A "questão das indulgências" foi mero pretexto para a revolta. Vários anos antes, Lutero já defendia e propagava idéias abertamente heréticas. Por detrás da questão das indulgências estava a negação de vários outros pontos doutrinários.
Pretexto - A Igreja Católica encontrava-se em uma fase de decadência. Os abusos proliferavam. A venda de cargos eclesiásticos, a vida de luxo em que vivia o alto clero, a corrupção de muitos prelados escandalizavam os fiéis. A reforma foi uma reação contra este estado de coisas, com o objetivo de restaurar a Igreja e restabelecer a sua simplicidade primitiva.
Refutação - Descontados todos os exageros apresentados por certos livros de História, lamentavelmente havia na época muitos abusos, e era grande a decadência dos costumes eclesiásticos. A par, aliás, de muita virtude e muita santidade. Entretanto, os historiadores modernos reconhecem que isto não foi verdadeiramente a causa da revolução protestante.
A verdadeira reforma católica, e que corrigiu verdadeiramente os abusos existentes, teve início antes de Lutero começar a difundir os seus erros. Portanto, quando explodiu a Pseudo-reforma, as condições da Igreja haviam melhorado sensivelmente. Os verdadeiros reformadores católicos já haviam iniciado a sua obra regeneradora.
Ademais, a vida corrupta de Lutero e de outros falsos reformadores desmente essa alegação, pois de fato eles contribuíram para aumentar a decadência dos costumes, permitindo a introdução do divórcio e até autorizando a bigamia, além de abolir o celibato eclesiástico.
Finalmente, o que os protestantes atacavam não eram os eventuais abusos, mas a própria instituição hierárquica do clero e o que a doutrina católica tinha de mais essencial. A doutrina de Lutero mostra bem que ele pregava uma nova religião, e não uma reforma na Igreja Católica.
Pretexto - A Bíblia, palavra de Deus, era desconhecida dos fiéis. Os padres escondiam a Bíblia, para impor ao povo simples uma religião que não correspondia aos verdadeiros ensinamentos de Cristo, e assim conservar os seus privilégios pessoais.
Refutação - Em qualquer época histórica, a Igreja recomenda aos fiéis cautela na leitura da Bíblia, dada a grande dificuldade de interpretação de certos textos.
Isto entretanto não significa que naquela época os fiéis não pudessem ler os Livros Sagrados. Muito antes de Lutero, com o desenvolvimento da imprensa, a Bíblia era largamente difundida pelos vários países da Europa. Desde o aparecimento da imprensa até 1520, surgiram 156 edições da Bíblia am latim. Para atender ao público que não entendia o latim, foram feitas numerosas traduções para a língua vernácula. Entre 1466 e 1520 surgiram 22 edições da Bíblia traduzida para o alemão. A primeira tradução italiana surgiu em 1471; a holandesa em 1477; a francesa em 1487; e a espanhola em 1485. A tiragem de cada edição variava de 250 a 1600 exemplares.
Portanto, a afirmação de que foram os protestantes que possibilitaram ao povo a leitura da Bíblia não passa de uma das muitas invenções criadas pelo ódio à Igreja Católica, sem qualquer fundamento histórico.
Pretexto - A Religião, como aliás toda a sociedade humana, é fruto da economia. As grandes transformações econômicas do século XVI tiveram grandes repercussões no terreno religioso, dando origem à reforma protestante.
Refutação - Essa tese corresponde à interpretação marxista da História. O materialismo histórico é que coloca a economia como sendo o eixo em torno do qual giram os acontecimentos humanos.
Se esta tese fosse verdadeira, a reforma protestante deveria ter estourado na Itália, que era sem dúvida a mais "avançada" região européia da época. A Itália prosperava enormemente, e seus homens de negócio manobravam grande parte da economia de então. Basta lembrar o exemplo dos Médicis, para se ter uma idéia do desenvolvimento econômico da Península. A burguesia italiana era uma das mais prósperas e importantes do século XVI. Pelo contrário, a revolução protestante encontrou seus primeiros sucessos na Alemanha, menos desenvolvida economicamente naquele tempo.
Convém lembrar ainda que os grandes homens de negócio, os que manobravam as grandes fortunas, até o século XVII eram em sua maioria católicos.
Pretexto - A reforma foi uma conseqüência da ambição dos príncipes alemães, que queriam apoderar-se dos bens da Igreja e subtrair-se à autoridade do Imperador.
Refutação - É certo que a ambição dos príncipes alemães contribuiu poderosamente para a consolidação e expansão do protestantismo, como também é certo que alguns deles procuraram tirar vantagens políticas e econômicas da luta religiosa. Mas é historicamente certo também que a maioria dos príncipes que apoiaram Lutero agiu por razões religiosas.
Além disso, a posição dos príncipes que apoiavam a revolução protestante não era tão cômoda como parece. Na Alemanha, por exemplo, os príncipes protestantes tiveram que travar uma guerra prolongada com o Imperador Carlos V. Portanto, apoiar os protestantes não era tão vantajoso assim. Inclusive corriam o risco de perderem os próprios bens, em caso de derrota.
Por outro lado, houve na mesma época príncipes católicos que, apesar de perseguir os protestantes, também confiscaram bens eclesiásticos, como foi o caso do Rei Francisco I, da França.
Pretexto - O protestantismo foi fruto da revolta das classes humildes contra as oligarquias eclesiásticas e civis dominantes na época.
Refutação - Esta tese pode ser refutada apenas pela demonstração de que havia protestantes em todas as classes sociais, desde os camponeses até a mais alta nobreza. A parte mais propulsora do protestantismo era precisamente a formada pelo alto clero, alta burguesia e alta nobreza. Basta citar o exemplo da Inglaterra, em que o Rei Henrique VIII, com o apoio do episcopado e da nobreza, levou toda a nação à apostasia.
Pretexto - O Papa Leão X, com o objetivo de conseguir dinheiro para a construção da Basílica de São Pedro, iludia o povo ignorante com a venda de indulgências. Lutero revoltou-se contra isso e procurou esclarecer o povo. Em conseqüência, foi excomungado e expulso da Igreja.
Refutação - Indulgência, no sentido mais amplo da palavra, significa perdão da culpa ou pena merecida. Em linguagem teológica tem sentido mais restrito, e significa o perdão da pena que se deveria sofrer no Purgatório pelos pecados já cometidos, e já perdoados quanto á culpa.
Deus, ao perdoar os pecados, pode reservar-lhe certa pena ou castigo a sofrer no Purgatório. Para evitar essa pena, temos dois modos: um é praticar boas obras na graça de Deus; o outro é alcançar indulgências. Por estas, a autoridade eclesiástica perdoa-nos no todo ou em parte essa pena, aplicando em nosso favor as satisfações de Cristo e dos santos.
Para lucrar as indulgências, além dos requisitos que prescreve quem as concede, é necessário estar na graça de Deus. A doutrina das indulgências sempre foi aceita e posta em prática na Igreja.
O Papa Leão X, para conseguir fundos para a construção da Basílica de São Pedro, concedeu uma indulgência plenária a quem, estando nas disposições necessárias para lucrar a indulgência, entregasse uma esmola para esse fim. Lutero, que não admitia a necessidade da cooperação do homem na obra da salvação, não aceitava a doutrina da Igreja sobre as indulgências. Pode ter havido abusos, mas foi contra a própria doutrina católica a respeito desse ponto que Lutero se revoltou.
Aliás, a "questão das indulgências" foi mero pretexto para a revolta. Vários anos antes, Lutero já defendia e propagava idéias abertamente heréticas. Por detrás da questão das indulgências estava a negação de vários outros pontos doutrinários.
Fonte: Revolução e Contra-revolução
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