Antes de explorar o título da única mediação de Cristo, seria prudente definir os termo. A palavra mediador geralmente possui dois significados. Em um estrito e primário sentido, refere-se à figura que se interpõe entre duas partes opostas para reconciliá-las. Há 4 componentes para esta definição: 1- intervenção pessoal; 2- de um princípio; 3- a intenção de efetivar uma reconciliação; 4- entre duas ou mais partes alienadas.
Em relação à nossa redenção a única pessoa que se adequa à definição estrita é Jesus Cristo. Somente Jesus se interpõe efetivamente entre as duas partes, Deus e todo o gênero humano. Somente Jesus foi capaz de alcançar a reconciliação com Deus. Como escreve São Paulo Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem (1Tm 2,5). Esta é a fé da maioria dos cristãos e o ensino oficial da Igreja Católica.
Há, entretanto, um sentido menor que os cristãos sempre compreenderam sobre a idéia de mediação. É a idéia de uma mediação subordinada na qual participamos da mediação de Jesus Cristo. É uma mediação que é feita através, com e em Cristo. O mediador subordinado nunca está isolado, mas sempre dependente de Jesus. Examinemos as fundamentações bíblicas deste entendimento, com especial referência a 1Tm 2,5.
Devem sempre se aplicar alguns princípios quando se interpreta a Bíblia. Por exemplo, a Escritura tem um único divino autor, mas vários autores humanos diferentes. Por essa razão, cada livro canônico forma apenas uma harmonia, cada parte concordando com a anterior e a sucessora. Assim, por exemplo, um ensinamento em Gênesis não pode ser contraditório a um ensinamento do Evangelho de João, ou vice-versa. Em adição, o corpo completo da verdade revelada em toda a Bíblia freqüentemente lança uma luz no entendimento de um livro ou de um texto específico. Por isso livros adiante nos explicam e aumentam nosso conhecimento sobre o livro de Gênesis, por exemplo. Em segundo lugar, para tentar se entender um texto particular, deve-se acima de tudo considerar o seu contexto. Voltemos à primeira carta de Paulo a Timótio e ver como estes princípios se aplicam.
Se considerarmos o versículo em questão Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem fora do contexto, facilmente iremos interpretá-la mal. Será que "um só mediador" não significa apenas um - sem exceção? Por isso pedir a intercessão dos santos pode parecer anti-bíblico se visto por esta perspectiva. Contudo, esta interpretação não é precisa. A passagem não está isolada, mas é um versículo em um livro maior, chamado Epístola. Qual é, então, o correto sentido do que Paulo está falando? Como esta passagem se adequa ao contexto apresentado na Bíblia? Vamos considerar esta questão analisando o contexto imediato deste versículo.
São Paulo está rejeitando a idéia de mediadores subordinados a Cristo? Não, muito pelo contrário! O capítulo 2 se inicia com a seguinte exortação:
Acima de tudo, recomendo que se façam súplicas, pedidos e intercessões, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma e tranqüila, com toda a piedade e honestidade
"Súplicas, pedidos e intercessões" são atos de mediação. Paulo está explicitamente instruindo Timótio para que os cristão assumam seu papel de mediadores subordinados entre Deus e aqueles que estão listados, todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade. O princípio teológico que Paulo usa para dar apoio à este comando é a passagem já citada no versículo 5 - a mediação única, e primária, de Cristo.
Assunto tão prático é o fato de os cristãos orarem uns pelos outros. Estabelecem grupos de orações exatamente para este propósito. Qual seria, então, a objeção de pedir aos cristão que estão no céu para orarem por nós na terra? Muitas pessoas são beneficiadas pelas orações fervorosas de muitos parentes e amigos. Uma vez no céu devemos supor que estes não mais se importam com nosso bem-estar, ou que Deus se ofenderia se nós pedíssemos que intercedessem por nós? Esta idéia certamente não encontra base em 1Tm 2,5. Indubitavelmente, a rejeição à intercessão dos santos se fundamenta no desejo de enfatizar a sublime e infinita capacidade da única mediação de Cristo. Esta louvável motivação leva, infelizmente, a um conhecimento inadequado da grandeza imensurável do poder mediador de Jesus. Em outras palavras, cai em conflito com importantes ensinos bíblicos.
Um importante tema que cerca a maioria dos livros da Bíblia é a idéia da aliança. A aliança é o pacto da parte de Deus que faz do seu povo a sua família. Certamente, os vários exemplos bíblicos que mostram a imperfeição do homem e sua falha sucessivas vezes de cumprir a aliança em nada diminui o poder de Deus, mesmo que seja sempre Deus quem dê todo o auxílio ao seu povo. A bíblia amplamente mostra que nosso Deus quer incluir os seus fracos e pecadores filhos nos assuntos da família - a salvação das almas. Dessa forma, Paulo, seguindo seu apelo para "súplicas, pedidos e intercessões" está instruindo Timótio que esta mediação é agradável a Deus.
Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm 2,3-4)
No Antigo Testamento somos apresentados ao exemplo de mediação de Abraão ao pelo podo de Sodoma, que Deus aprovou e correspondeu. Em relação à história de José, John Skinner escreve:
A profunda convicção religiosa que reconhece a mão de Deus, não meramente em intervenções miraculosas, mas no trabalho dos fins divinos através da agência humana e pelo que podemos chamar de causas secundárias, é característica da narrativa de José [John Skinner, "Genesis,"International Critical Commentary (Edinburgh: T. and T. Clarke, 1910), p. 487, sublinhado acrescentado]
Moisés, Davi, os profetas e os sacerdotes levíticos claramente exerceram seu papel como mediadores. No Novo Testamento Jesus formou os seus apóstolos e os concedeu o papel de mediadores. Ele deu-os instruções para evangelizar e batizar (cf. Mt 28,18-20), perdoar pecados (Jo 20,23) e de celebrar a Eucaristia (1Cor 11,23-25) - todas essas são funções de mediadores. Paulo termina sua carta a Timótio conectando a única mediação de Cristo com o seu próprio apostolado, que também era uma missão de mediação subordinada:
E deste fato - digo a verdade, não minto - fui constituído pregador, apóstolo e doutor dos gentios, na fé e na verdade (1Tm 2,7)
A verdade dos cristãos participando na única mediação de Cristo é abundantemente clara na prática da Igreja primitiva. Isto encontra-se afirmando inclusive por um dos maiores historiadores e patrologistas protestantes, JND Kelly. Ele diz:
Um fenômeno de grande significação no período patrístico foi o surgimento e gradual desenvolvimento da veneração aos santos, mais particularmente à bem-aventurada virgem Maria...Logo após vinha o culto aos mártires, os heróis da fé que os primeiros cristãos afirmavam já estarem na presença de Deus e gloriosos em sua visão. Em primeiro lugar tomou forma de uma preservação das relíquias e da celebração anual de seu nascimento. A partir daí foi um pequeno passo, pois já estavam participando com Cristo da glória celeste, para que se buscassem suas orações, e já no terceiro século se acumulam as evidências da crença no poder da intercessão dos santos [J.N.D. Kelly, Early Christian Doctrines, revised edition (San Francisco: Harper, c. 1979), p. 490]
Um exemplo se encontra nos relatos antigos do Martírio de Policarpo, que morreu aos 86 anos:
Quando [Policarpo] finalmente acabara suas orações, na qual relembrou cada um dos que havia encontrado, do pequeno ao maior, do famoso ao desconhecido, e de toda a Igreja Católica em todo o mundo, seu momento de partida havia chegado. Sentaram-no em um jumento e partiram da cidade[William A. Jurgens, The Faith of the Early Fathers, 3 volumes (Collegeville: The Liturgical Press, c. 1970), Vol. I, # 79]
Após seu martírio ouvimos falar da reverência que era prestada aos seus restos:
Então, ao menos, conseguimos tomar os seus ossos, mais preciosos que uma jóia e mais puros que o ouro, e os pusemos em local adequado. Que o Senhor nos permita ser capaz de nos juntarmos a ele na alegria e no júbilo, e de celebrar o nascimento do seu martírio [Ibid., # 81a]
São Cirilo de Jerusalém, em suas Leituras Catequéticas, compostas por volta do ano 350, escreveu:
Façamos menção aos já falecidos; primeiro aos patriarcas, profetas, apóstolos e mártires, que por suas súplicas e orações Deus receberá nossos pedidos [Ibid., # 852]
Santo Agostinho fazia pregações duas vezes por semana desde sua ordenação em 391 até sua morte em 430. Sobre nosso assunto ele tem a dizer:
A oração, contudo, é oferecida em benefício de outros mortos de quem lembramos, pois é errado rezar por um mártir, a cujas orações nós devemos nos recomendar [Ibid., Vol. III, # 1513]
Em sua obra Contra Fausto, escrito por volta do ano 400, escreve:
O povo cristão celebra unidos em solenidade religiosa a memória dos mártires, tanto para encorajar que sejam imitados e para que possam repartir seus méritos e serem auxiliados pelas suas orações[Ibid., # 1603]
A eficácia da mediação subordinada dos cristãos descansa solenemente na mediação única de Cristo:
Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porquesem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito (Jo 15,5-7)
Os cristãos são criados em grande solidariedade uns com os outros por causa desta união com Cristo (cf. Cl 1,18; Gl 3,28; Rm 7,4; 12, 4-8; 1Cor 6,15; 10,16; 12,12.27; Ef 4,11-12.16; 5,23; Hb 10,10). É esta relação que garante a potência que torna nossa intercessão uns pelos os outros eficaz, estejamos na terra ou no céu.
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