Por
Pe. Juan Carlos Sack.
Traduzido
por Carlos Martins Nabeto, o original em Espanhol do site
Apologetica.org.
Os "primeiros
cristãos", os "reformadores protestantes" e os "modernos evangélicos" diante das
palavras de Jesus sobre a Eucaristia...
-
"O Corpo e o Sangue do Senhor deveriam experimentar um contínuo aumento de massa
à medida que, por tantos séculos, todos os dias, se tem 'transubstanciado' pão e
vinho" (Jetônio, evangélico).
-
"Quanto ao fato de [o Corpo de Cristo] estar em um lugar [ou vários ao mesmo
tempo, nas hóstias consagradas], já vos disse antes e vos intimo: não quero nada
de matemáticas!" (Martinho Lutero).
INTRODUÇÃO[0]
O
presente trabalho tem por finalidade aproximar o leitor de fala portuguesa dos
textos patrísticos mais importantes, bem como dos textos de outros escritores
eclesiásticos antigos, sobre o modo da presença de Jesus Cristo na Eucaristia
(real, simbólico, virtual, dinâmico etc.). Foram acrescentados também os textos
de alguns "reformadores" do século XVI.
Os
textos de alguns "modernos evangélicos" são aqui expostos para compará-los com o
pensamento da Igreja do primeiro milênio e com o pensamento dos "reformadores"
protestantes.
Neste
artigo não tratamos diretamente dos textos bíblicos sobre a Eucaristia. Para
estes, remetemos aos artigos publicados em outros pontos deste Site.
(...)
O
que motivou este trabalho foi o surgimento na Internet de artigos que não apenas
negam a realidade da presença de Jesus Cristo na Eucaristia, como também se
atrevem a ironizá-la. Neste artigo esses autores - e também os nossos leitores -
descobrirão se as suas palavras e doutrinas se assemelham àquelas dos antigos
cristãos e até mesmo dos hereges de todos os tempos. É importante perceber
nitidamente que a Igreja [Católica] não nasceu ontem; esquecer a História da
Igreja é negar, na prática, a ação do Espírito Santo nestes últimos 2000
anos.
Com
efeito, visto que estes "cristãos evangélicos" se aproximam das Escrituras "sem
a mediação de tradições humanas" - segundo nos afirmam com notável insistência -
o resultado inevitável é que cada geração de "evangélicos" deve recomeçar sua
interpretação das Escrituras, como se eles fossem os primeiros a descobrir as
dificuldades apresentadas pela Revelação e o texto bíblico, ou como se fossem os
únicos capazes de interpretar as Escrituras "mediante uma exegese adequada".
Deste modo, obtém-se uma situação que, em qualquer outra área do saber humano,
se tornaria a maior das negligências, isto é: os problemas, questões e soluções
que foram feitos e fixados sobre o Evangelho no decorrer dos séculos tornam a
ser tratados como se nunca ninguém os tivessem considerado antes[1].
Sobre
a doutrina eucarística, os exemplos são numerosos. O discurso de Jesus em João
6, as palavras de instituição nos Sinóticos e nos testemunhos de Paulo, cuja
misteriosa realidade impactou a Igreja de Deus desde sempre e provocou tanta
aversão entre os inimigos da Igreja, são agora tratados pelos modernos
opositores do mistério eucarístico como nunca ninguém tivesse lido as Escrituras
antes deles. E querem desde logo que a Igreja, ou pelo menos os católicos menos
instruídos, aceitem essas novas interpretações, que depois certamente terão que
abandonar para aceitar as próximas novidades interpretativas do "evangélico"
seguinte que decida estudar os textos bíblicos como se fosse o primeiro a
concluir e se convencer de que a sua interpretação é a autêntica "exegese
adequada"[2].
Diante
desta realidade, pareceu-me oportuno apresentar ao leitor o que outras pessoas
pensaram e ensinaram acerca da Eucaristia, pessoas estas que conheciam as
Escrituras muito melhor que qualquer um destes "evangélicos", e que foram tidos
em vida - e também depois de falecidos - como autênticos discípulos de Cristo,
estando muito mais próximos da Igreja Apostólica e possuindo o Espírito Santo
tanto ou até mais que qualquer um dos que hoje se apresentam quase que como Sua
atual personificação.
Citarei
em primeiro lugar algumas expressões que o leitor pode encontrar nesses sites
"evangélicos" e, a seguir, proporei os textos patrísticos e dos "reformadores"
do século XVI: a contraposição de textos falará por si mesma. Apresentarei
também os textos patrísticos que são extraídos desses Sites "evangélicos" como
"simbólicos", por serem lidos fora do contexto e sem o conhecimento das
circunstâncias.
OS
"CRISTÃOS EVANGÉLICOS"
Usarei
textos do Site "evangélico" Conoceréis la Verdade, pertencente à denominação
cristã evangélica batista. Há na Internet (...) outros artigos
anti-eucarísticos, mas este Site batista apresenta as objeções mais comuns neste
sentido. Aí é possível encontrar as seguintes doutrinas sobre a
Eucaristia:
-
"O Cristianismo evangélico afirma que [a Eucaristia] é apenas uma comemoração do
momento em que Jesus representa o sentido de Seu sacrifício expiatório aos Seus
discípulos. Por consequência, por ser uma 'recordação', o resultado é que o pão
continua sendo pão e o vinho continua sendo vinho"[3].
-
"E o comer Seu corpo físico seria canibalismo, um ato que Ele não aprovaria e
muito menos recomendaria"[4].
Comentando
as palavras de Jesus na Última Ceia, diz também:
-
"Ninguém poderia ter interpretado literalmente essa declaração, pois Ele estava
ali sentado, em seu corpo físico, e sujeitando o pão em suas mãos. É óbvio que o
pão era simbólico".
E
ainda:
-
"Podemos estar seguros de que nenhum dos discípulos de Cristo imaginou que o pão
por Ele sustentado era Seu corpo literal. Que isto fosse o Seu corpo literal e,
ao mesmo tempo, Cristo estar ali em seu corpo literal era impossível. Tal
fantasia não ingressou na mente dos presentes e não foi inventada a não ser
muito tempo depois. Certamente as palavras de Cristo não comunicaram tal coisa,
nem temos qualquer razão para crer que os discípulos derivaram delas semelhante
significado. Foi o Papa Pio III quem fez do 'sacrifício' da Missa um dogma
oficial em 1215"[5].
Se
lê também nesse Site expressões ofensivas e descaradas, como uma que afirma que
a Eucaristia, como presença real de Jesus Cristo, seria parte de um "truque"
para manter os católicos na Igreja, visto que fora da Igreja - conforme ensina a
doutrina católica - não há celebração eucarística válida e, portanto, não há
jeito de se receber o Corpo salvífico do Senhor a não ser participando das
celebrações católicas: "O truque está aí", conclui o apologista batista.
Assim,
ou seja, pela doutrina eucarística, "o Catolicismo está separado, por um abismo
intransponível, de todas as outras religiões e, especialmente, do Cristianismo
evangélico".
Em
um artigo sobre a Ceia do Senhor assinado por Guillermo Hernández Agüero,
publicado no Site "Conoceréis la Verdad", se faz uma fugaz referência ao que
"alguns Padres patrísticos" ensinam acerca do pão eucarístico. Não me causa
espanto a magra apresentação "patrística" que ali se faz: uma das notas
características do evangelismo fundamentalista é precisamente a atitude sectária
de rejeitar na prática - e frequentemente também na teoria - a experiência e o
pensamento dos cristãos, mártires e santos, pastores e simples fiéis que viveram
antes de nós, sem excluir aquelas que são testemunhas valiosas da Igreja
Apostólica e Pós-Apostólica.
Digo
"magra apresentação patrística" porque esse artigo traz só 2 (duas) citações dos
"Padres patrísticos" para ilustrar aos (desprevenidos) leitores do Site
batista:
-
"Podemos nos aprofundar mais nos Padres, mas nosso tema neste caso é sobre a
Santa Ceia[6]. No entanto, há alguns Padres que podem nos dizer algo sobre o
nosso tema[7]: 'Cristo, tendo tomado o pão e o tendo distribuído aos seus
discípulos, o tornou seu corpo, dizendo: «Este é meu corpo», isto é, «a figura
do meu corpo»' (Tertuliano, Contra Marcião 4:40). Tertuliano nos dá a entender
que não ocorre uma transubstanciação com o pão; ao contrário, nos ensina que
isso é símbolo. 'O pão, depois da consagração, é digno de ser chamado «Corpo do
Senhor», ainda que a natureza de pão permaneça nele' (Crisóstomo, Epístola a
Cesarium)[8]. O interessante disto tudo, é que nem nos próprios Padres existe
uma clareza sobre a Santa Ceia e menos ainda sobre a transubstanciação".
Estas
duas citações de dois Padres é todo o material patrístico que pode ser
encontrado nos artigos "eucarísticos" do Site "Conoceréis la Verdad". O leitor
entenderá o porquê quando terminar de ler a presente [série de]
artigo[s].
Hernández
Agüero, depois de tentar desvirtuar o testemunho geral dos Padres (para que
prevaleça o seu próprio testemunho, como é óbvio, e que ele afirmará ser "o que
ensina a Bíblia"), pretende que seus leitores saibam "algo" do que "alguns
Padres podem nos dizer acerca do nosso tema", mas suas duas citações
dificilmente podem ser tidas seriamente como "algo", bem como seus dois Padres
apenas podem cumprir o requisito mínimo para que se possa dizer "alguns
Padres".
Pergunto
então: pela mente destes "evangélicos", o que terá ocorrido com o mar de
citações onde podemos ver os "Padres patrísticos" ensinarem a doutrina da
presença real? Não conhecem elas? Não querem conhecê-las? Não interessa para
eles mostrar o que a Igreja pensava nos primeiros séculos? Pois se eles conhecem
essas citações, estaríamos diante de uma desonestidade intelectual bastante
grosseira. Mas, se pelo contrário, não as conhecem, por que falam do que não
sabem, dando aos seus leitores uma visão totalmente falsa da realidade
patrística? Bem além do palavreado de Hernández Agüero, em seu artigo o leitor
não poderá encontrar virtualmente nada do que os "Padres patrísticos" ensinaram
sobre esta matéria. Seja qual for a intenção desta indouta docência
"evangélica", a abandonamos ao juízo de Deus...
A
seguir, percorrermos a História da Igreja em seus melhores expoentes - os Santos
Padres, os grandes escritores e testemunhas da Fé antiga - de modo que o leitor
poderá depois reconhecer qual é a doutrina que está separada "por um abismo
intransponível" do que a Igreja ininterruptamente crê desde as suas origens[9].
Apresentaremos também o que os Pais do Protestantismo ensinavam acerca desse
tema. E para o benefício do leitor, acrescentaremos ainda uma breve resenha
biográfica dos autores citados, que será mais detalhada naqueles mais antigos e
mais resumida à medida que formos avançando nos séculos.
-----
NOTAS:
[0]
Trabalho dedicado a Silvana, Adrián, Carlos e Pablo, José Luis e Claudio, que ou
já regressaram ao lar (=a Igreja Católica), ou então já estão a caminho...
Perseverança! OBS.: [A] Os comentários que aqui são feitos têm por finalidade
esclarecer o contexto histórico das citações ou ressaltar algum aspecto
importante. As citações bíblicas que aparecem nos textos entre colchetes ou
parêntesis são sempre acréscimos; o que segue entre colchetes nos textos
patrísticos ou de outros autores são acréscimos feitos para se compreender o
contexto. [B] O artigo [completo] contém textos de 80 autores patrísticos e
ainda alguns outros. (...)
[1]
Devemos, no entanto, matizar esta afirmação, já que na verdade ninguém consegue
se libertar de toda espécie de tradição na hora de ler as Escrituras, de modo
que até os "evangélicos" "mais bíblicos" receberam, juntamente com as
Escrituras, uma certa chave de interpretação. Tendo deixado isto bem claro,
também é correto o que afirmamos, a saber: as correntes "evangélicas"
fundamentalistas pretendem fazer uma leitura das Escrituras ignorando tudo o que
os outros cristãos antes deles pensaram sobre as mesmas; costumam a chamar isso
de "leitura sem preconceitos".
[2]
A expressão "exegese adequada" aplicada aos textos eucarísticos encontra-se pelo
menos no Site "Conoceréis la Verdad", onde se afirma, no artigo "A Teoria da
Transubstanciação", que o crente deveria rejeitar a interpretação da Igreja
Católica baseado no "senso comum" e numa "exegese adequada". Resta averiguar com
base em quê se poderia chamar "adequada" a exegese desse Site e "não adequada"
ou "falta de senso comum" à exegese de Justino [de Roma] e Inácio de Antioquia
(séculos I e II), ou a de Agostinho [de Hipona] e João Crisóstomo (séculos IV e
V), ou a de Tomás de Aquinho (século XIII), para mencionar apenas alguns.
[3]
O autor dessas linhas se apresenta tacitamente como o porta voz do Cristianismo
evangélico... Pode então ser comparado, por exemplo, com o que Lutero pensava
sobre este tema (ver mais adiante, nesta série de artigos).
[4]
As acusações de canibalismo, repetidas aqui pelo "evangélico" batista, não são
senão repetição das mesmas acusações feitas pelos pagãos anticristãos dos dois
primeiros séculos. Uma coincidência que não deixa de causar surpresa!
[5]
A presença real de Cristo na Eucaristia e o aspecto sacrificial da celebração,
ainda que intimamente ligadas, são dois aspectos diferentes do mistério
eucarístico, que o autor batista aqui confunde. Quão errônea é a afirmação
segundo a qual a interpretação realista das palavras da Última Ceia são tão
tardias quanto o século XIII poder-se-á comprovar ao longo [desta série de
artigos]. Além disso, o que é de 1215 (ou mais exatamente 1202) é o surgimento
da palavra "transubstanciação" em um documento da Igreja. E, finalmente, o Papa
Pio III reinou em 1503 e não em 1215. Logo, o Papa em questão é, na verdade,
Inocêncio III.
[6]
O que até aqui Hernández Agüere fez em seu artigo não foi "aprofundar" nos
Padres, mas tentar desautorizá-los por suas supostas "contradições".
[7]
Há "alguns Padres que podem nos dizer algo sobre o nosso tema" - diz Hernández,
citando [só] DOIS Padres. Espero que após ler este artigo, o sr. Hernández
Agüero possa encontrar mais alguns que possam nos "dizer algo" sobre o nosso
tema.
[8]
Retornaremos a estas citações de Tertuliano posteriormente.
[9]
Uma coleção mais ampla de textos em espanhol encontramos em "A Presença Real de
Cristo na Eucaristia", de José A. de Aldama, Edicep, Valência, 1993; empregarei
este livro em muitas citações. [Em inglês, temos] também "The Faith of the Early
Fathers", em 3 volumes, de William A. Jurgens. A melhor coleção em espanhol é,
sem dúvida, "Textos Eucarísticos Primitivos", do Pe. Jesús Solano (sj), em 2
volumes. Uma coleção mais simples, porém com muitíssimo material apologético,
temos em "Bíblia y Eucaristia", de Ernesto Bravo (sj). O fato totalmente
indiscutível é que qualquer cristão que queira saber o que ensinaram antes de
nós todos os melhores líderes do Cristianismo primitivo acerca da presença de
Cristo na Eucaristia terá que recorrer à literatura católica. Por que
será?
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