Por Francisco Fernández-Carvajal
A palavra “Advento” vem do latim adventus, que significa “vinda”. É o primeiro tempo do calendário litúrgico, em que os fiéis preparam-se esperançosamente para a vinda de Cristo, tanto no Natal como no fim dos tempos.Celebrado desde o século IV em algumas localidades (Gália, Ravena e Espanha), o Advento apareceu na liturgia de Roma na segunda metade do século VI e, de lá, espalhou-se para toda a Igreja, já com a duração de quatro semanas.O tempo do Advento é dividido em duas partes. A primeira parte consiste nos três primeiros domingos e é consagrada ao anúncio da segunda vinda de Cristo no final dos tempos. A segunda parte vai de 17 a 24 de dezembro e está diretamente voltada à espera e preparação do Natal.Durante esse tempo litúrgico, os paramentos (casula, estola, véu do cálice, etc.) são de cor roxa, simbolizando a conversão e preparação para o encontro com Cristo. Contudo, no quarto domingo do Advento, conhecido como domingo gaudete (“alegra-te”, em latim) usa-se a cor vermelha, para simbolizar a alegre espera do cristão. Como acontece durante a Quaresma, não se diz o Glória nas missas dominicais, embora se diga Aleluia.
I. VIGILANTES ANTE A CHEGADA DO MESSIAS
Ó Deus todo-poderoso, avivai nos vossos fiéis, ao começar o Advento, o desejo de acorrerem ao encontro com Cristo, acompanhados pelas boas obras 1
Talvez já tenhamos tido a experiência – diz Ronald Knox num sermão sobre o Advento 2 – do que é caminhar na noite e arrastar os pés durante quilômetros, fixando avidamente o olhar numa luz longínqua que representa de alguma forma o lar. Como é difícil avaliar as distâncias em plena escuridão! Tanto pode haver uns quilômetros até o lugar do nosso destino, como apenas umas centenas de metros. Era essa a situação em que se encontravam os Profetas quando olhavam para o futuro, à espera da redenção do seu povo. Não podiam dizer, nem com uma aproximação de cem anos ou mesmo de quinhentos, quando é que o Messias chegaria. Só sabiam que um dia a estirpe de Davi voltaria a florescer, que um dia encontrariam a chave que abriria as portas da prisão; que a luz, que avistavam apenas como um ponto nebuloso no horizonte, haveria de ampliar-se por fim, até se transformar num dia perfeito. O Povo de Deus devia permanecer à espera.
Esta mesma atitude de expectativa é a que a Igreja deseja para os seus filhos em todos os momentos da sua vida. Considera como parte essencial da sua missão fazer com que continuemos a olhar para o futuro, ainda que estejamos no limiar do segundo milênio daquele Natal que hoje a liturgia nos apresenta como iminente. E anima-nos a caminhar com os pastores, em plena noite, vigilantes, dirigindo o nosso olhar para a luz que jorra da gruta de Belém.
Quando o Messias chegou, poucos o esperavam realmente. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam 3. Muitos daqueles homens haviam adormecido para o mais essencial das suas vidas e da vida do mundo. Estai vigilantes, diz-nos o Senhor no Evangelho da Missa. Despertai, repetir-nos-á São Paulo4. Porque também nós podemos esquecer-nos do mais fundamental da nossa existência.
Convocai todo o mundo, anunciai a todas as nações e dizei: Olhai para Deus, nosso Salvador, que chega. Anunciai-o e que se ouça; proclamai-o com voz forte 5. A Igreja nos põe de sobreaviso com quatro semanas de antecedência a fim de que nos preparemos para celebrar de novo o Natal e, ao mesmo tempo, para que, com a lembrança da primeira vinda de Deus feito homem ao mundo, estejamos atentos a essas outras vindas do Senhor: no fim da vida de cada um e no fim dos tempos. Por isso o Advento é tempo de preparação e de esperança.
Vinde, Senhor, não tardeis. Preparemos o caminho para o Senhor que chegará em breve; e se notarmos que a nossa visão está embaçada e não distinguimos com clareza essa luz que procede de Belém, é o momento de afastar os obstáculos. É tempo de fazer com especial delicadeza o exame de consciência e de melhorar a nossa pureza interior para receber a Deus. É o momento de discernir as coisas que nos separam do Senhor e de lançá-las para longe de nós. Para isso, o exame deve ir até as raízes dos nossos atos, até os motivos que inspiram as nossas ações.
II. PRINCIPAIS INIMIGOS DA NOSSA SANTIDADE: AS TRÊS CONCUPISCÊNCIAS. A CONFISSÃO, MEIO PARA PREPARAR O NATAL
Como neste tempo queremos de verdade aproximar-nos mais de Deus, examinaremos a fundo a nossa alma. Encontraremos aí os verdadeiros inimigos que se empenham sem tréguas em manter-nos afastados do Senhor. De uma forma ou de outra, estão aí os principais obstáculos para a nossa vida cristã: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida 6.
“A concupiscência da carne não é apenas o impulso desordenado dos sentidos em geral [...], não se reduz exclusivamente à desordem da sensualidade: estende-se ao comodismo e à falta de vibração, que impelem a procurar o mais fácil, o mais agradável, o caminho aparentemente mais curto, mesmo à custa de concessões no caminho da fidelidade a Deus [...].
“O outro inimigo [...] é a concupiscência dos olhos, uma avareza de fundo que leva a apreciar apenas o que se pode tocar [...]. Os olhos da alma embotam-se; a razão julga-se auto-suficiente e capaz de entender todas as coisas prescindindo de Deus. É uma tentação sutil, que se escuda na dignidade da inteligência; da inteligência que nosso Pai-Deus outorgou ao homem para que o conheça e o ame livremente. Arrastada por essa tentação, a inteligência humana considera-se o centro do universo, entusiasma-se novamente com o sereis como deuses (Gên 3, 5) e, enchendo-se de amor por si mesma, vira as costas ao amor de Deus.
“Deste modo, a nossa existência pode entregar-se sem condições às mãos do terceiro inimigo, a superbia vitae. Não se trata simplesmente de pensamentos efêmeros de vaidade ou de amor próprio: é um endurecimento generalizado. Não nos enganemos, porque tocamos o pior dos males, a raiz de todos os extravios” 7.
Agora que o Senhor vem a nós, temos de preparar-nos. Quando chegar o Natal, o Senhor terá de encontrar-nos atentos e de alma bem disposta; e assim terá de encontrar-nos também no nosso encontro definitivo com Ele. Precisamos tornar retos os caminhos da nossa vida, voltar-nos para esse Deus que vem até nós. Toda a existência do homem é uma constante preparação para ver o Senhor, que cada vez está mais perto; mas no Advento a Igreja ajuda-nos a pedir de um modo especial: Senhor, mostrai-me os vossos caminhos e ensinai-me as vossas veredas. Dirigi-me na vossa verdade, porque sois o meu Salvador 8.
Preparemos este encontro através do sacramento da Penitência. Pouco antes do Natal de 1980, o Papa João Paulo II encontrava-se com mais de duas mil crianças numa paróquia romana. E começou a catequese: – Como é que vocês se preparam para o Natal? – Com a oração, responderam as crianças gritando. – Muito bem, com a oração, disse-lhes o Papa, mas também com a confissão. Vocês têm que se confessar para depois comungar. Farão isso? E os milhares de crianças responderam ainda mais alto: – Faremos! – Farão, sim, devem fazê-lo, disse-lhes João Paulo II. E em voz mais baixa: O Papa também se confessará para receber dignamente o Menino-Deus.
Assim o faremos nós também, nestas semanas que faltam para o Natal; com mais amor, com uma contrição cada vez maior. Porque sempre podemos receber com melhores disposições este sacramento da misericórdia divina, como conseqüência de termos examinado mais a fundo a nossa alma.
III. VIGILANTES MEDIANTE A ORAÇÃO, A MORTIFICAÇÃO E O EXAME DE CONSCIÊNCIA
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Estai de sobreaviso, vigiai e orai, porque não sabeis quando será o tempo [...]. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando voltará o dono da casa, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo ou pela manhã, para que não suceda que, vindo ele de repente, vos encontre dormindo. O que vos digo, a todos o digo: Vigiai 10.
Para manter este estado de vigília, é necessário lutar, porque a tendência de todo o homem é viver de olhos cravados nas coisas da terra. Especialmente neste tempo do Advento, não deixemos que os nossos corações fiquem ofuscados pela glutonaria, pela embriaguez e pelos negócios desta vida, perdendo assim de vista a dimensão sobrenatural que devem ter todos os nossos atos. São Paulo compara esta vigilância sobre nós mesmos à guarda montada pelo soldado bem armado que não se deixa surpreender 10. “Este adversário, nosso inimigo, procura fazer-nos mal por onde quer que possa; e, já que não anda descuidado, não o andemos nós” 11.
Estaremos alerta se cuidarmos com esmero da oração pessoal, que evita a tibieza e, com ela, a morte dos desejos de santidade; estaremos vigilantes se não descurarmos os pequenos sacrifícios, que nos mantêm despertos para as coisas de Deus. Estaremos atentos mediante um exame de consciência delicado, que nos faça ver os pontos em que nos estamos separando, quase sem o percebermos, do nosso caminho.
“Irmãos – diz-nos São Bernardo –, a vós, como às crianças, Deus revela o que ocultou aos sábios e entendidos: os autênticos caminhos da salvação. Meditai neles com suma atenção. Aprofundai no sentido deste Advento. E, sobretudo, observai quem é Aquele que vem, de onde vem e para onde vem; para quê, quando e por onde vem. É uma curiosidade boa. A Igreja universal não celebraria com tanta devoção este Advento se não contivesse algum grande mistério” 12.
Santa Maria, que é a nossa Esperança, ajudar-nos-á a melhorar neste tempo do Advento. Ela espera com grande recolhimento interior o nascimento do seu Filho, que é o Messias. Todos os seus pensamentos se dirigem para Jesus, que nascerá em Belém. Junto dEla, ser-nos-á fácil preparar a nossa alma para que a chegada do Senhor não nos encontre absorvidos em coisas que têm pouca ou nenhuma importância diante de Deus.
(1) Oração coleta da Missa do primeiro domingo do Advento
(2) cfr. R. A. Knox, Sermão sobre o Advento, 21-XII-1947
(3) Jo 1, 11
(4) cfr. Rom 13, 11
(5) Salmo responsorial da Missa da segunda-feira da primeira semana do Advento
(6) 1 Jo 2, 16
(7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, ns. 5-6, Quadrante, São Paulo, 1975
(8) Sl 24; Salmo responsorial da Missa do primeiro domingo do Advento, ciclo C
(9) Mc 13, 33-37; Evangelho da Missa do primeiro domingo do Advento, ciclo B
(10) cfr. 1 Tess 5, 4-11
(11) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 19, 13
(12) São Bernardo, Sermão sobre os seis aspectos do Advento, 1.
Fonte: “Falar com Deus”, vol. I, Quadrante, São Paulo, 2004.
Tradução: Luiz Fernando Cintra
FONTE ELETRÔNICA;
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