Em
síntese: Os valdenses têm por fundador um certo Pedro Valdo, que no fim do
século XII começou a pregar o Evangelho na França, juntamente com companheiros
chamados "os pobres de Lião". Apregoavam a pobreza, mas careciam do devido
preparo para pregar o Evangelho. Tendo resistido a admoestação do Bispo de Lião,
foram excomungados. Tornaram-se aos poucos uma corrente herética, que acabou
desligando-se da Igreja Católica. No século XVI aderiram à Reforma calvinista.
Hoje em dia são um ramo do protestantismo existente na Itália.
* * *
Os protestantes
apontam os valdenses como precursores da Reforma do século XVI, precursores que
tiveram origem no século XII. Vamos, pois, procurar definir a identidade dos
valdenses.
1. Pedro Valdo
e sua história
O nome Valdo se
deriva provavelmente de Vaux―Milieu, aldeia dos arredores de Lião (França), onde
Valdo nasceu.
Entrou na vida
pública entre 1170 e 1176. Em 1173 houve fome na região; isto parece ter
impressionado Valdo, assim como a história de Santo Aleixo, que se fez
voluntariamente pobre. Em consequência, Valdo resolveu viver como pobre após ter
dado tudo o que tinha aos pobres. Seu exemplo suscitou numerosos seguidores, que
assim formaram a comunidade dita "dos pobres de Lião". Além de viver em pobreza,
esses irmãos queriam pregar o Evangelho, enfatizando a pobreza. Em vista disto,
Valdo mandou traduzir para a linguagem da época os Evangelhos e outros livros do
Novo Testamento. Os irmãos, porém, não haviam sido preparados para pregar; a
autoridade eclesiástica então proibiu-lhes o exercício da pregação; em vão,
porém. Em 1179 Valdo foi a Roma, onde participou do Concílio do Latrão III, por
ocasião do qual o Papa Alexandre III deu sua aprovação ao gênero de vida dos
pobres de Lião, mas manteve a proibição de pregarem sem a autorização do Bispo
diocesano.
De volta a Lião,
Valdo continuou a pregar à revelia do Bispo local, criticando os costumes da
época nem sempre com a objetividade devida. Dada a insistência dos pobres de
Lião, o Bispo local os apresentou ao Papa Lúcio III, que lançou sobre eles a
excomunhão no Concílio de Verona em 1184.
Os valdenses não
se deixaram impressionar pela censura assim infligida; foram-se alastrando pelas
províncias da França e pelos países vizinhos a este, apesar da repressão cada
vez mais severa da autoridade eclesiástica. O povo os chamava "insabbatati" e
"sandaliati", porque usavam sandálias em sinal de pobreza; eram sandálias ou
tamancos de madeira ou de couro calçados sem meias e atadas aos pés mediante
cordões em forma de cruz; tal uso era tão estimado que se lhe atribuía valor
supersticioso. Esses irmãos proferiam votos de castidade e de obediência aos
superiores.
Separando—se da
Igreja Católica, os valdenses foram aos poucos cedendo a heresia. Renovavam de
certo modo o Donatismo dos séculos IV e V, segundo o qual a validade dos
sacramentos depende da santidade do ministro que os confere; é assim posta de
lado a ideia de que é Cristo quem confere os sacramentos por meio de criaturas,
que são meros instrumentos ou canais (e não fontes) da graça divina. Os
valdenses, porém, foram além das concepções donatistas, pois afirmavam que, para
a eficácia dos sacramentos, bastava a santidade do ministro, independentemente
de ter sido ordenado ou não. Em consequência, Valdo e seus sucessores na chefia
do movimento atribuíam a si as faculdades próprias dos Bispos.
Os valdenses
passaram a professar ainda outros artigos de fé e moral que os foram
caracterizando como dissidentes do Catolicismo; assim a recusa de sufrágios
pelos falecidos, proibição do serviço militar, rejeição da obediência às
autoridades eclesiásticas sob a alegação de que estas não viviam como os
Apóstolos, repudio de qualquer forma de juramento, a mentira considerada sempre
como pecado grave, direito dos leigos (homens e mulheres) de pregar, abolição do
sacerdócio ministerial ou ordenado... Os valdenses se tornaram hostis à Igreja
Católica, arrogando a si o título de verdadeira Igreja de Cristo; atribuíam
valor especial à oração silenciosa realizada fora da Igreja.
Dada a repressão
que O Catolicismo lhes opôs, foram desaparecendo. Todavia no século XVI os
sobreviventes filiaram-se ao Calvinismo, do qual foram considerados um apêndice.
Atualmente representam o Protestantismo na Itália, tendo uma Faculdade de
Teologia em Roma. Não exercem hostilidade contra a Igreja Católica.
2.
Comentando
Sejam propostos
os três seguintes pontos:
2.1. O auge
do prestígio
A Igreja atingiu
o auge do seu prestígio no plano temporal sob o pontificado de Inocêncio III
(1198-1216), que era tido como o Representante do Rei dos Reis. Valdo viveu numa
época em que se dava a ascensão desse prestigio perante os soberanos cristãos
deste mundo. Essa ascensão assustava muitos fiéis piedosos, que, ao lado dos
valores, viam contra-valores nesse poderio da Igreja. Daí a reação de alguns
indivíduos e grupos contra o fausto da face visível da Igreja; Pedro Valdo é uma
das expressões desse "susto". São Francisco de Assis o foi no início do século
XIII, com a diferença porém de que Francisco guardou fidelidade à Igreja, ao
passo que os valdenses romperam com ela. O movimento franciscano não travou
polêmica contra a autoridade da Igreja, mas ao contrário edificou a Igreja,
acompanhado pelos frades ditos "mendicantes" dominicanos, carmelitas e
agostinianos.
2.2.
Subjetivismo e Objetivismo
O movimento
valdense está no despontar da tendência subjetivista que culminaria no século
XVI com Lutero e Calvino. O subjetivismo, no caso, consiste em admitir que a
eficácia dos sacramentos depende da santidade do ministro e não da santidade de
Cristo, que continua a exercer seu sacerdócio mediante o instrumento humano que
é o ministro ordenado. A Igreja é assim reduzida a uma sociedade meramente
humana cujo valor depende tão somente do valor dos homens que a compõem. Bem
diversa é a doutrina católica; esta ensina que na Igreja existe uma santidade
objetiva, que não depende dos homens, pois é o próprio Cristo que, como Cabeça,
vivifica o Corpo da Igreja (cf. Colossenses 1,24) ou, como Tronco de Videira;
vivifica os seus ramos (cf. João 15,1-5). Os sacramentos são válidos
independentemente da santidade do ministro, pois é Cristo quem os aplica desde
que o ministro tenha a intenção de fazer o que Cristo faz e se sirva da matéria
e da forma do sacramento respectivo.
Segundo a
doutrina católica, a Igreja é o sacramento que continua a realidade do
sacramento Jesus Cristo (Deus feito Homem vivendo na Igreja divina e humana). O
sacramento da Igreja atinge cada ser humano mediante os sete ritos comumente
ditos "os sete sacramentos". Esta concepção é central no Cristianismo e é o que
o diferencia de qualquer outro movimento religioso. É para desejar que o
Protestantismo recupere essa noção de Igreja, removendo o subjetivismo dos seus
"fundadores de igrejas". [...]
2.3. O uso
das Escrituras
Deve-se
reconhecer que a face humana da Igreja necessita de permanente revisão, pois a
rotina leva a esquecer valores essenciais. Os "Pobres" dos séculos XII e XIII
compreenderam essa necessidade e quiseram alguns (os valdenses especialmente)
dar-lhe remédio mediante a difusão da Bíblia interpretada por irmãos
entusiastas, mas despreparados; tal despreparo pode produzir grandes males,
pois, o pregador apresenta como doutrina bíblica o que ele subjetivamente
imagina. Isto explica as restrições da Igreja medieval ao uso indiscriminado da
Sagrada Escritura. Semelhantes males ocorrem em nossos dias em virtude da
interpretação subjetiva do Texto Sagrado. Há quem anuncie o fim do mundo para os
próximos tempos, ou um reino milenar de Cristo, ou ainda discos voadores e ETS
descritos pelos Profetas...
A repressão aos
valdenses foi violenta conforme os costumes da época. Está hoje em dia superada
pelo dialogo ecumênico.
Em síntese: ao
movimento de Pedro Valdo se opõe o de Francisco de Assis, fecundo em bons frutos
porque não perdeu o contato com o Tronco de Videira ou com a Cabeça do Corpo da
Igreja.
- Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 528, págs. 274-277, junho/2006.
- Fonte Eletrônica;
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