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sábado, 8 de outubro de 2011

Adão Cromossomo-Y e Eva Mitocondrial PARTE 02

ADÃO CROMOSSOMO-Y
Assim como é evidente o valor dos genes mitocondriais para esse tipo de trabalhos – pois eles transitem-se intactos das mães para as filhas –, outro tanto deve também ser dito daqueles que se transmitem (também intactos) dos pais para os filhos do sexo masculino. Esses genes encontram-se na seção não-recombinante do cromossomo sexual masculino: o cromossomo Y. De fato, as pesquisas sobre esse cromossomo feitas em 1986 <4> já apontavam na mesma direção que a dos trabalhos de Wilson e sua equipe (sobre o DNAmt), realizados por volta dessa mesma data.
Mais recentemente, uma equipe internacional de cientistas, dirigida por Peter Underhill, da Universidade da Stanford, procurou chegar ao nosso antepassado em linha paterna através desse cromossomo, isto é, ao chamado “Adão cromossomo-Y”, que seria o homólogo – pelo menos teoricamente, em termos genéticos – da Eva mitocondrial <5>.
Com dados procedentes de mais de mil homens, oriundos de 22 áreas geográficas diferentes, essa equipe traçou uma árvore genealógica da humanidade, chegando à conclusão de que o nosso antepassado comum – o homem (ou população de homens) cujos genes do cromossomo Y foram transmitidos a todos os homens do mundo – também viveu na África. Isso não fez senão confirmar o que todos já esperavam. O que realmente surpreendeu nesse estudo foi que – segundo esses cientistas – o tal antecessor viveu há apenas 59.000 anos atrás, ou seja: 84.000 anos depois da Eva mitocondrial.
À primeira vista, esse novo dado parece por em apuros os partidários de uma origem monogenista. Assim o expressava uma nota distribuída pela revista Nature Genomics pouco antes da publicação do artigo, que dizia em tom irônico: “Adão e Eva talvez não se tenham encontrado”.
Um dos perigos quando se utilizam nomes tomados da Bíblia – Adão e Eva, Noé, etc. – em trabalhos científicos é o de misturar conclusões científicas com dados que não são – e nem têm por que ser – científicos: pretender comparar dados científicos com dados de outro tipo é simplesmente improcedente. É claro que ao ler informações sobre a Eva mitocondrial ou sobre o Adão cromossomo-Y não podemos deixar de pensar, ainda que de passagem, nos personagens bíblicos; mas daí em diante dever-se-ia sempre esclarecer, a fim de evitar equívocos, que em termos de Genética esses nomes geralmente referem-se a populações ou aos genes a elas atribuídos, e não aos personagens mencionados nos primeiros capítulos do Gênese. São nomes usados apenas para designar os troncos comuns nos quais, segundo os dados científicos, parecem convergir as linhagens humanas feminina e masculina, respectivamente. Convém deixar claro que não se está querendo, nem de longe, determinar a idade, ou a história, ou qualquer outra característica daqueles que são considerados por muitos – e por razões não exatamente científicas – como os primeiros pais da humanidade. Como já foi apontado, o resultado de Underhill pode ser mal interpretado, levando a uma contradição que não é somente aparente: é também enganosa.
O fato de haver ou não uma explicação biológica para o monogenismo não é uma questão especialmente relevante. O que é certo é que hoje em dia trabalha-se com diversas hipóteses, todas elas biologicamente viáveis. Uma delas, baseada em estudos recentes, fala de uma reestruturação cromossômica – devida fundamentalmente à passagem de informações do cromossomo X para o cromossomo Y – como sendo um possível mecanismo da especiação humana <6>. Segundo os geneticistas que a estudam, trata-se de uma reestruturação forte e drástica (um “salto”, e não uma acumulação gradual das mutações numa população), que tornaria possível o monogenismo a partir de um só homem. A Ciência talvez venha a oferecer novos dados nessa linha de pesquisas; mas por enquanto continua prevalecendo entre os cientistas o preconceito neodarwinista, que sustenta a hipótese populacionista como único modelo válido para a especiação.
AMPLAS MARGENS PARA A INTERPRETAÇÃO
A datação feita pela equipe de Underhill foi bem acolhida por parte daqueles que interpretam o relato do Gênese como uma mistura de mitos e lendas dos povos orientais primitivos. Mas os próprios autores do estudo mostram-se muito mais cautelosos em suas apreciações do que aqueles que costumam comentar os seus resultados. Peter Oefner, um dos membros da equipe de Stanford, deu essa explicação: “Há 59.000 anos um único cromossomo Y começou a predominar (…) Todos os outros cromossomos Y, que vinham desde o tempo de Eva, 84.000 anos antes, acabaram por perder-se. A razão para isso poderia ser a seleção sexual, ou seja, as mulheres preferiam sistematicamente um tipo de homens portador do novo cromossomo Y. Ou talvez esses homens tivessem algum tipo de vantagem competitiva na caça ou na luta”. Os autores do trabalho evitam cuidadosamente mencionar os personagens bíblicos, limitando-se a expor o trabalho que desenvolveram ao longo de treze anos, e cujos resultados, afinal de contas, permitem inferir que a espécie humana surgiu na África oriental há aproximadamente 143.000 anos, e que um novo tipo masculino predominou 84.000 anos depois.
Os estudos baseados na análise do DNA deixam em aberto uma ampla margem de possibilidades, principalmente quanto ao aspecto temporal. Isso já foi comentado em relação ao DNAmt. Quanto aos marcadores do cromossomo Y, apesar de a idade estimada para o “Adão cromossomo-Y” ser de 59.000 anos – em média –, há no entanto margem para admitir uma idade de quase 90.000 anos, bem mais próxima, portanto, da que foi estimada para a Eva mitocondrial.
Afinal, os dados genéticos parecem confirmar que a origem dos seres humanos atuais teve lugar há aproximadamente 100.000 anos na África, mais concretamente no Leste desse continente. Outras pesquisas inclusive indicaram que as populações atuais ligadas às linhagens humanas mais antigas são os bosquímanos Kung e os pigmeus de Biaka. De qualquer forma, não parece haver razões científicas para por em dúvida o relato bíblico que narra a criação, por parte de Deus, do primeiro homem e da primeira mulher, e nem tampouco a história da sua descendência. Os que insistem em fazê-lo perdem de vista que a Bíblia não pretende fornecer noções científicas. O que ela sim nos dá – e de modo surpreendente – é o sentido e o significado daquilo que sabemos por meio das ciências empíricas. Por esse prisma, acaba sendo reveladora – e ao mesmo tempo sugestiva – a leitura das primeiras páginas do Gênese, que narram uma história que concorda extraordinariamente bem com os resultados das pesquisas da biologia molecular e da genética.

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