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domingo, 20 de dezembro de 2009

“O movimento evangélico está chegando ao fim”

ENTREVISTA DE RICARDO GONDIM REVSITA ECLÉSIA E VEJAM O QUE ELE FALA SOBRE O MOVIMENTO ENVAGÉLICO NO BRASIL:

“O movimento evangélico está chegando ao fim”Ricardo Gondim, um dos maiores pensadores cristãos do país, analisa a Igreja contemporânea e antecipa uma guinada na espiritualidadeO século 20 assistiu ao alvorecer, à consolidação, ao apogeu e ao desgaste do movimento evangélico, um ciclo histórico que está prestes a se encerrar. O que virá depois é uma incógnita – contudo, é possível vislumbrar que, passada a crise de pragmatismo que assola a Igreja deste início do terceiro milênio, a espiritualidade será experimentada de maneira mais viva e relacional com Deus. A avaliação é do pastor Ricardo Gondim Rodrigues, um dos mais respeitados pensadores evangélicos do país. Para ele, a derrocada do evangelicalismo não é fruto apenas do natural desgaste de 100 anos, mas principalmente de posturas e práticas que o afastaram da genuína fé bíblica. “Estamos pregando um Evangelho de resultados, onde o que interessa menos é o próprio significado da conversão”, avalia.Pastor, escritor e conferencista, Gondim, aos 50 anos de idade, carrega uma bagagem teológica forjada por muitas experiências de vida e de ministério. Filho de um preso político da ditadura militar, ele, desde cedo, se interessou em entender o mundo à sua volta. A ponto de ter se convertido ao Evangelho sozinho, lendo uma Bíblia presenteada por um colega de escola em Fortaleza (CE), sua cidade natal. Foi lá que ele começou sua trajetória de fé, primeiro na Igreja Presbiteriana – de onde foi expulso ao contar que recebera o batismo com o Espírito Santo –, e depois na Assembléia de Deus, na qual iniciou seu ministério de pregador. Mas acabou decepcionado com o excessivo legalismo que, àquela altura, dominava não só a Assembléia de Deus, como muitas outras denominações. Rebeldia? Não, inconformismo. “Eu estava em busca de uma fé mais livre de jugos humanos”, lembra. Acabou encontrando. Depois de passar muitos anos estudando e trabalhando nos Estados Unidos, Gondim assumiu o pastorado da Missão Betesda, lá mesmo em Fortaleza, em 1982. Aquele trabalho, com um perfil alternativo às grandes denominações, acabou dando origem à Assembléia de Deus Betesda, igreja que hoje tem sede em São Paulo e mais de 18 mil membros. Ao lado da mulher, a também pastora, Sílvia Gerusa, com quem tem três filhos, Gondim capitaneia um bem-sucedido ministério que tem sido referência em todo o Brasil e até no exterior. Ele não faz muitas concessões a modelos eclesiásticos e institucionalizações: “Nossa ênfase tem de ser bíblica. Apenas tratar dos conteúdos do Evangelho”, resume.Como sugere o título de um de seus livros, Artesãos de uma nova história, Ricardo Gondim acredita que a fé evangélica começa a trilhar, hoje, um outro caminho – “O pragmatismo da fé de resultados vai dar lugar a uma fé mais afetiva, mais íntima com Deus”. Mas não será um tempo de valorização do bem-estar e do narcisismo espiritual, como vemos hoje. “Ao contrário”, acredita, “estando mais próximos do coração do Senhor, estaremos também mais atentos ao seu clamor pela humanidade que sofre”. O pastor Gondim atendeu a reportagem de ECLÉSIA durante o 5º Congresso de Reflexão e Espiritualidade, em Águas de Lindóia (SP), evento promovido pela Doxa, um dos braços da Igreja Betesda. Ali, falou-se muito sobre a Igreja contemporânea. A análise não é das mais animadoras. “A conversão, experiência básica da vida cristã, está muito difusa. Quase não se fala mais em ‘nascer de novo’”, avalia Gondim. Confira a íntegra da entrevista:ECLÉSIA – Na sua opinião, qual é a situação da Igreja Evangélica brasileira, hoje? RICARDO GONDIM – É engraçado porque, mesmo com a Igreja brasileira atravessando uma tremenda crise de conteúdos, a gente vive um momento de ufanismo evangélico. A Igreja Evangélica brasileira tem uma grande dificuldade de examinar a si mesma, porque está muito entusiasmada com seu próprio crescimento. Mas é fácil constatar que o Evangelho tem sido pregado e vivido de uma maneira extremamente pragmática, utilitária. Que Evangelho estamos pregando? É um Evangelho de resultados, onde o que interessa menos é o próprio significado da conversão. Isso é muito grave. O significado da expressão “nascer de novo” está muito difuso dentro das nossas igrejas. O que é nascer de novo? Esta experiência basilar foi diminuída a um simples rito comportamental de levantar a mão, vir à frente, seguir cinco ou seis “leis espirituais” – confesse isso, declare aquilo, aja deste modo. Ou seja, virou um credo. E um credo ralo. O conceito de nascer de novo está muito fragilizado, além de se falar pouco nele. E quando se fala, não sabemos nem a que estamos nos referindo. O movimento evangélico, tal como hoje o conhecemos, está próximo do seu fim.Como assim?Os sinais desse esgotamento são claros. Um deles é a fragilidade teológica e doutrinária dos adeptos do movimento evangelical nas bases. Se você perguntar a um membro de igreja evangélica, hoje, por que é evangélico, ele vai responder com um chavão ou relatando uma experiência mística, metafísica, sem qualquer conteúdo básico, exegético, hermenêutico. E essa experiência mística caberia muito bem em qualquer outra vivência religiosa, do budismo ao espiritismo. Esse esvaziamento teológico nas bases demonstra que a longevidade do movimento evangélico está comprometida.O que o senhor chama de “movimento evangelical”?O evangelicalismo existe desde o nascimento do chamado fundamentalismo, que é um movimento que aconteceu primordialmente nos Estados Unidos, no fim do século 19. Ele foi uma reação ao liberalismo teológico então em voga, fruto da alta crítica alemã, que estava influenciando tremendamente o cristianismo ocidental. As igrejas resolveram reagir a isso com a reafirmação dos postulados básicos da fé cristã, aqueles postulados inegociáveis – o nascimento virginal de Jesus, a inerrância das Escrituras, a ressurreição corpórea de Cristo e a sua volta. Era uma reação de forte cunho fundamentalista e escatológico. Esse também foi o embrião do pentecostalismo, não? Exatamente. O pentecostalismo é filho do movimento fundamentalista, que teve como um de seus expoentes o pastor americano Billy Graham. Esse movimento chega ao seu apogeu no Pacto de Lausanne [N. da redação: este pacto foi firmado na Conferência Internacional de Lausanne, na Suíça, em 1974, reunindo líderes evangélicos de todo o mundo]. Ali, ele chegou à sua força maior, um período que corresponde também à explosão numérica do movimento pentecostal. O pentecostalismo, até então visto com reservas, foi inclusive, admitido como parceiro do evangelicalismo. Lausanne foi fundamental para o diálogo entre os diversos acampamentos que estão debaixo dessa enorme tenda chamada evangelicalismo.Qual é o legado do evangelicalismo?Eu não diminuo nem subestimo o movimento evangelical. Ele foi uma expressão espiritual linda, que democratizou o acesso a Deus. Sem dúvida, trata-se do maior fenômeno religioso do século 20 e firmou os paradigmas com os quais nós temos convivido nestes últimos 100 anos. Mas, como outros movimentos espirituais, ele perdeu o fôlego. Isso é próprio do processo histórico. Mas ele está acabando, com certeza. O movimento evangélico, tal como o conhecemos, está completando o seu ciclo de existência. Esse esvaziamento se deu pela própria força pragmática do movimento.O que virá depois? Nós não temos ainda uma resposta clara para o que vai acontecer. Talvez essa resposta não seja de competência da nossa geração. Mas já há o alvorecer de alguma coisa nova, um movimento de refluxo deste Evangelho pragmático que temos vivido, que busca resultados e dividendos. E essa coisa nova aponta no caminho de uma espiritualidade mais viva, de um relacionamento mais íntimo com Deus. Uma abordagem mais humana das Escrituras – valores espirituais como ternura e afeto em relação ao Senhor, uma noção mais singela da paternidade divina. Alguns pensadores estão nessa direção. Gente como Osmar Ludovico, Valdir Steuernagel, Ricardo Barbosa de Sousa, que enfatizam a necessidade da retomada de uma espiritualidade do coração, um cristianismo de mais afeto com Deus. Deixar de lado a técnica, o “como fazer”, e entrar mais num relacionamento com Deus sem visar desdobramentos práticos. Há um clamor no nosso país por uma espiritualidade que nos traga de volta uma relacionalidade maior com o Senhor. Mas, esse Evangelho de busca por intimidade com Deus não pode levar a uma espécie de narcisismo espiritual? Hoje, boa parte dos livros, das pregações e até das músicas evangélicas priorizam a satisfação pessoal...Diria que não. Isso pode perfeitamente ser conciliado com o Evangelho “do outro”, ou seja, dos relacionamentos horizontais. Quanto mais nos aproximarmos do coração de Deus, mais nós sentiremos o que ele sente, mais empáticos nos tornaremos. E maior será o amor que teremos para com o próximo. Nós nos tornaremos identificados com o pulsar do coração de Deus para com a humanidade sofrida. A evangelização deixará de ser uma agenda institucional e passará a ser uma identidade do nosso coração com o coração de Deus.Na última década, observamos o fenômeno da institucionalização das igrejas, levando princípios corporativos para os ministérios cristãos. O que o senhor pensa dos modelos de gestão eclesiástica e das estratégias para o crescimento das igrejas?Olha, eu vejo com algum receio essa multiplicação de modelos eclesiais, importados, na maioria das vezes, dos Estados Unidos. Não acredito que a resposta para a Igreja seja gerencial. A nossa capacidade de gerenciar programas, de estabelecer o que seja uma boa visão, uma boa missão, não é uma panacéia para os males da Igreja contemporânea. Eu ainda acredito que é o Senhor que vai nos dar o crescimento, acrescentando o número daqueles que vão sendo salvos. Eu vejo que muitos pastores se escondem atrás de um pacote, achando que é o grande truque que vai resolver o problema de relevância de suas igrejas e ministérios. Eu, às vezes, tenho medo de a gente embarcar em pacotes que são apresentados como modelo de sucesso, quando, muitas vezes, é aquela igreja que está lá na favela, lá na cidadezinha pobre, sem sinais de prosperidade e sucesso, que está cumprindo os desígnios de Deus. O problema é que estamos muito proselitistas e pouco evangelizadores. Haja vista a ênfase nos nossos programas de mídia. É muito mais propaganda das instituições do que o ensino dos conteúdos do Evangelho. Usa-se a mídia para fazer propaganda institucional, ou para enaltecer os dirigentes de igrejas. Isso é uma decadência.O senhor é um líder evangélico respeitado nacionalmente. Como faz para evitar a institucionalização de seu ministério?Nós, na Betesda, temos um zelo muito cuidadoso em ser uma igreja da Palavra de Deus, que se concentra em colocar a sua ênfase na Bíblia, na exposição clara das Escrituras como elas são. E a nossa igreja tem crescido, sim, até mais do que se espera de uma igreja com esta postura – mas nós não fazemos da busca por este crescimento a prioridade de nossas ações. Crescer por crescer não é a nossa proposta. Então, as pessoas que temos atraído para o Evangelho vêm exatamente em busca disso, deste conteúdo bíblico, uma coisa que fuja do Evangelho de resultados que temos visto por aí. Alguém já disse que se você montar uma igreja tocando rock, terá de tocar rock ali a vida inteira, senão as pessoas que foram atraídas por isso vão embora. Se você montar uma igreja expulsando demônios, vai ter de continuar expulsando demônios sempre, porque senão, no dia em que parar de fazer isso, as pessoas vão embora. Então, se você monta uma igreja pregando a Palavra de Deus, terá de continuar fazendo isso sempre – se parar de pregar, as pessoas vão embora, porque a pregação bíblica é o seu carro-chefe. Dentre estas muitas opções, a minha é a Palavra de Deus. Eu acredito que os conteúdos do Evangelho precisam ser explicitados. Existe uma terceira via, uma solução para os problemas advindos do próprio crescimento das igrejas, como a perda da dimensão comunitária?Existe, e é a dos grupos relacionais. Este é um caminho sem retorno que a Igreja terá de trilhar, se quiser preservar sua identidade cristã. É o caminho das casas, das células familiares, da koinonia, onde o relacionamento se dá olho no olho. Os pequenos grupos são uma alternativa saudável aos efeitos desagregadores do crescimento. Eles são a solução para o cristianismo ocidental. Já que um dos motivos de seu rompimento com a Assembléia de Deus foi sua crítica ao legalismo, como o senhor vê esta questão no segmento evangélico hoje? Houve uma evolução? Em algumas áreas, sim. Nessa área de usos e costumes, o avanço foi perceptível, e não só numa ou outra denominação. Houve uma revolução também na questão do legalismo litúrgico – nossos cultos hoje são muito mais leves, espontâneos, menos estereotipados. Antigamente, um culto presbiteriano, por exemplo, era exatamente igual em igrejas de norte a sul do país. Hoje, há uma liberdade muito maior nesse sentido. Por outro lado, existem atitudes legalistas que transcendem essa coisa de roupa, de práticas. O legalismo não se manifesta apenas na rigidez de costumes – ele está presente, também, quando abandonamos os critérios da fé e acreditamos que as nossas obras, de alguma maneira, nos dão cacife diante de Deus. Hoje, existe um legalismo tão pernicioso quanto aquele de outrora, que regulava tamanho de roupa ou corte de cabelo. É o legalismo que coloca na corrente de oração semanal, ou na oferta, uma responsabilidade de aplacar Deus com nossos sacrifícios. Vamos agradar ao Senhor desta maneira, com tal prática, ou dando mais dinheiro – quem sabe, vamos ganhar o favor de Deus se pudermos louvá-lo com o melhor louvor que a gente puder fazer. A liberalidade quanto a usos, costumes e procedimentos não tornou os crentes mais “mundanos”?Não, não, não. O que nos faz parecer com o mundo não é o jeito como a gente se veste, ou a maneira como a gente fala, ou que tipo de lugares que freqüentamos. Estamos, sim, mais mundanos, mas não porque a gente deixou de ser legalista. O que faz a gente ser parecido com o mundo são os conteúdos do nosso caráter, as opções que fazemos – se dizemos “sim” ou “não” a determinadas oportunidades que surgem. Os critérios éticos da Igreja é que estão parecidos demais com os do mundo. Nós, hoje, temos uma Igreja pragmática, onde o “dar certo” é mais importante do que o “estar certo”. Hoje, o parâmetro da bênção de Deus é a prosperidade. Então, se você está ganhando dinheiro, se a sua empresa vai indo bem, então é sinal de que a bênção de Deus está sobre você.Que tipo de gente está sendo produzida pela teologia da prosperidade?Ela está produzindo uma enorme quantidade de pessoas decepcionadas com a Igreja, com Deus. Isso funciona com a mesma lógica do jogo de azar – milhões apostam, mas apenas um grupo mínimo acerta.Se é assim, por que tanta gente continua acreditando nessa teologia?Mas é esse mínimo de felizardos que dá plausibilidade ao sistema. Eu vou para um culto com cinco mil pessoas. Aí, digo assim: “Aqui há cem pessoas que vão ofertar mil reais, porque um anjo me disse que, nesta semana, elas serão abençoadas”. Ora, num grupo de cinco mil, pela própria lógica, eu tenho três ou quatro pessoas que, de fato, vão conseguir algum tipo de sucesso de qualquer jeito – e isso, independente de ter ido ao culto ou não. É uma questão de estatística. Mas, esses três ou quatro, amanhã, vão dar testemunho e dizer no programa de TV que a vida deles mudou porque foram ao culto e participaram da oração forte etc e tal. Ora, quando eu pedir, semana que vem, mais R$ 1 mil para cem pessoas, será mais fácil ainda – afinal, vou ter resultados para mostrar. E mesmo para aqueles que deram e não receberam bênção nenhuma, há explicação: eles deram alguma brecha ao inimigo, ou não tiveram fé. Ou, então, não deram de bom grado, e, afinal de contas, Deus ama ao que dá com alegria. Ainda dá para transferir a culpa... Mas vamos chegar a um ponto em que as pessoas vão perceber que nada lhes acontece e acabar desistindo dessas apostas com Deus, não?E você acha que, um dia, as loterias vão acabar? Amanhã mesmo uma mega-sena dessas vai sortear 35 milhões de reais. O apostador não leva em conta que apenas uma única pessoa, ou algumas poucas, serão premiadas. Se um ganha, faz-se aquele alarde – então, o sujeito pensa “puxa vida, é a minha chance”. Por isso é que, quando as pessoas vão jogar na loteria, usam até uma terminologia religiosa. Elas dizem que vão fazer uma “fezinha”. A multidão vai na ilusão. Quando o pastor investe na mídia e leva lá pessoas que dão esses testemunhos, a ilusão é retroalimentada.A Igreja Evangélica no Brasil foi anunciada, de maneira ufanista, como o celeiro missionário do século 21. Hoje, como ela é vista no exterior?Eu acho que aquele furor missionário de 20, 30 anos atrás, acabou nos levando a uma situação perigosa. Houve uma febre missionária tão grande, que muita gente foi lançada ao campo sem o devido preparo missiológico. E isso trouxe problemas para o missionário, para a igreja que o enviou e, mais ainda, no campo. Eu lamento dizer que o testemunho de diversos missionários e pastores que foram do Brasil para o exterior é muito feio em países como Portugal. Hoje, a Igreja Evangélica portuguesa tornou-se refratária à presença missionária brasileira. Por quê? Por causa do transporte do legalismo evangélico brasileiro para a cultura de lá. Isso não existe. E, segundo, por causa desses modismos que aqui no Brasil são tolerados, mas que, na cultura européia, são vistos de maneira muito suspeita – esses shows de fé, essas demonstrações grandiloqüentes de suposto poder divino. E isso não é tudo. Estive na Índia recentemente e ouvi muitas queixas contra os crentes brasileiros. Há pastores daqui que vão para lá, fotografam grandes eventos promovidos pela Igreja indiana e voltam para cá dizendo que tudo foi promovido por eles. E ainda criam uma paranóia de perseguição que na verdade não existe. A Índia é um país democrático, pluralista. Eles criam dificuldades para vender facilidades aqui.A matriz teológica adotada aqui é americana. A crise de conteúdos que afeta a Igreja brasileira tem paralelo com a dos Estados Unidos?Não diria paralelo, porque a crise lá é de outra natureza. A Igreja Evangélica dos Estados Unidos está excessivamente ideologizada. Desde o advento da eleição do presidente George W.Bush, há quatro anos, a ideologia da direita republicana cooptou a Igreja Evangélica para o seu lado. Isso se tornou mais agudo ainda depois do 11 de Setembro. Houve um recrudescimento do ensimesmamento da Igreja. E os crentes têm lá um problema muito sério de etnocentrismo – eles dialogam muito pouco com outros setores da sociedade. A Igreja americana acredita no messianismo do presidente Bush. Hoje, existe um patrulhamento ideológico tão grande que, se um crente disser que não vota em George Bush, ele é execrado como um herege. A coisa é neste nível. [N. da redação: esta entrevista foi concedida antes da eleição presidencial nos EUA].Por que a Igreja americana alinhou-se ao governo Bush?A direita republicana nos EUA identificou que a Igreja Evangélica tem três grandes plataformas, três bandeiras conservadoras que ela faz questão de empunhar: oração nas escolas, batalha contra o aborto e, a mais recente, a luta contra o avanço do homossexualismo. Então, o Partido Republicano, muito espertamente, capitalizou o discurso de Bush em cima dessas coisas – e isso encanta, alucina o crente americano: ter um presidente que defende essas três bandeiras. Infelizmente, a Igreja lá tem deixado de lado outras bandeiras que deveria empunhar, como a defesa da justiça, dos direitos humanos ou a preservação do meio ambiente. O que nos inquieta é ver que os cristãos americanos não estão cobrando isso do presidente Bush. Não estão cobrando que ele assine o Protocolo de Quioto, um instrumento de defesa ambiental mundial que o atual governo ignorou. Não estão cobrando a mesma postura adotada no Iraque em relação, por exemplo, ao Haiti, que é um país a 300 quilômetros da Flórida e que está literalmente se esvaindo. Se o objetivo da operação no Iraque foi mesmo de depor um tirano e estabelecer uma democracia, levando ajuda humanitária, por que não faz isso também no Haiti? A falta de critérios é total. Não entendo como a Igreja se alia a um partido que defende o uso de armas, que é simpático à escalada armamentista dentro da própria população. Há pouco tempo, seu artigo Estou cansado, publicado na revista Ultimato, causou grande repercussão no segmento evangélico. O senhor está cansado da Igreja? Não, não! Eu não estou cansado da Igreja – pelo contrário, estou entusiasmado e esperançoso de que um novo tempo vai surgir para a Igreja Evangélica no Brasil. É óbvio que, no meio de uma situação de crise como a atual, a gente acaba ficando meio chateado e entristecido. Eu fiquei impressionado com a repercussão daquele artigo. Recebi milhares de mensagens. Há um clamor de crentes, pastores e líderes dizendo “chega!”

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