da lei é o amor”, e em face da afirmação bíblica de que “… em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (Gálatas 5:6 ).
Fé considerada à parte do amor, “… por si só está morta”, tratando-se, por conseguinte, de fé falsa, antibíblica, inútil e diabólica, posto não gerada pelo Espírito e pela Palavra de Deus. A fé verdadeira se concretiza, isto é, torna-se perfeita e eficaz na expressão do amor, no cumprimento da lei. A fé, então, é instrumento da graça divina para a vida cristã nesse mundo pecaminoso posta à serviço do amor. Em suma, a fé verdadeira é serva do amor.
Não obstante ser o ensino que acima expus sobre a fé a doutrina clara e nítida da Escritura Sagrada, o neopentecostalismo inverte a ordem, fazendo da fé a virtude suprema. Nem é necessário ser um bom observador para se constatar que a doutrina neopentecostal anda em caminho contrário ao da Escritura, ao magistério de Jesus, Paulo e Tiago, por ensinar que o cumprimento da lei é a fé.
Qualquer pessoa de mente iluminada pela Palavra de Deus que se dispuser, como eu, a passar horas e horas assistindo na televisão aos vários pregadores neopentecostais, concluirá, a despeito de não ouvir da boca de nenhum deles a frase literal de “… que o cumprimento da lei é a fé”, que esse é o cerne da doutrina neopentecostal.
Toda pregação deles termina por conclamar o povo à uma atitude de fé, como satisfação da vontade de Deus. Diga-se que por atitude de fé eles têm sempre em mente o exercício dela relativamente à curas, milagres, soluções de problemas financeiros, de saúde, emocionais, afetivos e coisas semelhantes. Para eles, o fato de alguém “não se revoltar” contra as tribulações de diversas naturezas pelas quais passa é atestatório de desobediência à vontade de Deus revelada (sua Palavra), e demonstração ímpia de falta de fé.
Contudo, como demonstrarei abaixo, apesar de a fé ser o ponto central e culminante da pregação e da doutrina neopentecostal, ela é morta e falsa, e conquanto pareça ser a pregação dessa orientação teológica muito piedosa por exaltar a fé em Deus, pelos motivos que a acuso (morte e falsidade), a fé neopentecostal é uma verdadeira expressão de falsa piedade cristã.
Aludi, com base nas palavras de Jesus e de Paulo, que o cumprimento da lei e dos profetas é o amor. O amor do cristão tem uma dimensão vertical, para com Deus, e uma dimensão horizontal, o amor recíproco entre os irmãos em Cristo e para com o próximo.
O amor a Deus é constantemente nas Escrituras retratado em termos de ação obediente aos seus mandamentos: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama…” (João 14:21 ). Mas, o que diz a Escritura sobre como deve reagir o cristão quando estiver enfrentando diversas tribulações? Que o próprio Espírito, através de um daqueles que inspirou, nos diga: “Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hebreus 12:4-6 RA).
É certo que nós ainda não somos seres perfeitos nesta vida, o pecado ainda habita em nós, mesmo sendo redimidos. Por si só, esse fato deve nos lembrar de que estamos sujeitos à correção do Senhor, simplesmente porque o pecado não foi totalmente expurgado de nós até o dia da redenção final, o dia do retorno de Cristo. Em face disso, o escritor da carta aos Hebreus recorreu ao Antigo Testamento para nos lembrar do mandamento do Senhor: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe”.
Ele, o escritor de Hebreus, usou os verbos “menosprezar” e “desmaiar” no modo imperativo na língua grega, indicando ser, de fato, mandamento de Deus. O primeiro verbo, “menosprezar”, é o verbo grego ολιγωρεω (oligoreo), que signfica “não importar-se com, não considerar com seriedade, fazer pouco caso” (Léxico de Strongs). Já o segundo, “desmaiar”, é o vocábulo grego εκλυω (ekluo), cujo significado é “1) soltar, desprender, tornar livre; 2) dissolver, metáf., afrouxar, relaxar, extenuar; 2a) ter a força de alguém relaxada, estar enfraquecido até a exaustão, tornar-se fraco, tornar-se cansativo, estar cansado; 2b) desanimar, perder a esperança” (Léxico de Strongs).
Então, o mandamento do Senhor envolve que quando o crente passar por provação, deve considerá-la com a máxima seriedade, aplicando o seu coração em compreender a vontade de Deus para aquele caso específico. Deve, igualmente, manter-se esperançoso, animado, forte, a despeito das adversidades que se lhe acometem.
O interessante é que ambos os verbos estão no original grego no tempo presente, implicando que o cristão deve agir assim continuamente. Deve ser um padrão perene de conduta cristã. Todavia, o verbo ολιγωρεω foi usado na voz ativa, enquanto que o verbo εκλυω foi empregado na voz passiva. O que isso significa? A voz ativa implica que o sujeito pratica a ação. Desse modo, Deus requer de seu filho, do crente, que ele, ao ser corrigido, aplique toda diligência do seu coração em relação à disciplina que está sofrendo, a fim de tirar o proveito máximo dela. Por outro lado, na voz passiva, o sujeito é paciente da ação, isto é, sofre a ação. Uma tradução literal do que o autor aos Hebreus escreveu, seria: “nem sejas afrouxado de…”. Ou seja, Deus impõe sobre seu filho, sobre aquele que está sendo objeto de correção, a responsabilidade de não deixar que as tribulações advindas dessa correção o desanime, o “afrouxe” em seu animus, em seu espírito.
Se levarmos em conta o padrão típico do pensamento hebraico, ou melhor, da expressão do pensamento hebraico (judaico) em forma de paralelismo, então concluiremos que “… não desprezes a correção que vem do Senhor… ” é frase sinônima de “… nem desamies quando por ele é reprovado”. Dessa forma, aquele que não considera com seriedade a disciplina, que faz pouco caso dela, termina por desanimar, tornando-se cansado e exausto, combalindo em sua esperança e, assim, desobedece ao mandamento de Deus, dando clara demonstração de não amá-lo.
Não obstante, para compreendermos bem o intento do escritor bíblico, faz-se necessário entendermos a natureza da correção. Por exemplo, o escritor bíblico utilizou o verbo “corrigir” e, no contexto, o substantivo “disciplina” (haja vista que “correção” corresponde à mesma palavra grega que “disciplina”). “Corrigir” é o verbo grego παιδευω (paideuo): “1) treinar crianças: 1a) ser instruído ou ensinado; 1b) levar alguém a aprender; 2) punir: 2a) punir ou castigar com palavras, corrigir: 2a1) daqueles que moldam o caráter de outros pela repreensão e admoestação; 2b) de Deus: 2b1) purificar pela aflição de males e calamidade; 2c) punir com pancada, açoitar: 2c1) de um pai que pune seu filho; 2c2) de um juiz que ordena que alguém seja açoitado” (Léxico de Strongs). “Disciplina” é o vocábulo παιδεια (paideia): “1) todo o treino e educação infantil (que diz respeito ao cultivo de mente e moralidade, e emprega para este propósito ora ordens e admoestações, ora repreensão e punição). Também inclue o treino e cuidado do corpo; 2) tudo o que em adultos também cultiva a alma, esp. pela correção de erros e contenção das paixões: 2a) instrução que aponta para o crescimento em virtude; 2b0) castigo, punição, (dos males com os quais Deus visita homens para sua correção)” (Léxico de Strongs).
Dos significados lexicográficos das palavras gregas aludidas, tem-se que a disciplina, além de ter um elemento repreensivo/punitivo, inflitivo de dor, todavia tem também um elemento de instrução, que visa o aperfeiçoamento moral/espiritual do corrigido, do disciplinado. Aliás, é exatamente esta última dimensão que o escritor aos Hebreus destaca com essas palavras: “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hebreus 12:7) [εις παιδειαν υπομενετε ως υιοις υμιν προσφερεται ο θεος τις γαρ υιος ον ου παιδευει πατηρ;].
Apenas para corroborar o significado de παιδεια (paideia) como instrução, destaco que essa palavra tinha uma importância enorme na cultura grega antiga. Werner Jaeger, que compôs um livro sobre a educação do homem grego, escreveu sobre o objeto de sua obra: “Não é possível descrever em poucas palavras a posição revolucionária e solidária da Grécia na história da educação humana. O objeto deste livro é apresentar a formação do homem grego, a paidéia, no seu caráter particular e no seu desenvolvimento histórico” (Paidéia – A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 07). No mesmo sentido, Giovanni Reale & Dario Antiseri escreveram, em argumentação sobre a origem do termo “humanismo”: “Para os mencionados autores latinos, ‘humanitas’ significava aproximadamente o que os helênicos indicavam com o termo ‘paidéia’, ou seja, educação e formação do homem” (História da Filosofia, vol. 02. São Paulo: Paulus, 1990, p. 17).
É para o ensino, para a instrução, para a aprendizagem, para a disciplina, que os filhos de Deus permanecem firmes mesmo debaixo das mais duras provações (εις παιδειαν υπομενετε…). O verbo “perseverar”, grego υπομενω (hupomeno), segundo Strongs, tem a acepção de: 1) ficar; 1a) retardar; 2) ficar, i.e., permanecer, não retirar-se ou fugir; 2a) preservar: sob desgraças e provações, manter-se firme na fé em Cristo; 2b) sofrer, aguentar bravamente e calmamente: maltratos”. Como enfatizei no início deste parágrafo, é para que adquiram instrução através das duras provações, que os filhos de Deus suportam, aguentam, brava e calmamente, as aflições que vêm com a correção divina. E eles suportam isso porque creem que “… que filho há que o pai não corrige?” Que filho há que o Pai não imponha as aflições da sua amorosa instrução?
Haja vista que é para o aprendizado, para o crescimento espiritual, moral, que os filhos de Deus são disciplinados e suportam, permanecem firmes, nessa disciplina, é que eles, por causa da fé, aplicam toda diligência em tirar proveito e aprendizado do fogo da purificação da correção do Senhor, alimentando, mesmo em tais condições, o ânimo em seus corações. A disciplina (παιδεια) busca formar o caráter cristão naquele que é corrigido.
Porém, a motivação última dos verdadeiros filhos de Deus em suportar tudo isso é o amor que têm pelo Pai, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Neste caso, a fé atua, torna-se eficaz, poderosa, através do amor. Como escreveu Paulo, e eu já trascrevi acima, o que tem, de fato, valor em Cristo é “… a fé que atua pelo amor” (πιστις δι’ αγαπης ενεργουμενη). Nessas palavras de Paulo, o vocábulo “atua”, na verdade, é o particípio presente médio ενεργουμενη (energoumene), do verbo ενεργεω (energeo): “1) ser eficaz, atuar, produzir ou mostrar poder; 1a) trabalhar para alguém, ajudar alguém; 2) efetuar; 3) exibir a atividade de alguém, mostrar-se operativo” (Léxico de Strongs).
Segundo Fritz Rienecker & Cleon Rogers, o fato desse particípio estar na voz média é indicativo de “demonstrar atividade, trabalhar, operar efetivamente” (Chave Linguística do Novo Testamento Grego, São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 381). A voz média é uma voz referencial, e sempre tem o sujeito como referência da ação, haja vista que a ação é para ele, tendo ele em vista, ou a partir dele mesmo (média intensiva). Portanto, somente quando atua através do amor é que a fé se faz eficaz, produtiva, operativa. Essa é a natureza da fé verdadeira.
Logo, a fé verdadeira, em condições difíceis, de tribulação, de provação, em cumprimento ao mandamento do Senhor, que equivale a demonstrar amor por Ele, procura com toda a diligência e paciência adquirir conhecimento, instrução, de forma que resulte um bem permanente, o aperfeiçoamento moral, sendo a correção divina a ocasião propícia para esse crescimento. Sendo assim, embora seja almejada a saída da situação de provação, ela não é almejada sem que a sua finalidade seja alcançada, pois a obediência ao mandamento de Deus requer isso.
A “fé neopentecostal” destoa, claramente, da fé bíblica conforme acima exposta. Toda e qualquer tribulação é vista como tendo origem diabólica, e os mestres neopentecostais ensinam os seus discípulos a desejarem, acima de tudo, a libertação imediata da tribulação. Quanto mais rápida for a saída, segundo concebem, de uma situação adversa, tanto mais forte é a fé do “vencedor”. Não há lugar para o aprendizado, para a dimensão da disciplina que a caracteriza como instrução, como formação do caráter. A mente é estimulada a vislumbrar a “vitória” sobre a tribulação, pura e simplesmente, mesmo ao custo de nenhum aprendizado, de nenhum aperfeiçoamento moral (pelo padrão da Lei do Senhor).
O crente neopentecostal deve, pois, “determinar” a cessação da tribulação, “revoltando-se” contra ela, haja vista ser ela uma inflição maligna de dor já abolida por Cristo na cruz do calvário. A fé do “fiel” dessa orientação religiosa é caracterizada por uma batalha contra o diabo, e não por uma submissão amorosa ao Deus soberano.
Homem e mulher de fé, na visão neopentecostalista, são aqueles que “vencem” as tribulações, e derrotam o diabo. A resignação paciente é vista como incredulidade e desobediência à Palavra de Deus, haja vista que imaginam que um Deus amoroso jamais trará qualquer tipo de dor ou sofrimento sobre um de seus filhos.
Mas, como vimos, a disciplina, que implica em dor e aprendizado, vem do Senhor, pois nos é ordenado: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor…” (… υιε μου μη ολιγωρει παιδειας κυριου…). O diabo pode ser até usado como instrumento da disciplina e do sofrimento que vem em seu bojo, mas, em última instância, ela vem do Senhor, o Soberano. Além do mais, a correção é prova do amor de Deus e de sua paternidade: “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos” (Hebreus 12:7-8 RA).
O autor aos Hebreus afirma que é justamente porque Deus trata o cristão verdadeiro como filho que ele o corrige. Além do mais, esse escritor afiança “… que todos se têm tornado participantes…” da correção (παιδεια, disciplina), e aqueles que não têm se tornado participantes dela, ou seja, aqueles que estão sem correção, são bastardos e não filhos. Mas os neopentecostais veem as angústias da correção como obra diabólica, e não divina.
Escrevendo aos crentes de Roma, Paulo consignou: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28 RA). “Sabemos”, οιδαμεν (oidamen), é o perfeito ativo do indicativo de οιδα, que por sua vez é o perfeito do obsoleto (não usado no presente) ειδω (eido) (Harold K. Moulton, Léxico Grego Analítico, São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 294). Moulton ensina que “Em um considerável número de verbos, o perfeito é usado com uma significação estrita de presente. A explicação desse uso deriva-se simplesmente da idéia completa dada pelo tempo perfeito…” (op. cit., p. xlix).
Mas o que quero enfatizar é o significado do verbo, que, segundo Strongs, se traduz como “1) ver: 1a) perceber com os olhos; 1b) perceber por algum dos sentidos; 1c) perceber, notar, discernir, descobrir; 1d) ver; 1d1) i.e. voltar os olhos, a mente, a atenção a algo; 1d2) prestar atenção, observar 1d3) tratar algo 1d31) i.e. determinar o que deve ser feito a respeito de 1d4) inspecionar, examinar; 1d5) olhar para, ver; 1e) experimentar algum estado ou condição; 1f) ver i.e. ter uma intrevista com, visitar”, e como 2) conhecer: 2a) saber a respeito de tudo; 2b) saber, i.e. adquirir conhecimento de, entender, perceber; 2b1) a respeito de qualquer fato; 2b2) a força e significado de algo que tem sentido definido; 2b3) saber como, ter a habilidade de; 2c) ter consideração por alguém, estimar, prestar atênção a (#1Ts 5.12)”.
Então, para Paulo, os que foram chamados por Deus, os seus eleitos, sabem, adquirem o conhecimento, entendem, percebem, conhecem a força e o significado de que todas as coisas contibuem para o seu bem. É uma convicção, firmemente estabelecida na Palavra de Deus que lhes dá esse entendimento. Isso é o que a Escritura chama de fé. E esses tais que foram chamados por Deus são os mesmos que o amam, pois “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”.
Mas, com qual propósito Deus chama seus eleitos? Paulo responde, no mesmo contexto: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29 RA). O propósito de Deus em chamar seus eleitos, aqueles que Ele predestinou, é fazer deles “… conformes à imagem de seu Filho”, ou seja, é fazê-los semelhantes a Jesus Cristo. Esse é o bem para o qual todas as coisas cooperam (concorrem).
Mas, no contexto, o que são “todas as coisas”? Um pouco à frente o apóstolo indaga: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada” (Romanos 8:35)? Um pouco antes, Paulo escrevera:
“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (Romanos 8:18-25 ).
Portanto, fundamentalmente o apóstolo tinha em mente por “todas as coisas” “…os sofrimentos do tempo presente…”, pois, como disse ele “… nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo…”. Então, completa dizendo: “Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos”. Fé, esperança e paciência se unem nesse contexto, de modo que “todas as coisas”, que, como vimos, fundamentalmente são os sofrimentos, as tribulações, as angústias, concorram para o processo de assemelhação dos cristãos à pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tudo isso está de acordo com o pensamento do autor aos Hebreus, demonstrando a unidade doutrinária e teológica da Escritura. A fé tem como objeto o próprio Deus, que nós o conhecemos pela sua Palavra, em especial pela sua Palavra encarnada, Jesus Cristo.
Como todas as coisas cooperam para o bem, para o crescimento em Jesus Cristo, para a assemelhação com ele, e isso todo cristão deve saber, entender, ter convicção, segue-se que com paciência espera o fruto da obra do Espírito em torná-lo semelhante ao Mestre. Isto quer dizer que o cristão se aplica em compreender a obra de Deus em sua vida através desses sofrimentos, dessas aflições, dessas angústias, de modo que ao invés de desanimar por causa delas ele afirme como Paulo: “… nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Romanos 5:3-5 ). Tribulação e amor de Deus estão sempre vinculadas. O cristão se gloria nelas porque sabe que elas são fruto do amor de Deus, que está derramado em seu coração pelo Espírito Santo.
O cristão, então, demonstrando amor por seu Pai, por Deus, segue o exemplo daquele com quem deve ser assemelhado através das tribulações, Jesus Cristo, o qual “embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hebreus 5:8 ). Não são as próprias tribulações que assemelham o crente à Jesus Cristo, mas a Palavra e o Espírito de Deus, que operam a obediência no meio sofrimento, assim como fez Jesus. As tribulações são as ocasiões nas quais Deus opera a mudança no caráter do cristão, através da Palavra e do Espírito.
Então, quando o cristão pacientemente se porta na tribulação, aguaradando a hora de Deus por um fim nela, que deve ser quando Ele julgar que houve o fruto para o qual a correção foi infligida, a assemelhação à Jesus Cristo, demonstra amor a Deus que paternalmente lhe disciplina, levando-o a um estado espiritual mais elevado do que antes. Para alcançar esse estado, o cristão age pela fé que atua pelo amor.
Tudo isso é muito distinto do que os neopentecostais chamam de fé, uma fé revoltosa, que não suporta a provação, que não tira dela ensinamento e crescimento espiritual que os leve a cada vez mais ficarem parecidos com Jesus Cristo. Com isso demonstram ódio por Deus, ao se revoltarem com toda e qualquer aflição, imputando ao diabo a origem do sofrimento deles. Fé falsa e ímpia, morta, sem nenhum fruto, mormente aquele do amor a Deus, pois a pregação neopentescotal estimula os seus ouvintes a desobedecerem o mandamento de Deus. E uma fé que leva à desobediência, que é demonstração de ódio a Deus, conforme a Escritura, não é fé verdadeira, pois a fé sem obras é morta, a fé sem amor é uma inutilidade: “… ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei” (1 Coríntios 13:2 ).
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