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sábado, 8 de outubro de 2011

Adão Cromossomo-Y e Eva Mitocondrial PARTE 01


Adão Cromossomo Y e Eva MitocondrialDurante mais de cem anos, e até duas décadas atrás, os fósseis foram os indiscutíveis protagonistas das pesquisas que tentam reconstruir o passado evolutivo da humanidade. Mas esse quadro mudou drasticamente graças ao extraordinário desenvolvimento da Biologia Molecular e da Genética, sobretudo desde que se conseguiu o mapeamento do DNA das células, a partir dos anos oitenta. Agora são os genes – atuais ou antigos – que reivindicam esse protagonismo, pois parece que é neles que se encontra a chave do nosso passado.
A filogenia molecular – o estudo da evolução biológica de uma espécie – encontrou uma vasta coleção de marcadores genéticos que estão abrindo perspectivas novas e muito promissoras. Os cientistas estão procurando a explicação sobre a origem e a posterior dispersão das linhagens moleculares, tentando “ler” a informação “escrita” no DNA mitocondrial das mulheres e no cromossomo Y dos homens, e também analisando as migrações humanas ocorridas desde as origens. Com esse pano de fundo, realizou-se em abril de 2001, no Museu da Ciência de Barcelona, um Simpósio que reuniu alguns dos mais importantes pesquisadores nesse campo.
NOSSA HISTÓRIA EVOLUTIVA, PRESENTE NOS GENES
No seu esforço por desvendar a história biológica do homem moderno, a ciência contemporânea obteve nos últimos anos diversos resultados que merecem uma atenção especial. Um desses resultados provém do exame dos genes contidos nas mitocôndrias (*) (no DNA mitocondrial, ou DNAmt) e que só se transmitem por via materna. A taxa de alteração por mutações no DNAmt é muito maior do que no DNA do núcleo das células, já que as mutações não se perdem nas recombinações das cópias dos genes que são transmitidos à descendência. Isso faz com que a seqüência de nucleotídeos do DNAmt, aliada à transmissão uniparental, proporcione uma informação muito valiosa para medir a divergência genética das populações humanas em função do tempo.
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(*) A mitocôndria é o organismo celular responsável principalmente pela geração de energia para a célula.
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A reconstrução da nossa história biológica a partir da análise dos genes das populações atuais baseia-se no fato de que pessoas diferentes têm versões diferentes do mesmo gene. Selecionando vários genes de pessoas oriundas de diferentes regiões geográficas, pode-se calcular o tempo transcorrido desde a sua diferenciação e, a partir desse resultado, reconstruir a genealogia da humanidade.
Se o Homem atual apareceu na África, como parecem indicar os dados disponíveis, então é de se esperar que as populações africanas apresentem uma heterogeneidade genética maior do que as de outras partes do mundo. Efetivamente, foi esse o resultado do estudo publicado em 1986 por Cann, Stoneking e Wilson, da Universidade de Berkley, Califórnia: um estudo que é considerado um dos grandes marcos da história da biologia evolutiva moderna.
Outra evidência provém dos estudos multidisciplinares dirigidos nos últimos anos por L. Cavalli Sforza, da Universidade de Stanford. Grande parte do seu trabalho esteve voltado para a correlação que existe entre a distribuição dos genes e a das línguas, nos ramos das diferentes árvores filogenéticas das principais etnias humanas: sem dúvida alguma, uma correlação surpreendente.
ÁFRICA: O BERÇO DA HUMANIDADE
A hipótese conhecida como “Eva mitocondrial” deu muito o que falar na comunidade científica, no fim dos anos oitenta, logo após a publicação do estudo feito por Wilson e sua equipe. Essa hipótese propunha que toda a humanidade descende de um tipo de mulher que viveu na África há 190.00 ou 200.000 anos atrás. Essa mulher seria logo chamada de “Eva Negra”. O estudo na verdade referia-se a uma população (portadora de um tipo de mitocôndria), e não a um indivíduo concreto, como às vezes a literatura científica parece sugerir.
Os resultados desse trabalho suscitaram uma forte polêmica desde que foram publicados pela revista Nature, em 1º de janeiro de 1987 <1>. Baseando-se na análise do DNA de 147 pessoas oriundas de diferentes regiões geográficas, os pesquisadores procuraram um modo de “ir puxando a linha genética”, por assim dizer, até chegar à primeira mulher, isto é: até à população feminina de Homo sapiens que teria legado suas mitocôndrias a todos os seres humanos atuais. No estudo prestou-se uma atenção especial às diferenças genéticas observadas entre os diferentes grupos humanos estudados. De fato, as amostras de DNAmt do grupo africano mostraram mais diferenças entre si do que as do grupo que reunia o resto das populações analisadas. Isso logo de início foi interpretado como uma clara evidência de que a população africana era a mais antiga de todas.
Wilson e seus colaboradores calcularam também o tempo transcorrido desde o suposto momento em que as diversas linhas de DNAmt começaram a separar-se. Os resultados converteram-se logo numa notícia-bomba: o homem moderno racialmente indiferenciado – foram as palavras utilizadas – apareceu há aproximadamente 200.000 anos, e somente na África. O certo é que desde então essa pesquisa vem sendo considerada como um dos mais sólidos fundamentos do modelo de dispersão africana (ou modelo “Arca de Noé”), segundo o qual todos os seres humanos atuais remontam-se a um tronco materno comum, de origem africana, no qual convergem todas as linhas de DNAmt.
Cálculos posteriores aos de Wilson indicaram que essa população de mulheres viveu na África há 150.000 anos. Essa nova datação parece estar mais de acordo com aquela que se atribui – a partir de registros fósseis – aos mais antigos restos do Homo sapiens. De fato, os fósseis humanos com características próximas ao homem atual encontrados no leste da África e na África do Sul, cuja idade estimada é de aproximadamente 120.000 anos, costumam ser citados como mais uma evidência a favor da monogênese africana.
AS MIL FILHAS DE EVA
É bem sabido que quase todos os pesquisadores das nossas origens adotam posturas decididamente neodarwinistas, isto é, poligenistas. Segundo a hipótese poligenista, a humanidade atual seria descendente de uma população mais ou menos numerosa de indivíduos, e não de um casal inicial, como afirmam os defensores do monogenismo. Francisco Ayala, pesquisador da Universidade da Califórnia em Irvine, diz que “as mulheres das quais supostamente descendemos eram em número não inferior a mil e nem superior a cinco mil” <2>. De qualquer forma, esse tipo de estimativas nada mais são do que suposições baseadas em cálculos estatísticos e em simulações em computadores, que talvez nada tenham a ver com o que realmente aconteceu. Tanto é assim, que muitos renomados poligenistas, entre os quais o próprio Ayala, admitem a possibilidade de um cenário diferente: “Teoricamente é possível que uma espécie descenda de uma só fêmea gestante” (La Vanguardia, 7-V-2001). O fato é que a Biologia atual considera possível a história de Adão e Eva (“o mito”, como se costuma dizer nos círculos poligenistas), isto é, a do casal que funda uma espécie. Isso na verdade já foi demonstrado em outras espécies. É o caso, por exemplo, das 600 variedades genéticas de moscas drosófilas atualmente existentes no Havaí, todas elas descendentes de uma única fêmea fecundada.
Os autores dos primeiros estudos sobre o DNAmt não interpretaram os seus resultados como provas científicas a favor do monogenismo: nem sequer sugeriram isso. Portanto, são no mínimo gratuitas certas afirmações, como as que apareceram em alguns jornais que cobriram o Simpósio de Barcelona. “Não é certo – dizia o título de uma das matérias – que toda a humanidade descenda de uma Eva negra que viveu na África há 150.000 anos” (La Vanguardia, 7-V-2001). Além de outros reparos, convém lembrar que hoje, graças à Genética, sabemos que a pigmentação da pele é um evento recente em nossa História evolutiva; sendo assim, é completamente irrelevante se a “Eva” da qual falam os cientistas era negra ou de outra cor. Por outro lado, tampouco se pode afirmar, a partir dos dados atualmente disponíveis, que a humanidade teve a sua mais remota origem numa única mulher.
Uma coisa é certa: apesar das várias explicações que já foram dadas no intuito de desvendar os possíveis mecanismos de especiação, os cientistas ainda continuam procurando respostas para essa questão, que continua sendo o problema central da biologia da evolução. Como nasce uma nova espécie? A pergunta torna-se ainda mais complicada quando se refere à nossa própria História evolutiva: Como nasce a espécie humana?
Do ponto de vista científico, não se pode negar a priori – e nem tampouco afirmar – que toda a humanidade descenda de um único casal, e que posteriormente (há 150.000 ou 200.000 anos atrás) já houvesse em solo africano vários milhares de descendentes (“Evas mitocondriais”) desse primeiro casal.
Em 1995, uma equipe de cientistas japoneses, dirigida por Satoshi Horai, tentou estabelecer a idade da Eva mitocondrial com maior precisão. Seus resultados, baseados também em numerosas análises do DNAmt, sugerem que essa mulher (ou população de mulheres) viveu na África há 143.000 anos. Estudos posteriores, realizados por essa mesma equipe, partiram da diversidade genética observada em trinta populações humanas de todo o mundo (incluindo a africana e a européia, entre outras) e revelaram uma boa concordância entre a diversidade genética e a distribuição geográfica de tais populações. Observou-se que, de fato, a maior diversidade genética (superior a 2%) ocorre nas populações africanas, e a menor (em torno de 1%) ocorre nas européias. Assim, a população africana teria começado a diferenciar-se antes do que as outras (européias, asiáticas, etc). Isso é um reforço adicional para a teoria que defende a origem africana da nossa espécie, e sua posterior dispersão a partir desse continente para o resto do planeta.
ANDANDO SOBRE UMA FINA CAMADA DE GELO
A datação dos eventos evolutivos que os cientistas procuram fazer partindo do material genético é, sem dúvida, um dos objetivos mais complicados desse tipo de trabalhos. Em 1987, Wilson e sua equipe calcularam para a Eva mitocondrial uma idade entre 190.000 e 200.000 anos. Oito anos depois, Horai lhe atribui uma idade de 143.000 anos. Outros, como Francisco Ayala, falam atualmente de uma “população ancestral” que teria vivido na África entre 100.000 e 200.000 anos atrás. Por sua vez, Luca Cavalli Sforza, da Universidade de Stanford, estima a idade dessa mesma população entre 100.000 e 170.000 anos. Não há dúvida de que andamos sobre um terreno escorregadio, onde até agora não houve consenso entre os cientistas.
As diferenças de calibragem temporal acerca das nossas origens semeiam dúvidas (como era de se esperar) quanto à validade dos métodos empregados pelos cientistas, e ao mesmo tempo evidenciam as limitações à que estão submetidos em seu trabalho. Antes de mais nada, o método do carbono 14 – que hoje em dia é o mais aplicado em fósseis – passa a ser pouco confiável quando se vai além dos 35.000 ou 40.000 anos de idade. Sendo assim, os “detetives” que investigam os rastros do nosso passado são obrigados a empregar outros métodos de datação, menos precisos que os radiométricos. Tenha-se em conta, além disso, que os geneticistas que usam o método das mutações do DNAmt aceitam como margem de erro um desvio-padrão de 20%. Desse modo, a datação de Horai para a Eva mitocondrial (143.000 anos) estaria na verdade dentro de um intervalo entre 115.000 anos e 170.000 anos, aproximadamente. Nesse campo, como observou Ayala, o nível de incerteza nas estimativas de data é muito alto.
Alguns cientistas opinam que a confiabilidade das calibragens de tempo baseadas nos “relógios moleculares” deve ser, no mínimo, bastante matizada. Os cálculos estatísticos que alguns geneticistas fazem baseiam-se, de fato, em suposições que não passam de simples conjecturas. Pode não ser correta, por exemplo, a suposição de que a taxa ou o ritmo das mutações é constante ao longo do tempo, uma vez que já se sabe que em muitos casos não é.
As simulações por computador e os cálculos estatísticos trazem, além disso, outra dificuldade: não levam em conta que algumas mutações podem não ter ocorrido em todas as diferentes populações; sua ocorrência no entanto deve ser suposta, com toda a margem de incerteza que isso implica. Francisco Ayala referia-se a isso ao afirmar: “o que fazemos em biologia molecular é fictício, mas é o melhor que podemos fazer para tentar responder a perguntas que nós mesmos formulamos”. São portanto bastante razoáveis os apelos à cautela feitos por muitos cientistas, os quais dizem ser necessário ter “uma mente aberta aos novos avanços da paleontologia, pois sem essa âncora (a que os fósseis proporcionam) poderíamos estar como quem navega num mar sem fundo, ou anda sobre uma fina camada de gelo” <3>.

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