Concluindo neste excerto o tema "É bíblica a missa?" trato do tema da ritualidade litúrgica. Posto aqui um pequeno texto de um artigo que escrevi e que já postei neste mesmo blog. A despeito da acusação Protestante Pentecostal e Neopentecostal de que o rito é tão-somente a caracterização das vãs repetições condenadas por Jesus (cf. Mt 6,7), reitero: se assim o fosse Jesus não teria usado ele mesmo o rito pascal para a ceia que celebrou com os Apóstolos (uma vez que ele celebrara com os apóstolos a ceia pascal conforme o rito judaico!); os evangelhos sinóticos e São Paulo não reportariam a eucaristia como um rito tal qual ali se encontra (como exaustivamente explorado na Parte I) e, por fim, Jesus não teria ensinado uma oração, o Pai-Nosso, para ser repetida pelos seus.
O que é o rito?
Muitos há que acham a Santa Missa, por exemplo, tediosa. Um poema de Adélia Prado intitulado “Missa das 10” nos dá uma idéia:
Frei Jácomo prega e ninguém entende.
Mas fala com piedade, para ele mesmo
e tem mania de orar pelos paroquianos.
As mulheres que depois vão aos clubes,
os moços ricos de costumes piedosos,
os homens que prevaricam um pouco em seus negócios
gostam todos de assistir a missa de frei Jácomo,
povoada de exemplos, de vida de santos,
da certeza marota de que ao final de tudo
urna confissão "in extremis" garantirá o paraíso.
Ninguém vê o Cordeiro degolado na mesa,
o sangue sobre as toalhas,
seu lancinante grito,
ninguém.
Nem frei Jácomo.
Ao nos depararmos com a beleza dos ritos na Liturgia, seu fulcro exatamente transcendente e ao mesmo tempo imanente vai aos pouquinhos nos separar de uma participação morna na missa do Frei Jácomo. Nossas liturgias deveriam resplandecer de nobre simplicidade, como nos recomenda a Sacrossanctum Concilium n. 34. De tal modo deveríamos viver a ritualidade litúrgica que ela tudo impregnaria de eternidade e de beleza. O Padre Valeriano Santos Costa assim afirma:
Quem participa de um rito litúrgico entra numa outra categoria de tempo e espaço. O tempo cronológico significa dissolução e cansaço no encadeamento das horas, dias, meses e anos: o envelhecimento. [...] No rito, a ordem do espaço [...] se altera, transformando a idéia de limite, barreira, divisão, prisão em aconchego, proteção, libertação, plenitude. [COSTA, V. S. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. Participação litúrgica segundo a Sacrossanctum Concilium.São Paulo: Paulinas, 2005. pg. 46-47 (Col Viver a fé)]
Vivenciar os ritos é, portanto, de importância capital para perceber a beleza da Liturgia que faz do cronos o Kairós, ou seja, do tempo cronológico o tempo/estado da Graça. O dado antropológico da liturgia nos diz que o homem serve-se de sinais sensíveis para exprimir o indizível. De fato, ao olharmos o aspecto aparente da liturgia podemos nos deparar com coisas muito simples como uma vela, uma toalha branca ou um crucifixo. Todavia, estes são pontes do efêmero para o eterno. A beleza do rito litúrgico deve começar de dentro, do coração humano e nos levar ao coração do Mistério. De fato, afirma Corbon: “reza-se como se vive e vive-se como se ama; tudo depende do lugar onde habitualmente nos centramos e em torno do qual tudo toma o seu sentido (...) o coração é o lugar da decisão, do sim ou não”. Sabendo que a Liturgia começa no coração, chamo nossa atenção para o outro lugar da manifestação da beleza, ou seja, para o “fazer” na Liturgia.
Aqui eu gostaria de tocar um pouco na nossa prática litúrgica. Nossas equipes de Liturgia nas Paróquias muitas vezes se transformam em ‘tarefeiros’ junto com o padre. Fazem muitas coisas, mas não as fazem bem. Nossos Ministros Extraodinários da Eucaristia permanecem numa odinária distração toda a missa. Os músicos esquecem-se do rito para procurar a folha de cântico. O calor faz a assembléia suar. O volume estridente do som faz todos sentirem o ouvido doer. As flores de plástico no presbitério, sujas de poeira, dão o tom da desordem, do desleixo e da despreocupação com aquilo que é expressão do Eterno! Os vasos sagrados sujos de zinabre demonstram quão desleixados são os que cuidam da sacristia. O andar apressado e sem a devida reverência e gravidade dos acólitos e do Padre, as toalhas puídas, a multiplicação de folhas, cadernos, lembretes, cartazes para todos os cantos... enfim, nossas Paróquias precisam romper este ciclo vicioso de feiúra que tem tomado conta do nosso “fazer” litúrgico.
A Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Jesus é o acontecer do Mistério. O “véu” se rasgou e pela Ascensão o Filho nos leva ao coração aberto do Pai, donde jorra o rio de vida (cf. Ap 22,1), a Liturgia celeste, perene e eterna, a beleza celeste que se fez nossa. A Liturgia é Cristo histórico, corpo místico e Filho de Deus. É justamente por causa dessas duas energias (divina e humana) que a Liturgia se torna ato salvífico de Deus na história dos homens. E se torna ato salvífico porque é memorial, porque O Vivente passou para além da morte e tornou o tempo impregnado de Eternidade. Neste aspecto, percebemos o quanto precisamos crescer na dimensão antropológica da manifestação da nossa fé. Valendo-me do axioma Lex Orandi Lex Credendi, trago um elemento de avaliação de nossas liturgias: O modo como estamos celebrando a fé expressa a fé que professamos? Avalie se o Memorial do Mistério Pascal de Cristo que se celebra na sua comunidade resplandece aquela nobre simplicidade da qual é dotado o Mistério da Paixão, Morte, Ressurreição e Glorificação do Filho de Deus?
“Nada deve ser afetado nem pela pressa nem pelo exagero. [...] Se numa celebração de uma hora introduzimos tantos adendos, [...] esgotamos o tempo e somos tentados a atropelar o rito [...] numa corrida olímpica” [Cf. COSTA, 2005. Pg.59]. A grave expressão de quem sobe o Calvário para o Sacrifício do Cordeiro deve acompanhar todo aquele que toma parte na Liturgia. A solenidade dos gestos, a tranqüilidade na execução dos ritos, ao Padre a clareza e solenidade na proclamação das orações e demais ofícios que lhe cabem na Liturgia, o canto liturgicamente ordenado e ensaiado, tudo isto contribui para uma participação eficaz, ativa e frutuosa na Divina Liturgia. O contrário disto também é igualmente verdade: quando não cuidada, a Liturgia passa de “a festa da alegria do Pai” como Corbon a classificou, à festa da tristeza e irritação dos que nela tomam parte.
Ao explanar sobre a participação ativa dentro do rito, o Padre Valeriano S. Costa joga luz sobre o modo de estar na Liturgia. Retomando o conceito grego “Leitourgia”, ele diz que Liturgia é essencialmente ação (ourgia) e não necessariamente discurso (logia). A ação é sempre realizada por um sujeito. Como vimos o sujeito da Liturgia é o Pai, ao mesmo tempo ele é objeto da ação Sagrada realizada por nós, objeto da nossa fé. Como sujeito da Liturgia, a Assembléia não é só uma assistente, uma expectadora passiva, mas um sujeito ativo. Está envolvida na “leitourgia” na ação sagrada em favor do povo. Desse modo é preciso formar nossas Assembléias litúrgicas para este modo de participar, beber e contemplar o Acontecer do Mistério que ali é celebrado. As distrações, conversas paralelas, celulares ligados, crianças correndo e chorando, a pressa em começar e terminar a ação litúrgica, as homilias porcamente preparadas, tudo isso contribui para o empobrecimento da participação ativa da Assembléia. De fato, Pe Valeriano destaca que todo o corpo deve entrar nesta ação ritual, ou seja, a pessoa toda: pensamento, emoção, postura, voz, razão, gestos, para que a participação seja de fato ativa e frutuosa para o fiel.
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Após esta breve explicação do rito, concluo o meu contributo para a questão: "É bíblica a missa?". Espero que lhe ajude.
Para Citar:
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Fernando, Padre Luís. É bíblica a missa? Parte III - Excerto. A ritualidade e a liturgia.. Disponível em: . Desde 07/05/2012
FONTE ELETRÔNICA;
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