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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Se as pesquisas com células-tronco são tão boas, por quê a Igreja é contra?

Antes de mais nada a Igreja não é contra a pesquisa com células-tronco, pelo contrário, a Academia Pontifícia para as Ciências considera essas pesquisas benéficas à humanidade e certamente as estimula. Entretanto há de se considerar que há duas modalidades de pesquisa com células-tronco atualmente: pesquisas com células-tronco adultas e com células-tronco embrionárias. A Igreja é frontalmente contrária a pesquisa com células-tronco embrionárias, vamos entender porque:
Mas antes, afinal o que são células-tronco?
Resposta: “É um tipo de célula que pode se diferenciar (modificar-se, transformar-se) e constituir diferentes tecidos no organismo. Esta é uma capacidade especial, porque as demais células geralmente só podem fazer parte de um tecido específico (por exemplo: células da pele só podem constituir a pele). Outra capacidade especial das células-tronco é a auto-replicação, ou seja, elas podem gerar cópias idênticas de si mesmas.
Por causa destas duas capacidades, as células-tronco são objeto de intensas pesquisas hoje, pois poderiam no futuro funcionar como células substitutas em tecidos lesionados ou doentes, como nos casos de Alzheimer, Parkinson e doenças neuromusculares em geral, ou ainda no lugar de células que o organismo deixa de produzir por alguma deficiência, como no caso de diabetes.” - Mayana Zatz, professora titular de Genética, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano.
As células-tronco adultas estão presentes na medula óssea, sangue, fígado, cordão umbilical e etc., mas até o momento as pesquisas não avançaram o suficiente para que já se saiba em quais tipos de células as células-tronco adultas podem se transformar. Sabe-se da sua capacidade de replicação, mas desconhece-se quais são suas limitações quanto a transplantes e quanto a doenças genéticas. Ou seja, serão necessários esforços de pesquisa mais prolongados e investimentos de longo prazo até que uma terapia eficaz com essas células apresente resultados. Mas em se tratando de pesquisa científica, qualquer fato novo, qualquer nova descoberta pode modificar completamente o quadro atual, e muitas etapas poderão ser superadas num curto espaço de tempo.
Já as células-tronco embrionárias podem transformar-se em qualquer tecido humano, e as pesquisas por enquanto acontecem apenas em países que permitem esse tipo de estudo, principalmente na Coréia, mas permanece proibida em maior parte do mundo. A razão é clara: células-tronco embrionárias só podem ser obtidas com a utilização de embriões humanos.
Países com EUA, Inglaterra, Alemanha vivem hoje sob acaloradas discussões em torno da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias. A utilização de embriões humanos em pesquisas vai além de uma questão ética e abarca questões jurídicas e sociais.
Vários governos se vêem pressionados por organismos científicos e grandes corporações farmacêuticas a modificar suas leis no sentido de permitir a pesquisa, utilização e comercialização das terapias utilizando células-tronco embrionárias. Além do obvio avanço científico e da cura de várias doenças, estamos falando de um mercado de bilhões de Dólares, onde, há muitos interesses econômicos envolvidos.
Muito por preconceito contra as posições corajosas assumidas pela Igreja em defesa da vida, a imprensa mundial alardeou a falsa versão de que “mais uma vez “ a Igreja estaria sendo contrária ao desenvolvimento científico ao “tentar atravancar uma das maiores descobertas da ciência de nosso tempo”. É uma versão que se revela no mínimo falsa quando desconsidera integralmente as razões que motivam a Igreja a assumir essa posição, e pior, colocam que a Igreja é contrária a pesquisa como um todo, o que não é um fato, haja vista a Igreja é contrária tão somente à destruição de embriões humanos para a pesquisa. Vejamos abaixo as razões da Igreja em seu comunicado à ONU pedindo que a pesquisa com embriões seja proibida em todo o mundo:
1. A Santa Sé está convencida de que é necessário apoiar e promover as pesquisas científicas em benefício da humanidade. Por isso, a Santa Sé encoraja as pesquisas que estão sendo realizadas nos campos da medicina e da biologia com o objetivo de curar doenças e melhorar a qualidade de vida de todos, contanto que sejam respeitosas para com a dignidade do ser humano. Esse respeito exige que toda pesquisa que for incompatível com a dignidade do ser humano seja excluída por razões morais.
2. Há duas possíveis fontes de células-tronco para a pesquisa humana; em primeiro lugar, as células-tronco “adultas”, que são obtidas a partir do sangue do cordão umbilical, a partir da medula óssea e a partir de outros tecidos, e, em segundo lugar, as células-tronco “embrionárias”, que são obtidas pela destruição de embriões humanos. A Santa Sé opõe-se à clonagem de embriões humanos com o propósito de destruí-los para coletar suas células-tronco, ainda que por um objetivo nobre, pois isso é incompatível com o fundamento e os motivos da investigação biomédica humana, ou seja, o respeito da dignidade do ser humano. Por outro lado, a Santa Sé aplaude e encoraja a pesquisa com células-tronco adultas, pois é completamente compatível com o respeito pela dignidade dos seres humanos. A plasticidade inesperada das células-tronco adultas possibilitou o uso bem-sucedido desse tipo de células indiferenciadas e que se auto-renovam para curar vários tecidos e órgãos humanos (1), especialmente as lesões cardíacas depois de um enfarto do miocárdio (2). Os múltiplos avanços terapêuticos demonstrados utilizando células-tronco adultas e a promessa que contêm para outras enfermidades, como desordens neurodegenerativas e diabetes, fazem as iniciativas de apoio a esta frutífera linha de pesquisa adquirirem um caráter urgente (3). Acima de tudo, é consenso universal que o uso de células-tronco adultas não acarreta nenhum problema ético.
3. Em contraste, a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas tem sido atravancada por importantes dificuldades técnicas (4). Os experimentos com células-tronco embrionárias ainda não produziram nem um único êxito terapêutico indiscutível, nem sequer em modelos animais (5). Ademais, as células-tronco embrionárias causaram tumores em modelos animais (6) e podem provocar câncer se administradas em pacientes humanos (7). A menos que esses graves riscos sejam eliminados, os experimentos com células-tronco embrionárias não terão nenhuma aplicação clínica (8). Sem contar os problemas técnicos, a necessidade de extrair essas células de embriões humanos vivos levanta problemas éticos da mais alta ordem.
4. A chamada “clonagem terapêutica”, que na verdade deveria chamar-se “clonagem para fins de pesquisa” pois ainda está longe de ter aplicações terapêuticas, foi proposta para evitar a possível rejeição imunológica de células-tronco embrionárias obtidas de um doador que não seja o próprio receptor. Entretanto, o uso de células-tronco embrionárias clonadas envolve um alto risco de introduzir células de embriões anormais nos pacientes. Está bem estabelecido que a maioria dos embriões não-humanos produzidos mediante a clonagem por transferência nuclear são anormais, com deficiências em vários dos genes (marcados ou não marcados) necessários para o desenvolvimento das primeiras fases do embrião (9). As células-tronco embrionárias recolhidas de embriões anormais e inadequados manterão seus “defeitos epigenéticos” e transmitirão ao menos parte deles a suas células filhas. Portanto, a transferência dessas células-tronco de embriões clonados a um paciente seria extremamente perigosa; essas células poderiam provocar enfermidades genéticas, ou causar leucemia ou outros tipos de neoplasia. Além disso, ainda não foi elaborado um modelo de clonagem em primatas, que seria necessário para realizar experimentos a fim de garantir segurança antes de tentar experimentos terapêuticos em seres humanos (10).
5. Os benefícios para a saúde que a clonagem terapêutica traria são hipotéticos, uma vez que o próprio método continua sendo basicamente uma hipótese. Portanto, o crescendo de declarações hiperbólicas enaltecendo como esse tipo de pesquisa é promissor pode acabar minando a própria causa a que pretende servir (11). De fato, inclusive deixando de lado considerações éticas fundamentais para além das expectativas dos pacientes, o estado atual da “clonagem terapêutica” exclui, seja agora ou num futuro próximo, qualquer aplicação clínica.
6. Os cientistas, filósofos, políticos e humanistas estão de acordo quanto à necessidade de uma proibição internacional da clonagem com fins reprodutivos. De um ponto de vista biológico, o nascimento de seres humanos a partir de embriões clonados seria perigoso para a espécie humana. Essa forma assexuada de reprodução não incluiria a “mescla” usual de genes, que faz com que cada indivíduo tenha um genoma único, e fixaria arbitrariamente o genótipo numa configuração determinada (12), com conseqüências genéticas negativas previsíveis para o conjunto dos genes da humanidade. Ademais, seria proibitivamente perigoso para o clone individual (13). De um ponto de vista antropológico, as pessoas em sua maioria reconhecem que a clonagem é ofensiva para a dignidade humana. A clonagem sem dúvida criaria uma pessoa, mas mediante uma manipulação de laboratório da ordem da pura zootecnologia. Essa pessoa chegaria ao mundo como uma “cópia” (ainda que seja uma cópia apenas biológica) de outro ser. Se bem que essa pessoa seria ontologicamente única e digna de respeito, o modo como um ser humano clonado chega ao mundo marcaria essa pessoa mais como um artefato que como um ser humano, como um substituto em vez de um indivíduo único, um instrumento da vontade de outro em vez de um fim em si mesmo, um bem de consumo substituível em vez de um evento irrepetível na história humana. Portanto, a falta de respeito à dignidade da pessoa humana é inerente à clonagem.
7. Contudo, alguns desejariam que a proibição internacional proposta não incluísse a “clonagem terapêutica”, como se esta fosse um processo diferente do da clonagem com fins reprodutivos. A verdade é que a clonagem reprodutiva e a clonagem “terapêutica” ou “para pesquisa” não são dois tipos diferentes de clonagem: ambas envolvem o mesmo processo técnico de clonagem e se distinguem somente nos objetivos procurados. Na clonagem reprodutiva, o objetivo é implantar o embrião clonado no útero da mãe substituta a fim de “produzir” um filho; na clonagem “para pesquisa” o objetivo é utilizar imediatamente o embrião clonado, sem permitir que se desenvolva, eliminando-o, assim, durante o processo. Inclusive, pode-se afirmar que toda e qualquer modalidade de clonagem é “reprodutiva” em seu primeiro estágio, pois tem de produzir, mediante o processo de clonagem, um organismo novo autônomo e individual, dotado de uma identidade específica e única, antes que seja feita qualquer outra operação com o embrião.
8. A “clonagem terapêutica” não é eticamente neutra. De fato, do ponto de vista ético, esta seria ainda pior que a “clonagem reprodutiva”. Na clonagem “reprodutiva”, ao menos é dada ao ser humano recém-produzido, inocente de sua origem, a oportunidade de desenvolver-se e nascer. Na clonagem “terapêutica”, o novo ser humano é utilizado como mero material de laboratório. Tal uso instrumental de um ser humano é uma ofensa grave à dignidade humana e à humanidade. O termo “dignidade”, utilizado nesta Declaração de Posição e na Carta das Nações Unidas, não se refere a um conceito de valor baseado nas habilidades e capacidades dos indivíduos e na avaliação que os outros possam fazer deles, avaliação esta que podemos chamar de “dignidade atribuída”. A noção de dignidade atribuída permite juízos hierárquicos, desiguais, arbitrários e mesmo discriminatórios. Aqui a dignidade significa o valor intrínseco que é compartilhado de maneira comum e igual por todos os seres humanos, não importa quais sejam suas condições sociais, intelectuais ou físicas. É essa dignidade que obriga a todos nós respeitar todos os seres humanos, independentemente de sua condição, sobretudo se necessitarem de proteção ou cuidados. A dignidade é a base de todos os direitos humanos. Somos obrigados a respeitar os direitos dos outros porque primeiro reconhecemos sua dignidade.
9. A honestidade sugere que, se um rumo particular de pesquisa já demonstrou ter condições de sucesso e não suscita problemas éticos, deve ser seguido antes que seja começado outro rumo que demonstrou poucas perspectivas de êxito e que envolve preocupações éticas. Os recursos para pesquisas biológicas são limitados. A “clonagem terapêutica” é uma teoria não comprovada que pode muito bem acabar sendo uma enorme perda de tempo e dinheiro. O bom senso e a necessidade de realizar pesquisas fundamentais sérias e orientadas para objetivos determinados, portanto, convocam a comunidade biomédica mundial a dedicar os fundos necessários para a pesquisa utilizando células-tronco “adultas”.
10. O mundo não pode tomar dois caminhos diferentes: o caminho daqueles que estão dispostos a sacrificar ou comercializar seres humanos em prol de uns poucos privilegiados, e o caminho daqueles que não podem aceitar esse abuso. Para o seu próprio bem, a humanidade precisa de uma base comum, uma compreensão comum da humanidade e das bases fundamentais das quais dependem todas as nossas idéias sobre os direitos humanos. Cabe às Nações Unidas exercer todos os esforços na procura dessa base, para que os seres humanos sejam respeitados tais como são. Fazer avançar o projeto de uma proibição mundial da clonagem humana é parte dessa missão e dever das Nações Unidas.

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