A ciência passou os próximos 20 anos olhando com preocupação a genial prova de Gödel. Bertrand Russell continuou sendo ateu e seguiu debatendo com G. K. Chesterton, mas se absteve de fazer previsões pelo resto da sua vida. No entanto, o episódio evidenciou a sua falta de rigor científico e a sua parcialidade, pois o homem de ciência, ateu ou crente, deveria antes de mais nada ser honesto e seguir a evidência, nada importando aonde irá parar. Russell - como os ateus de hoje - apostava apaixonadamente em um resultado guiado pelo seu desejo interior de declarar a rainha das ciências como um terreno totalmente conquistado pelo homem. Deus parece ter-lhe pregado uma peça: até hoje a Matemática continua crescendo em extensão, indo bem além da teoria dos conjuntos.
Mais ou menos na época em que Gödel exercitava o cérebro tentando colocar em ordem o seu Teorema, um veterano da I Guerra Mundial era professor de Literatura Inglesa em Oxford; seus amigos o conheciam como Jack Lewis. A morte de sua mãe, quando tinha apenas 9 anos de idade e alguns estudos de esoterismo em sua juventude inicial, impulsionaram o jovem C. S. Lewis ao Ateísmo. Por anos sua pluma destilava um elegante desprezo por todas as "religiões, ainda que devessem ser chamadas por seu [verdadeiro] nome - mitos -, das quais o Cristianismo não é nada mais que a mais recente..." etc. etc. Mas Deus tinha reservado a este Saulo de Tarso moderno o papel de apóstolo cristão do século XX aos povos de língua inglesa. Porém isto não se deu senão alguns anos depois que Lewis, de uma maneira quase milagrosa, se entregou a Deus e, mesmo assim, não sem alguma resistência.
Lewis tinha a vantagem de ter aprendido todos os dialetos do grego antigo desde a tenra idade. Pertencia à última geração formada na rígida disciplina clássica. Conhecia bem os mitos da humanidade, especialmente os mitos teutônicos, dos quais desfrutava desde a sua infância. Ao relatar a história de sua conversão, Lewis recorda que primeiro reconheceu a existência de Deus, mas não chegou a aceitar a Encarnação de Deus em Jesus Cristo, embora a ideia não lhe desagradasse. Também se sentia atraído pelas religiões do Indostão. Lewis não achava que o Cristianismo fosse suficientemente original.
A MORTE DE SIGFRIDO
Em Cristo estavam presentes todos os elementos do mito solar que antes tinha encontrado em Balder, Sigfrido, Osíris, Marduk e tantos outros. Lewis entendia que essa falta de "originalidade" do Cristianismo era um defeito e que todos estes mitos análogos podiam ser explicados como parte da psicologia humana. O que Lewis não sabia nessa época é que já Santo Agostinho de Hipona tinha observado que a alma do homem fora feita para Cristo e que não encontra paz até repousar n'Ele. A razão da similaridade de tantos mitos antigos com a história de Jesus é justamente esta: fomos feitos para Cristo e, se não o conhecemos, temos que inventar algo que o substitua. Essa é a origem de todos os mitos; de fato, a origem de todas as inquietudes humanas transcedentais. Lewis estava observando o problema a partir do extremo oposto. Cristo não é a sublimação de uma necessidade psicológica humana que faz uso do mito, mas justamente o contrário: o mito é a versão limitada que a humanidade perdida precisa construir para preencher o vazio que a ausência de Cristo deixa.
Foi realmente lendo os Evangelhos com um amigo ateu - cujo nome nunca revelou - que Lewis enfrentou finalmente o poder do "mito cristão". Enquanto ambos faziam uma comparação informal da história cristã com a de mitos pagãos análogos, o seu amigo ateu exclamou: "Puxa! Parece que isto realmente ocorreu pelo menos uma vez!"[4]. Lewis era crítico literário dos melhores, talvez o melhor da sua geração. Comentando sobre a sua experiência ao ler os Evangelhos, disse:
"Conheço um mito quando o vejo; conheço uma lenda quando a vejo; e conheço um testemunho vivo quando o vejo. Reconheço uma metáfora quando a encontro. Tudo isto encontra-se na Bíblia; tudo é inspirado. Porém, acima de tudo, isso é História".
Lewis não queria ser cristão, mas tampouco era capaz de viver uma mentira. Em seu interior havia ocorrido uma descoberta fundamental: havia percebido que ele próprio não era Deus. Algo forçava o seu intelecto a partir de fora; algo o procurava e ele se sentia como a raposa perseguida por dezenas de cachorros, que sabe perfeitamente que o fim é apenas uma questão de tempo. Aterrorizado diante da ideia de ter sido encontrado por Deus, Lewis aguardava o xeque-mate final. Nesse estado mental, leu a obra de Chesterton, "The Everlasting Man" (O Homem Eterno):
"Um grande homem sabe que ele mesmo não é Deus e quanto maior ele é, melhor o sabe. Os Evangelhos declaram que este misterioso Criador do mundo nos visitou pessoalmente. O máximo que qualquer dos profetas havia feito até então era se declarar como fiel servidor desse Ser. Contudo, se o Criador esteve presente na vida diária do Império Romano, isso é algo ímpar e sem paralelo na natureza. É a mais assombrosa declaração que um homem havia feito desde que articulou sua primeira palavra. Reduz ao pó e à falta de sentido qualquer comparação entre as religiões"[5].
Aí estava tudo: nos Evangelhos. Era possível enxergar os elementos míticos, a ascensão de Cristo desde a sua obscura aldeia na Galiléia até a cena do Calvário. A penetrante sabedoria dos seus ditos concentrava e refinava os pensamentos de todos os filósofos e os elevava a alturas majestosas sem perder por isso a linguagem simples e camponesa. As metáforas estavam ali, mas não eram simples invenções literárias como as de Kenningar der Skalden, que Lewis estudava com os seus alunos. Aquelas eram metáforas feitas com vidas de homens e mulheres entrelaçadas com seus nomes próprios e os nomes de cidades e regiões que tinham existido por séculos antes que o evento dos Evangelhos ocorresse. Uma mão sobrenatural parecia dispor tudo sem que nada sobrasse ou faltasse. Era Deus! Era esse Deus feito homem que havia preparado Lewis por anos, moldando suas emoções, sua mente e seus estudos, para que lhe servissem um dia para buscá-Lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário