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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Generosidade Humana e Generosidade Divina


Generosidade Humana e Generosidade Divina
 
SEQUIOSO (Niterói): «Como se deve entender a estranha afirmação de Jesus : ‘A todo aquele que já possui, dar-se-á mais, e possuirá, em abundância; mas a quem não possui, será tirado até o que possui’ (Mt 25,29)? Não haverá contradição nessa frase?»
1. A exegese do texto
 1.1. Deve-se de início notar que o adágio referido ocorre mais de uma vez, e em contextos diversos, nos SS. Evangelhos. Parece assim ter constituído uma das vigas mestras da pregação de Jesus.
Eis os três diferentes contextos em que se lê o adágio:
 Mt 13,11s. Disse Jesus aos Apóstolos: «A vós foi dado conhecer os mistérios do reino dos céus; mas aos outros, não. Aquele que possui bens, recebe ainda mais e suas riquezas serão abundantes; mas àquele que não possui, até o pouco que tem, lhe será tomado».
 Mt 25,26-29. Na parábola dos talentos, dirigindo-se ao servo negligente que não fez render o dinheiro de seu monarca, exclama o rei, figura do Senhor Deus:
«Servo mau e preguiçoso, sabias que colho onde não semeio, e congrego onde não espalhei. Devias, portanto, ter entregue o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, de volta, teria recebido com juros o que é meu. Tomai-lhe, pois, o talento, e dai-o àquele que tem dez talentos. Porque a todo aquele que já tem, se dará mais, e terá em abundância; mas àquele que não tem, será tirado até o que possui». Texto paralelo; Lc 19,26.
 Mc 4,24s. Jesus exorta: «Dai atenção ao que ouvis. Com a medida com que medirdes, medirão a vós, e ainda vos darão alguma coisa de acréscimo. Aquele que já tem, mais lhe será dado; e àquele que não tem, até o que possui lhe será tirado». Texto paralelo: Lc 8,18.
 Em vista da frequência de tal máxima, percebe-se a sua importância na mensagem evangélica.
 1.2. Procuremos agora penetrar no significado das palavras de Cristo.
Certamente não se referem ao juízo final (seja particular, seja universal), porque este não acarretará nem acréscimo nem decréscimo de dons e méritos (talentos) para quem quer que seja; o Juiz Eterno apenas reconhecerá e confirmará o estado de ânimo em que cada um dos homens se achar quando comparecer diante d’Ele; após a morte não se modificará a sorte de ninguém. É, portanto, à vida presente que a advertência de Jesus se refere. Eis o seu sentido autêntico:
 Todos os homens recebem do Criador um cabedal de dons (variável, sim, de indivíduo a indivíduo, pois Deus nada deve a criatura alguma); trata-se de dons naturais (inteligência, certa força de vontade, alguma afetividade, habilidades técnicas…) e sobrenaturais (a graça, as virtudes infusas, os dons do Espírito Santo, em quem foi regenerado pelo Batismo sacramental ou, ao menos, pelo desejo do Batismo). Além disto, todos os homens recebem continuamente no decorrer desta vida graças atuais, ou seja, os auxílios necessários para desenvolver o seu cabedal de dons naturais e sobrenaturais, e assim encaminhar-se para o Criador, aperfeiçoando-se e santificando-se. Deus a ninguém deixa de proporcionar tão valiosas dádivas; sob este ponto de vista, portanto, deve-se dizer que todos têm…, não há quem não possua…
 Acontece, porém, que nem todos os homens se comportam igualmente em resposta à Liberalidade Divina. Há quem faça (não interessa aqui ponderar se são muitos ou poucos) o devido uso desse patrimônio; vive como quem realmente «possui» e tem consciência dos valores que possui, procurando zelosamente dentro das suas possibilidades lucrar novos valores. Tais são as almas fervorosas, que, permanecendo na graça de Deus, fazem tudo o que fazem por amor a Deus, mobilizando sempre todas as suas energias espirituais a fim de que rendam cada vez mais; tais almas vão granjeando méritos crescentes para a vida eterna, de sorte que realmente nelas se cumpre desde os dias presentes o ditame do Salvador: «A quem possui, dar-se-á mais ainda».
 Outros homens há que negligenciam o patrimônio espiritual e as dádivas subsequentes que o Criador lhes dá. Vivem como se «não possuíssem»; embora na verdade possuam, abusam dos dons de Deus, comportando-se indiferentemente. Acontece-lhes então o que sucede a todo ser vivo: se não faz uso do seu potencial de vida ou, mais precisamente, de algum de seus membros (braço, perna…), este se atrofia e perece. Com efeito; tais almas tíbias vão perdendo cada vez mais o senso de Deus; a sua consciência se embota progressivamente; alheiam-se mais e mais ao influxo da graça divina, de modo a se verificar nelas a palavra de Cristo: «A quem não tem, até o que tem lhe é tirado»; o que quer dizer: se alguém, de fato, possui um patrimônio de dons divinos, mas não vive conforme esse tesouro, o Senhor Deus (que não força a liberdade de ninguém) reconhece tal alheamento, o que vem a ser ocasião de ruína espiritual para essa criatura.
 Uma figura ilustra, ao menos em traços gerais, a doutrina.
Todo veiculo costuma trazer um farol ou uma lanterna que lhe ilumine a estrada durante a noite. Admita-se que a instalação elétrica do carro se ache em perfeito estado e que o motorista nada faça que contrarie ao bom funcionamento da iluminação… Não basta isto, porém; se esse homem permitir que sobre o vidro da lanterna se vão depositando a poeira, a lama e as gotas de chuva da estrada, sem as remover, dentro em breve a superfície luminosa estará totalmente opaca; o viajante «terá luz» e «não a terá»; possuirá o foco de luz intato, sim mas, por se comportar negligentemente para com este, ficará na situação de quem não tem luz.
 Algo de análogo se dá com as pessoas que vivem descuidadas dos dons que Deus lhes outorgou e outorga; embora não pequem mortalmente, o seu estado de rotina e tibieza torna-se-lhes cedo ou tarde ocasião de ruína espiritual.
 2. A profunda mensagem do texto
 2.1. A doutrina que Jesus propõe nos termos incisivos e aparentemente paradoxais do S. Evangelho foi constantemente repetida pela Tradição cristã na fórmula seguinte: na vida espiritual quem não progride em virtude, recua; não é possível ficar paralisado. Esta afirmativa, desconcertante à primeira vista, torna-se bem compreensível, se se leva em conta que «vida» é algo de essencialmente dinâmico: ou ela se expande normalmente, seguindo a sua evolução própria, ou, caso não se permita isto, tentando-se reduzir o vivente à estagnação, a vida definha e morre, embora não se cometa atentado direto contra ela.
 Perguntar-se-á então: se assim é, que dizer de tantas e tantas almas que, após sinceros exames de consciência, julgam não poder apontar progressos reais na sua vida espiritual? Esforçam-se por progredir no plano sobrenatural, mas recaem constantemente nas mesmas faltas; dir-se-ia que estão paralisadas; nelas não aparece progresso, nem, de outro lado, cometem pecados mais graves do que os de sua vida passada.
 A tais almas dever-se-á recomendar que não se preocupem demais com a análise de suas fases de vida espiritual, desde que sejam sinceras no emprego dos meios de perfeição. Muitas e muitas vezes, o Senhor, visando preservar a humildade de seus servos, não permite vejam a virtude que realmente praticam. Julgam então estar estagnados, quando na verdade se vão adiantando. Se os justos tivessem sempre a consciência de sua ascensão espiritual, correriam forte risco de perder todo mérito por motivo de vaidade e soberba. Qualquer que seja o resultado de um sincero exame de consciência, será sempre preciso saiba o cristão que há muito mais caminho a percorrer do que quanto percorreu até o momento atual. Por isto na prática não importa muito saber se houve ou não progresso espiritual no passado; o futuro continua a ser um convite à luta, convite que o Senhor Deus dirige ao discípulo, prometendo-lhe ao mesmo tempo a graça para que possa vencer.
 Em consequência, o critério a que as almas devem recorrer para averiguar se estão ou não no caminho reto, é a perseverança ou a tenacidade na luta em demanda da perfeição espiritual; se alguém pode dizer que, apesar de verificar suas contínuas deficiências, não desiste de procurar vencê-las, a fim de corresponder ao dom de Deus, esteja certo de que não vai recuando, mas, ao contrário, progredindo. É São Bernardo (+1153) quem o afirma em termos claros:
 «O zelo incansável pelo progresso (espiritual) e o esforço contínuo em demanda da perfeição são tidos como perfeição. Se, pois, tender à perfeição é ser perfeito, sem dúvida não querer progredir é retroceder. Onde estão, pois, os que costumam dizer: ‘Basta-nos, não queremos ser melhores do que nossos pais’? ó monge não queres progredir? — Não. — Queres, então, retroceder? — De modo nenhum. — Que, pois? Dizes-me: quero viver para mim como me acho, e permanecer na fase a que cheguei; não tolero que me torne pior, nem desejo tornar-me melhor. — Assim queres o que é impossível. Pois que coisa neste século é permanente?… Donde claramente se conclui que não querer progredir não é outra coisa do que retroceder» (epist. 254, 3-5).
 «Tender à perfeição já é perfeição». Possa esta frase do S. Doutor servir de reconforto às almas que lealmente procuram santificar-se! No fim desta vida, o Senhor lhes fará ver que a luta perseverante em prol da perfeição espiritual, embora agora pareça frustrada, terá sido altamente meritória pelo fato mesmo de haver sido perseverante.
 2.2. Por último, deve-se acrescentar que análoga norma se aplica ao caso daqueles que, embora digam não ter fé, sinceramente a desejam ter. Enquanto tais pessoas envidam os esforços necessários para chegar à devida clareza no tocante a Deus e à Religião, enquanto procuram viver plenamente de acordo com os ditames de sua consciência (na medida em que esta lhes fala), podem estar seguras de que não estão perdendo tempo, mas, ao contrário, progredindo na direção do seu verdadeiro objetivo; o Senhor não deixará de Se lhes manifestar plenamente na época e segundo as modalidades que Lhe aprouverem, pois, em verdade, tais almas não procurariam a Deus, se de algum modo já não O tivessem encontrado. É o Senhor Deus mesmo quem, por sua graça, suscita e sustenta o zelo dos que se dizem incrédulos…, mas incrédulos sinceramente desejosos de ter fé! E não o sustenta em vão; «Deus não abandona senão a quem O tenha primeiramente abandonado» (frase de S. Agostinho, repetida pelo Concilio de Trento; cf. Denzinger, Enchiridion 804; note-se que, mesmo quando abandona, Deus não faz, em última análise, senão respeitar a livre decisão da alma que O rejeitou).
Eis o ensinamento profundo que o Senhor quis incutir à mente de seus discípulos até hoje, ao lhes falar no estilo paradoxal de Mt 25,29.
 
Fonte Eletrônica;
 

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