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sábado, 16 de janeiro de 2010

CRITICA E AUTOCRÍTICA

Um dos empecilhos mais complicados para a espiritualidade de um pregador é a autocrítica. Caiu de moda. São poucos os que a fazem ou que, após uma crítica, amiga ou maldosa, estão dispostas a fazer a autocrítica, isto é, a conversão e o devido exame de consciência. A tendência é ignorar, ficar chateado, justificar, responder com estatísticas e com outros apoios. Voltar atrás, corrigir, admitir que não foi milagre, que a pessoa não foi curada, re-editar, regravar aquela frase infeliz, admitir que, como foi dito não estava claro, é coisa rara. Há sempre um subterfúgio para que tudo fique como está, para não se corrigir, não voltar atrás e não admitir o erro.
Somos todos fortemente tentados a manter o que dissemos, cantamos, escrevemos e profetizamos, mesmo quando é evidente que estávamos errados. Vem de longe a caturrice, a dura cerviz e a teimosia dos profetas e pregadores que aceitam profetizar, mas não aceitam que outros profetizem a respeito deles, aceitam pregar, mas não gostam que alguém lhes pregue.
Alunos que não aceitam a correção dos mestres, professores que ignoram a observação dos colegas, profetas que não admitem que o outro também o seja, especialistas que, de tão especialistas, reagem com ironia quando alguém, não tão especializado, lança-lhe uma pergunta incômoda. Quem não viu e não passou por isso? Se você é um simples licenciado não ouse questionar doutor. Ele sofrerá a tentação de ignorar sua pergunta. Afinal, que tese você defendeu?
Se ele é tido como profeta no seu movimento e no veículo por ele dirigido ou protagonizado seus adeptos e admiradores perguntarão quem é o sujeito que o critica se é menos famoso? E se o for, falarão de inveja!... Tudo isso porque a correção fraterna e a autocrítica caíram de moda. Está em alta a auto-estima, pior do que isso, a alta-estima! Digo o que quero, profetizo como Deus me inspira e não aceito mudar.
Foi o que houve numa gravadora, quando um grupo cheio de alta-estima e convicto de que tinha uma profecia a viver, negou-se a corrigir o texto de uma canção que a diretora, formada em língua portuguesa e teologia pediu que fosse mudado. O texto dava a entender um velado subordinacionismo. Isto é, o autor dizia e o grupo cantava que “Ó filho que vens depois, nos trouxe quem vem depois de Ti”. Descontado o erro de concordância, a intenção era boa. Pretendia dizer que para nós cristãos, o Filho se revelou e a seguir nos revelou o Pai e o Espírito Santo. Mas o texto não dizia isso! O rapaz bateu o pé e disse que o Espírito Santo lhe sugerira aquela frase daquele jeito. À editora não restou senão cancelar a gravação. O grupo não aceitava crítica nem admitiu fazer autocrítica. Erraram gravemente porque a primeira proposta de João Batista e de Jesus, bem como a primeira atitude de quem de fato recebeu o Espírito é a conversão, o desejo de acertar, o diálogo e a capacidade de se corrigir caso tenha cometido algum erro. Está escancarado nos evangelhos. “Convertei-vos”... Quem não aceita que a Igreja ou irmãos que sabem mais, em nome da Igreja os advirtam e corrijam não entendeu o que é ser profeta.
Na mística do pregador, não aceitar correção é o mesmo que teimar em atravessar o sinal vermelho. Um dia, acaba esmagado pelo trem da História. Aquele velho e teimoso astrônomo que não aceitou novos telescópios, nem as novas descobertas da astronomia, nem a opinião de seus colegas mais estudiosos, prosseguiu impávido e desatualizado a anunciar como definitivo o que via na sua luneta de l950. Quando viu as fotos do gigantesco Hubble, primeiro não acreditou, depois chorou de frustração ao ver o quanto se fechara no seu pequeno e ultrapassado observatório. Ao não aceitar ver o universo por outros telescópios pregadores da fé correm o mesmo risco.
Sem autocrítica acabaremos pregando como em l960, e a falar em “plêiade de moços” “mocidade miriádica” e a chamar Maria de “íris fúlgido”, a conclamar os católicos num solene “eia, avante soldados da fé”, e a jurar ante o “altar da pátria e da Igreja triunfante, em busca de um futuro e lustroso refulgir na glória celeste”... É, pois é!

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