O
leitor de História da Igreja- e todos deveríamos ser- provavelmente conhece as
histórias de Ário e de Montano. Fizeram milhões de discípulos no seu tempo,
perderam e hoje voltam à cena na pessoa de inúmeros novos profetas e pregadores
de novas igrejas e comunidades que se declaram profetas ou apóstolos, portadores
de uma mensagem urgente para os últimos tempos. Tais pregadores investem
pesadamente em curas, milagres e profecias enquanto oram por divinas revelações
e até dão hora e data para seus milagres.
No caso de Montano, suas
doutrinas e ideias voltam à mídia moderna sem disfarce algum, na boca de
pregadores que não têm ideia dos conflitos e sofrimentos que aquela visão
radical da graça trouxe para a Igreja. Uma coisa é ser mensageiro da fé e outra
é ser o veículo número um das novas revelações de Javé ou de Jesus, dar data
para o fim do mundo, dizer que conhece o anticristo, situá-lo nas outras igrejas
e garantir que seu grupo vai derrotá-lo e restaurar a verdadeira
fé.
Voltemos aos séculos II e IV, anos 170-200 e anos 300. As doutrinas
sobre o Cristo, sobre a encarnação e sobre o Deus Uno e Trino não estavam
definidas, o Credo não tinha sido escrito e os concílios de Nicéia e de
Constantinopla e Calcedônia ainda não tinham acontecido. Leigos e padres famosos
e cultíssimos pregavam a fé cristã. Os bispos ora ouviam uma corrente, ora outra
e os imperadores politicamente assumiam ora uma, ora outra proposta. Tudo
dependia do poder de comunicação do grupo com os instrumentos da época e de sua
influência politica.
Tomaram vulto, então, algumas doutrinas, entre
elas, as de Montano e as de Ário. Eles sinceramente acreditavam que a fé cristã
era aquilo que eles pregavam sobre o Espirito Santo e sobre Jesus. Sua conclusão
e suas experiências eram o caminho certo. Como as multidões de crentes que hoje
lotam templos, estádios, vão em marchas pelas ruas para dizer que estão certas,
que seguem um grande líder e assumem suas doutrinas, supostamente a ultima
palavra sobre Jesus, assim era naquele tempo. Entre os grandes nomes daquele
tempo, de um lado foram Montano no século II e Ário no século IV; do outro lado
houve um Atanásio, dois Gregórios e um Basílio. Mais tarde viriam centenas de
outros, cujos escritos se pode comprar hoje em livrarias
especializadas.
Se os pregadores católicos, evangélicos e pentecostais
que falam várias horas por dia ou por semana na mídia moderna lessem, hoje,
aqueles escritos e as histórias daqueles dias talvez tomassem mais cuidado com
suas afirmações. É que Montano, Ário e outros por eles influenciados disseram
coisas que as igrejas cristãs de hoje não podem mais aceitar. Não há como voltar
atrás. Mas eles estão voltando. Algumas daquelas ideias estão na boca de famosos
pregadores midiáticos de agora. O Jesus que eles anunciam não é o do Credo de
Nicéia, Calcedônia e Constantinopla. Retornaram para os anos 160-200 ou 300-400.
Ninguém os questiona, apostrofa ou censura. O que eles fazem e dizem Montano
fazia e dizia.
Tocando as raias da loucura o sacerdote pagão Montano,
por volta dos anos 160 apareceu na Frígia, hoje Turquia, dizendo-se um profeta
ou avatar divino. O Deus Uno e Trino incorporava nele para dar seus recados.
Deus se encarnava de novo e, na verdade, embora fosse a voz de Montano quem
falava naquele momento era Deus todo poderoso Pai, Filho e Espirito Paráclito
que “o usava” para “novas e divinas revelações”.
Com ele agiam Priscila e
Maximila, profetizas que também recebiam as revelações passadas a Montano.
Entravam em transe e Deus falava por sua boca. Montano propunha uma fé
apocalíptica de fim dos tempos. Com ele a fé cristã chegara à sua perfeição. Por
isso, seus discípulos deveriam viver em função da iminente vinda de Cristo. Os
novos revelados deveriam buscar o martírio para, com isso, apressar esta vinda.
Deus precisava daqueles supremos sacrifícios para que acontecesse a vitória
sobre o mal. Até o severo leigo Tertuliano, um dos homens mais cultos do seu
tempo aderiu a este credo. Enquanto Orígenes e Clemente pregavam serenidade
Montano pregava a severidade do Reino.
A Nova Revelação ou Nova Profecia
de Montano foi talvez o primeiro cisma da Igreja. Deu origem a milhares de
comunidades sem nenhum compromisso com a universalidade. O sacerdote pagão da
Frígia converteu-se ao cristianismo e depois desconverteu-se ao puxar o
cristianismo para seu modo de profetizar. Não aceitava a autoridade dos bispos,
não os via como herdeiros dos apóstolos pois que qualquer um podia ser, e usava
os milagres e curas e sinais de Pentecostes como prova de que a igreja primitiva
voltara. Seu grupo era uma reedição dos primeiros dias do cristianismo. Ele se
considerava porta-voz do Espirito Santo e não aceitava que as autoridades da
Igreja prendessem o Espirito Santo dentro de uma livro…ao negar que havia novas
revelações tão profundas como as dos apóstolos. Cristo retornaria em breve e
condenaria as autoridades da Igreja da época. Tinham traído Jesus e eram todos
apóstatas. Ele e as duas profetizas entravam em transe quando profetizavam, e
Montano falava na primeira pessoa como se Deus estivesse falando e não Montano.
Os fieis não viam aquilo como loucura e, sim, como nova manifestação de Deus. Em
pouco tempo, os seguidores de Montano haviam criado milhares de pequenas
comunidades guiadas pela inspiração do Espirito Santo que lhes falava. Não
precisavam da liderança dos bispos. Em muitas cidades os cristão se dividiam em
dois grupos: os que aceitavam a palavra dos bispos e os que seguiam apenas a
palavra de Montano. Havia os cristãos e o montanistas. Um grupo era reticente
quando a orar em línguas, profetizar nas assembleias, operar milagres e curas. O
outro apoiava-se fortemente em novas revelações, curas, profecia e
milagres.
Por conta do radicalismo dos montanistas, o que havia de sério
no pentecostalismo de então, foi confundido com as bravatas e profecias de
Montano. Por culpa do desequilíbrio dele e seus seguidores a profecia ficou
maior do que a escrituras. Roger Olson um historiador da Teologia assinala que
“sempre e onde quer que a profecia for elevada a uma posição superior às
Escrituras, lá estará o montanismo em ação.” Quando qualquer um se arvora em
profeta não temos nem profecia nem cristianismo: temos um íncubo
religioso!
É o que temos visto em algumas pregações pelo rádio e pela
televisão.
Padre Zezinho
Fonte Eletrônica;
Nenhum comentário:
Postar um comentário