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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Arqueologia: 1° Homem terá sido criado milênios - EB (Parte 1)

Revista: "Pergunte e Responderemos"

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº17 - Ano 1959 - p. 202

III. Sagrada Escritura

Espectador (Juiz de Fora):

5) "O primeiro homem terá sido criado 4 ou 5 milênios apenas antes de Cristo?

Como se explica que Adão e seus primeiros descendentes tenham vivido centenas de anos, como insinua o Gênesis?

Nestes pontos não estaria a Escritura em conflito com evidentes dados da ciência?"

A "cronologia" dos primeiros capítulos do Gênesis tem suscitado dúvidas e perplexidade. Abordaremos a questão voltando primeiramente nossa atenção para os dados precisos da mesma; a seguir, procuraremos abrir algumas vias para a respectiva solução.

1. Os dados do problema

Chama-se "pré-história bíblica" o bloco Gênesis 1-11, pois nestes capítulos o autor sagrado visa apenas preparar a entrada de Abraão (Gên 12) em diante, os acontecimentos e a sucessão dos tempos em Israel (povo de Abraão) interessam diretamente ao escritor sagrado, pois constituem a história da nação messiânica.

E quais as grandes etapas que o hagiógrafo menciona em preparação à história de Abraão?

São:
1) a criação e o pecado dos primeiros pais no paraíso (Gên 1-3). Quadro básico que, de um lado, explica a entrada da corrupção e do sofrimento no mundo e, de outro lado, justifica a necessidade de Redenção ou de extraordinária intervenção de Deus para impedir que o gênero humano seja totalmente vítima da desgraça moral e material;
2) o crime de Caím, que mata Abel logo na primeira geração (Gên 4,3-8). Bem mostra como o pecado vai dominando os homens;

3) o episódio do dilúvio (Gên 6-9). Tem em proporções mais amplas, a mesma finalidade que o anterior;

4) a cena da torre de Babel (Gên 11,1-100. É, nesta série, a última afirmação da contínua apostasia dos homens.

Sobre este fundo, o leitor, ao chegar em Gên 12, já compreende bem que Deus, tendo em vista a restauração do gênero humano, haja chamado de uma terra pagã um homem denominado Abraão, mandando-lhe fosse iniciar na região de Canaã uma linhagem nova, portadora da verdadeira fé, que o Senhor aos poucos iria revelando ao Patriarca e à sua descendência; do povo de Abraão deveria sair o Messias.

Pergunta-se agora: será que, ao configurar este quadro da religião e da moralidade antigas, o autor sagrado tinha em vista enunciar também dados da cronologia ou proferir alguma tese sobre a idade do gênero humano?

É, ao menos, o que comumente se deduz do fato de que, entre Adão e Noé (o dilúvio), o hagiógrafo enumera dez gerações, atribuindo a cada uma séculos de vida (Gên 5, 1-32: a linhagem dita de Sete ou dos Setitas), e, entre o dilúvio e Abraão, mais dez gerações, também extraordinariamente longevas (Gên 11,10-26): linhagem dita de Sem ou dos Semitas).

As cifras assinaladas nesses trechos não são exatamente as mesmas nas três recensões mais antigas do Gênesis, isto é, no texto massotérico ou TM (o texto hebraico hoje existente), no chamado "Pentateuco dos Samaritanos" ou Sam (texto como era lido no séc. V a. C. na Samaria) e no texto dos LXX (texto grego traduzido do hebraico nos séc. III/I a. C.). Somando-se os números de cada uma dessas recensões, obtêm-se os seguintes resultados:

TM Sam LXX

De Adão ao dilúvio decorreram: anos 1656 1307 2262

Do dilúvio ao nascimento de Abraão
decorreram: anos 290 940 1070

1946 2247 3332

Das três formas do texto, a mais fidedigna é a do TM. Como quer que seja, adicionando-se a essas cifras os 2.000 anos que aproximadamente medearam entre Abraão e Cristo, tem-se concluído que, conforme a Bíblia, o gênero humano existia havia 4 ou 5 mil anos apenas, quando veio o Redentor; hoje ele não ultrapassaria os seus 7.000 anos de existência! - Ora, feita esta suposição, torna-se evidente o conflito com as ciências naturais, que atribuem à nossa estirpe uma duração oscilante entre 120.000 anos (na mais sóbria das hipóteses) e um milhão de anos (o planeta Terra, neste caso, já teria 3.350.000.000 de anos).

O problema parece tornar-se mais agudo ainda, se se observa a surpreendente "longevidade" dos Patriarcas bíblicos: Adão teria vivido 930 anos; Matusalém, 969 anos; Noé, 950 anos, etc. Contudo a Paleontologia afirma que os primeiros homens não viviam mais do que nós: os fósseis insinuam breve duração da vida do homem antigo, assim como mortalidade infantil em altas proporções, pois que faltavam às gerações de outrora os recursos cirúrgicos e medicinais necessários para deter as doenças.

Eis os termos do problema que se impõe à consideração do estudioso.

2. Luz no enigma

1. Até o século passado, nenhum exegeta hesitava em adicionar uns aos outros os números apontados pelo Gênesis, tomando-os como indicações cronológicas. Nem a Paleontologia apresentava dificuldades contra tal proceder, nem os conhecimentos de filologia (precários como eram) sugeriam outra interpretação.

No séc. XIX, porém, tornou-se evidente que o gênero humano tem muito mais de 5.000 anos sobre a terra. Além disto, documentos descobertos nos arquivos do Oriente antigo projetaram novas luzes sobre a mentalidade e o expressionismo de que dependem os primeiros capítulos do Gênesis. Em conseqüência, os estudiosos puderam apreender melhor o sentido das cifras assinaladas aos Patriarcas bíblicos.

Na base, pois, dos novos estudos, qual seria o significado desses números?

Os exegetas não hesitam em afirmar que não indicam cronologia nem assinalam intervalos de tempo, mas são artifícios de um gênero literário próprio.

E qual seria esse gênero literário?

Descobriram-se nos arquivos da antigüidade listas de dez oito ou sete varões que teriam vivido nos primórdios da humanidade, dotados cada qual de extraordinária longevidade.

Na Babilônia, por exemplo, o sacerdote Berosso confeccionou o seguinte catálogo de dez reis anteriores ao dilúvio babilônico, sendo o décimo, Xisutro, o herói do dilúvio no poema babilônico de Gilgamesh:

1. Aloro reinou 36.000 anos ou 10 saros (1 saro = 3.600 anos)

2. Aláparo 10.800 3

3. Almelon 46.800 13

4. Amenon 43.200 12

5. Amegálaro 64.800 18

6. Dáono 36.000 10

7. Edoranco 64.800 18

8. Amenfsino 36.000 10

9. Otiartes 24.800 8

10. Xisutro 64.800 18

Ao lado desta lista, conhece-se outra, também babilônica (W. B. 444), em que oito reis são enunciados desde os tempos pré-diluvianos até a data de confecção da tabela (cerca de 2.400 a. C.). Ei-la:

Aluim, de Eridu reinou 28.800 anos ou 8 saros

2. Alagar, de Eridu 36.000 10

3. En-me-en-lu-an-na, de Badtibira 43.200 12

4. En-me-en-gal-an-na, de Badtibira 28.800 8

5. Dumu-zy, o pastor de Badtibira 36.000 10

6. En-sib-zi-an-na, de Larak 28.000 8

7. En-me-en-dur-an-na, de Sippar 21.000 anos ou 5 saros

e 5 ner

(1 n e r =

600 anos)

8. Ubara-du-du, de Suruppak 18.000 anos ou 5 saros

e 1 ner

Existe ainda outra tabela da antiga Babilônia (W. B. 62), na qual dez reis antediluvianos vem mencionados com semelhante longevidade. Verifica-se que os nomes ocorrentes nessas diversas listas são, exceção feita de alguns legendários fundadores de dinastias nomes de personagens históricos. As tabelas, porém, divergem entre si na indicação tanto dos nomes como dos números - o que é indício de que nem estes nem aqueles eram visados em si, ou seja, com o fim de reconstituir a realidade histórica, mas, antes, vinham escolhidos e enunciados conforme outros critérios que não os da historiografia. Pode-se mesmo dizer que nem o número de gerações ou reis nem a longevidade de cada indivíduo interessavam diretamente aos autores de tais tabelas; por isto é que os mencionavam mediante esquemas feitos (10 homens, 8 saros, 10 saros, 12 saros...), esquemas que, no plano da história, parecem fabulosos, eram altamente eloqüentes.

Fora da Babilônia encontraram-se blocos literários semelhantes aos da Mesopotâmia; no Egito, por exemplo, achou-se a lista de dez reis que governaram o povo nos seus primórdios. Os Persas conheciam seus dez Patriarcas; os Hindus enumeravam nova descendentes de Brama, com os quais Brama completava uma série de dez gerações antediluvianas.

Estes dados são suficientes para se concluir que tabelas esquemáticas de dez (oito ou sete) gerações extraordináriamente longevas constituíam um gênero literário bastante familiar aos antigos, quando estes queriam referir algo dos seus tempos primordiais. Tais tabelas elaboravam dados históricos, ampliando-os, ou mutilando-os conforme as leis de estilo próprio, de sorte a fazerem de personagens e objetos a expressão muito viva de doutrinas filosóficas, religiosas ou do patriotismo nacional; os números, em tal caso, vinham a ter significado estritamente simbólico, designando qualidades ou valores morais, não, porém, quantidades ou duração de vida.

Pois bem. Considerando-se as tabelas genealógicas de Gên 5,1-32 (os Setitas) e 11,10-26 (os Semitas), verifica-se que pertencem ao gênero literário que acabamos de mencionar: dez nomes ocorrem em cada uma, cercados de números que, embora pareçam atribuir aos Patriarcas extraordinária longevidade, deverão ser entendidos como expressões de predicados morais dos respectivos sujeitos.

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