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quinta-feira, 21 de abril de 2011

É Possível Ser Parcialmente Católico?

Por Tarcísio Amorim Carvalho
Historiador e mestrando em História Comparada (UFRJ)


Considerações sobre a unidade da Igreja e a necessidade de adesão aos seus ensinamentos.


Não é incomum encontrar pessoas que se denominam católicas, frequentam a missa e participam de pastorais, mas não concordam com grande parte dos ensinamentos, doutrinas e normas da Igreja. Elas até são capazes de defender alguns pontos da fé e professar o símbolo apostólico ou niceno-constantinopolitano, sem, contudo, atentar para a profundidade do significado do que é crer na Igreja Católica. Alguns ainda parecem pensar que seria possível professar os outros pontos doutrinais, como a divindade de Cristo e a unicidade das três pessoas divinas, sem ter que acreditar na autoridade da Igreja. Mas como reconhecer essas realidades, que foram tantas vezes questionadas pelos vários cristianismos heréticos na antiguidade, sem se voltar para a autoridade eclesiástica? Através de uma análise histórica e doutrinal, buscarei esclarecer a inconsistência dessa linha de pensamento.

O Deus do Antigo Testamento, que outrora havia se revelado à Israel, levou essa revelação à sua plenitude em Jesus Cristo:


(...) no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, que é « o caminho, a verdade e a vida » (cf. Jo 14,6), dá-se a revelação da plenitude da verdade divina: « Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o queira revelar » (Mt 11,27)(...)

(Declaração Dominus Iesus, 5)


Além de se relevar aos seguidores, Jesus também afirmou que iria se revelar àqueles a quem os discípulos falarem: “quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita” (Lc 10, 16).

Para garantir que sua palavra fosse revelada em sua integridade, Jesus edificou sua Igreja sobre o apóstolo Pedro (cf. Mt 16, 18-19) e pediu que ele apascentasse as suas ovelhas (cf. Jo 21, 15-17). Também prometeu que iria acompanhá-la até o fim dos tempos (cf. Mt 16,18; 28,20) e guiá-la com o seu Espírito (cf. Jo 16,13) Segundo a declaração Dominus Iesus , “Jesus não formou uma simples comunidade de discípulos, mas constituiu a Igreja como mistério salvífico: Ele mesmo está na Igreja e a Igreja n'Ele (cf. Jo 15,1ss.; Gal 3,28; Ef 4,15-16; Actos 9,5)” (16). A Igreja é o Corpo de Cristo, pelo qual Ele fala e age (cf. 1 Cor 12,12-13.27; Col 1,18).

Em sua carta aos Gálatas, Paulo critica a atitude daquela comunidade que insistia em se voltar para o erro dos judaizantes, ou seja, daqueles que pregavam a adesão às leis judaicas para a salvação cristã. Essa questão já havia tinha sido debatida no concílio de Jerusalém, onde Pedro pronunciou-se contra a opinião dos dissidentes (At 15, 6 -21). Falando à comunidade, Paulo a repreende por estar acolhendo doutrinas alheias à pregação dos apóstolos:

Estou admirado por estardes a abandonar tão depressa Aquele que vos chamou por meio da graça de Cristo, para aceitardes outro Evangelho. Na realidade, porém, não existe outro Evangelho. Há somente pessoas que semeiam confusão entre vós e querem deturpar o Evangelho de Cristo. (...) Se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado (Gl 1, 6-7.9).

Isso porque, segundo o apóstolo, o evangelho por ele anunciado não é invenção dos homens, mas foi revelado por Cristo (cf. Gl 1, 11).

A questão dos judaizantes foi apenas uma das primeiras controvérsias que a Igreja cristã encontrou. Ainda em seus primeiros anos, a tradição gnóstica aproximou-se do cristianismo. Os gnósticos acreditavam que a libertação da alma se daria por algum tipo de revelação mística, e não pela revelação universal cristã. Eles também pregavam que Jesus não era verdadeiramente homem, sendo sua aparência apenas uma manifestação de seu espírito. Essa corrente deu origem a várias heresias dualistas, que viam na matéria o princípio do mal. O gnosticismo foi condenado pela Igreja, sendo que Paulo já mencionava alguns de seus pontos doutrinais em suas encíclicas (Colossenses 1-3; I Tm 6, 20). Um dos grandes opositores dessa heresia foi Santo Irineu, que na obra Adversus Haereses afirmou:


Pela tradição que deriva dos apóstolos, da maior, mais antiga e mais conhecida Igreja que foi edificada em Roma pelos apóstolos Pedro e Paulo... é necessário que toda Igreja concorde com ela, em razão de sua autoridade preeminente

(Santo Irineu de Lyon [+202]*)


Além disso, ainda na antiguidade e nos primeiros séculos da Idade Média surgiram várias controvérsias em torno da questão da humanidade e divindade de Jesus, assim como da teologia trinitária. As escrituras não eram claras o suficiente a esse respeito e, como o conhecimento da filosofia grega se expandia pelo mundo cristão, era necessário dar respostas mais eficientes acerca desses pontos.

No início do século IV, o presbítero Ário de Alexandria (+336) difundiu a crença de que Jesus não tinha a mesma natureza (divindade) de Deus. Esta subsistiria somente no Pai. Cristo seria um ser criado por Deus, dotado de grande perfeição, para realizar suas obras no mundo, já que Deus não poderia ser um ser material. Em vista desse fato, Jesus poderia ser chamado Filho de Deus. Apesar de ter sido condenado em um sínodo em Alexandria, a controvérsia aumentou quando Ário conseguiu mais seguidores. O problema só foi resolvido com a convocação de um concílio ecumênico em Niceia, no ano de 325. O concílio condenou o arianismo e declarou que Jesus era Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, consubstancial ao Pai. Essa doutrina, porém, perdurou por séculos na Europa e foi amplamente difundida entre os povos germanos.

Assim como a divindade de Jesus foi motivo de discórdia, alguns cristãos defendiam que o Espírito Santo era uma criatura espiritual. Macedônio, bispo ariano de Constantinopla deposto em 360, reuniu seguidores em defesa dessa doutrina, que eram conhecidos como macedonianos ou pneumatômacos. Mais uma vez foi convocado um concílio, que se deu em Constantinopla no ano de 381, afirmando a consubstancialidade do Espírito Santo.

Mesmo com a afirmação da mesma natureza do Pai e do Filho, várias polêmicas surgiram em torno da conciliação entre a natureza humana e divina de Cristo. O Bispo Apolinário de Laodiceia (+390), se apoiando nas palavras “O Lógos se fez carne” do evangelho de João, entendeu que Jesus não tinha uma alma humana, mas era movido pela alma divina. Gregório de Nissa (+394) e outros pensadores responderam afirmando que o que não foi assumido pelo Verbo também não foi redimido. A doutrina também foi condenada no Concílio de Constantinopla. Ainda existiram outras heresias cristológicas, como o nestorianismo, que pregava duas naturezas (humana e divina) e duas pessoas em Jesus, unidas por um vínculo afetivo. Para eles, Maria seria mãe apenas da pessoa humana de Cristo. Já o monofisismo sustentava que a natureza divina de Cristo absorveu a humana, divinizando-a. Algo que simbolizaria o que deveria ocorrer com os fiéis em sua santificação. A doutrina que católica foi proclama nos Concílios de Éfeso (431) e Calcedônia (451): não existem duas pessoas de Cristo, ele é um só, a segunda pessoa da trindade, mas assumiu a natureza humana, sendo verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.

Pode-se perceber, através dessa explanação, que alguns pontos que hoje são comuns para tantos católicos e mesmo para muitos protestantes foram motivo de intensos conflitos e debates durante os primeiros séculos do cristianismo. Vimos que na era apostólica as controvérsias também eram frequentes, mas a Igreja exortava os cristãos à fidelidade ao evangelho por ela anunciado. Para manter a unidade doutrinal, vários eclesiásticos e padres da Igreja se manifestaram atestando a autoridade do Bispo de Roma nas questões de fé:

Nós os exortamos, respeitosamente, honoráveis irmãos, a que rendam obediência para o que foi escrito pelo Santíssimo Padre da cidade de Roma; pelo bem aventurado Pedro, que vive e preside em sua Sé, ele provê a verdade da fé para aqueles que buscam

(São Pedro Crisólogo [+450]**)

Além dessas coisas, eles ainda ousam – um falso bispo que foi apontado para eles por heréticos – acorrer e enviar cartas de pessoas cismáticas e profanas para o torno de Pedro, a principal Igreja na qual a unidade tem sua fonte

(São Cipriano [+258] Bispo de Cartago***)

Como não sigo a nenhum outro senão Cristo, da mesma forma eu não consulto a ninguém a não ser sua santidade, que está na cátedra de Pedro. Porque ele é a rocha em que a Igreja está construída

(São Jerônimo [+420]****)

Se Paulo, o arauto da Verdade, a trombeta da Espírito Santo, recorreu ao grande Pedro para obter sua decisão em Antioquia na questão daqueles que debatiam sobre a vida pela Lei, muito mais nós, gente pequena e humilde, acorremos à Sé Apostólica a fim de conseguir a cura para as Igrejas. Pois é apropriado que você tenha a preeminência em todas as coisas, visto que sua Sé possui privilégios peculiares

(Teodoreto [+466], Bispo de Cirro, Síria*****)


O Concílio de Niceia confirmou a primazia da Igreja de Roma, seguida de Alexandria, Antioquia e Jerusalém. No quarto Concílio de Constantinopla ela foi realçada, concedendo-se à nova sede imperial do Oriente o segundo lugar.

A partir dessas considerações, pode-se pensar o quanto é contraditório alguém dizer que acredita em Deus, na trindade, ou em Jesus, cuja própria natureza foi motivo de longos e intensos debates, e não acreditar na Igreja Católica. Se uma pessoa rejeita a autoridade dos sucessores dos apóstolos, cuja continuidade na Igreja é atestada pela tradição e por abundantes documentos históricos, ela não terá nenhum ponto de apoio realmente seguro para afirmar sua fé em Cristo. Como pudemos ver, a Igreja e pregação Cristã formam uma unidade, que é atestada desde os tempos apostólicos. Por isso, a declaração Dominus Iesus atesta que:

Em relação com a unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus Cristo, deve crer-se firmemente como verdade de fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada. Como existe um só Cristo, também existe um só seu Corpo e uma só sua Esposa: «uma só Igreja católica e apostólica» (Dominus Iesus, 16).

Em sua essência, o catolicismo se fundamenta nesse mistério da unicidade, em que o próprio Cristo vive e age pela Igreja; pois ele prometeu estar com os apóstolos até o fim dos tempos (Mt 28, 20) e disse que as portas do inferno não prevaleceriam ela (Mt 16, 18). A partir dessa unicidade compreende-se que a Igreja Católica também é Una, já que ela está fundada sobre a sucessão apostólica e o depósito da fé, transmitido ininterruptamente. Por isso, afirma a constituição dogmática Pastor Aeternus, quando o Papa fala como pastor e mestre de todos os cristãos em matéria de fé e moral, sua doutrina deve ser sustentada por toda a Igreja (Pastor Aeternus IV). Isso inclui também as questões econômicas e sociais, quando essas estão ligadas ao ensinamento moral: “Dentro deste campo”, sustenta o Papa Pio XI, “o depósito da verdade que Deus Nos confiou e o gravíssimo encargo de divulgar toda a lei moral, interpretá-la e urgir o seu cumprimento oportuna e importunamente, sujeitam e subordinam ao Nosso juízo a ordem social e as mesmas questões econômicas” (Quadragesimo anno, II)

Nesse sentido, é inconsistente afirmar-se católico, dizer que crê na eucaristia, que Jesus é Deus, defender a intercessão dos santos e ao mesmo tempo discordar do Magistério em questões como o aborto, a eutanásia, a contracepção, entre outras. Se a Igreja não tem autoridade para afirmar que essas práticas violam a lei moral, então todo o depósito doutrinário que professamos não tem fundamento. Não se pode dizer que Deus é um em três pessoas e ao mesmo tempo ser a favor do homossexualismo. Pois a mesma Igreja que afirmou aquele ponto da fé, condenou essa prática. Não se pode dizer que Maria é Mãe de Deus, como foi proclamado a partir das conclusões do citado Concílio de Éfeso, e afirmar que a Igreja erra ao não conceder o divórcio aos fiéis. Não se pode dizer que Cristo encarnou-se e assumiu a nossa humanidade, como foi concluído em Niceia e Constantinopla, e afirmar não há mal nenhum na contracepção. Não caberia neste artigo explicar cada questão levantada, seu objetivo é explicitar o papel da Igreja na revelação. Esta mesma Igreja que, em sua autoridade, apresentou-nos Deus e Cristo como conhecemos, também nos apresenta os Seus ensinamentos. Se não cremos que o Espírito Santo instruiu sua Igreja no caminho da verdade, como prometera Nosso Senhor, veremos, mais cedo ou mais tarde, que nossa fé não tem sentido.

Visto isso, concluí-se que não é possível ser católico e não guardar o depósito da fé – fundamentado nas escrituras, na tradição e no Magistério da Igreja – pois a unidade é a própria essência do catolicismo:


Há um só Deus, e Cristo é um, e há uma só Igreja, e uma cátedra fundada sobre a rocha pela palavra do Senhor. Outro altar não pode ser constituído nem um novo sacerdócio ser feito, exceto o único altar e o único sacerdócio

(São Cipriano [+258], Bispo de Cartago******)


* Contra as Heresias III, 3.2. Disponível em: http://www.intratext.com/IXT/ENG0307/__P20.HTM. Acesso em 10/03/11
** Carta à Êutiques XXV, 2 in Jurgens, The Faith of the Early Fathers, p.268
*** Carta à Cornélio, contra os heréticos LIV, 14. Disponível em: http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.iv.liv.html. Acesso em 10/03/11
**** Carta à Damaso XV, 2. Disponível em: http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf206.v.XV.html. Acesso em 10/03/11
***** Carta à Leão Magno LII, I. Disponível em: http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf212.ii.iv.lii.html. Acesso em 10/03/11
****** Carta à Todo Povo, XXXIX, 5. Disponível em: http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.iv.xxxix.html. Acesso em 10/03/11

Para citar:

CARVALHO, Tarcísio Amorim: “É Possível Ser Parcialmente Católico?”. Disponível em Apostolado Sociedade Católica: http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=719 Desde o dia 19/03/2011

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