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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Diferença entre orar e rezar – as "vãs repetições"

ASSIM COMO atestam Michaellis, Aurélio e todos os dicionários da língua portuguesa, os termos orar e rezar são sinônimos. Aliás, é importante notar que essa duplicidade de termos que expressam uma mesma realidade é característica de nossa língua pátria. Em inglês, por exemplo, o verbo to pray significa exatamente o mesmo: orar ou rezar, tanto faz. Em italiano, usa-se a palavra pregare, que poderia ser traduzida como "suplicar" e que tem o mesmo sentido de orar ou rezar em nosso idioma.

No desenvolvimento do português, – esta língua tão complexa, – surgiram muitos termos sinônimos, como: andar e caminhar; experimentar e experienciar; trabalhar e laborar; alimentar e nutrir; orar e rezar, etc, etc... De fato, não há absolutamente nenhuma razão para se diferenciar radicalmente os termos orar e rezar. Na Santa Missa, por exemplo, o sacerdote tanto usa a expressão "oremos" quanto, – na oração dos fiéis ou na homilia, – pode dizer "rezemos". Infelizmente, porém, de algum tempo para cá, muitos "pastores" andam imaginando que têm autoridade para mudar a língua portuguesa, e por conta própria vem "ensinando" a pessoas simples e despreparadas que existe uma grande diferença entre orar e rezar.

E assim, sem pensar, grande parte dos nossos irmãozinhos afastados assume essa ideia equivocada. Pior: como de costume, considerando-se os únicos entendedores da Bíblia Sagrada, essas pessoas são rápidas em nos acusar por conta deste assunto: criou-se a esdrúxula ideia de que "rezar" seria repetir "vãs palavras", enquanto que "orar" seria, verdadeiramente, falar com Deus. Analisaremos bem a questão, a seguir. Antes, vejamos o que a própria Escritura tem a dizer sobre questões como esta:

“Esses tais demonstram um interesse doentio por controvérsias e contendas acerca das palavras, que resulta em inveja, brigas e atritos constantes...” (1Tm 6, 4)

Como vemos, esse tipo de controvérsia sobre palavras não é nenhuma novidade. Voltando à questão, porque se apegam alguns a essa grande diferença inventada, entre palavras que são, na realidade, sinônimas? O que alegam, como já dissemos, é que rezar seria uma vã repetição de palavras decoradas, feita mecanicamente, enquanto que orar seria falar a Deus daquilo que vem do coração, com entrega, com fé e amor. – Para um fiel católico, entretanto, desmontar essa construção maldosa é muito fácil, simplesmente porque é desprovida de qualquer base sólida:

Em primeiro lugar, não é verdade que os católicos só podem se utilizar de orações prontas para falar a Deus. Todo católico pode e deve elevar suas próprias orações espontâneas ao Criador, usando as palavras que lhe vêm ao coração, para pedir, louvar, dar graças. O uso das fórmulas prontas sempre serviu (e serve) como uma espécie de guia, para orientar sobre a maneira correta de falar a Deus, conforme instruiu o próprio Senhor Jesus Cristo: quando um dos discípulos lhe perguntou como deveriam rezar ou orar (Lc 11,1-4. Mt 6,9-14), Ele não respondeu: "falem como quiserem, digam as palavras que lhes vierem ao coração". O que o Senhor fez foi ensinar a oração do Pai Nosso, dizendo: "Quando orardes, dizei assim...". –  O Senhor mesmo, pessoalmente, ensinou uma fórmula pronta, para que compreendêssemos o que era mais importante pedir a Deus, e em que ordem e de que maneira devemos fazê-lo.

Por meio desse modelo, Jesus nos ensinou como devem ser as nossas orações e como elas se tornam aceitáveis a Deus, nosso Pai do Céu. Vemos que pode ser muito útil usar fórmulas prontas como orientadoras para os nossos momentos de oração. Foi assim que o Cristo nos ensinou, e isso não quer dizer, de modo algum, que nossa oração será feita mecanicamente, sem entrega, sem devoção, sem amor.


O "X" da questão

Como sempre, quando discutimos com "evangélicos", não podemos encerrar a questão sem entrar no argumento bíblico. "Está na Bíblia", "não está na Bíblia", "onde é que está na Bíblia...", é o que invariavelmente ouviremos como resposta. E ao tentar esclarecer essa questão específica, há um argumento que virá inevitavelmente, em algum ponto da conversa: a citação do texto do Evangelho de Mateus:

“...Orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos” (Mt 6,7)

A tradução acima é a do protestante português J. F. de Almeida (das versões 'corrigida e revisada' ou 'revisada imprensa bíblica'), as mais usadas pelos "evangélicos". Já a versão da NVI (Nova Versão Internacional), que é um trabalho de tradução conjunto entre teólogos católicos e protestantes, traz uma diferença vital:

"...Quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. (Mt 6,7)

Há uma diferença sutil, porém fundamental. Não fala em "vãs repetições". A NVI recebe críticas, tanto de católicos quanto de protestantes radicais, justamente pelos esforços conjuntos na tradução: ambos os lados consideram inadmissível a participação de apóstatas na tradução do texto sagrado. A lógica mais elementar, no entanto, grita o contrário: uma tradução conjunta, necessariamente descomprometida de interpretações teológicas particulares, terá que ser necessariamente próxima do que o texto original realmente diz, pois o único modo de não ferir posições contrárias é ater-se ao que está dito, sem pender nem para a direita e nem para a esquerda. Já a tradução da Sociedade Bíblica Britânica diz assim:

"Quando orardes, não useis de repetições desnecessárias como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos." (Mt 6,7)

Algumas palavrinhas (muitas vezes uma só palavrinha) fazem toda a diferença. E quando examinamos a mesma passagem numa Bíblia aprovada pela Igreja Católica (como a da Editora Ave Maria), notamos a divergência:

“Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras como fazem os pagãos, que julgam que serão ouvidos à força de palavras.” (Mt 6,7)

A tradução também católica da Editora Vozes é a seguinte:

"...Nas orações, não faleis muitas palavras, como os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por causa das muitas palavras." (Mt 6,7)

Observe que existe, no mínimo, uma controvérsia em se usar a expressão "vãs repetições", escolhido por Almeida e do qual os "evangélicos" tanto gostam, na tradução da passagem em questão. Finalizemos então esse assunto da melhor maneira possível, – analisando o texto bíblico original, em grego:

“Προσευχόμενοι δὲ μὴ βατταλογήσητε ὥσπερ οἱ ἐθνικοί, δοκοῦσιν γὰρ ὅτι ἐν τῇ πολυλογίᾳ αὐτῶν εἰσακουσθήσονται”. (Transliteração: 'Proseukomenoi de me battaloyesete osper oi etnikoi, dokusin gar oti en te polylogia auton eisakustesontai').

O vocábulo-chave aí é πολυλογίᾳ, que se pronuncia polylogia, e se traduz da seguinte maneira: poly quer dizer muito, bastante, em grande número; logia quer dizer palavra, discurso, descrição, linguagem, estudo, teoria. No contexto em questão, o termo está mais diretamente relacionado ao sentido de palavra. O termo polylogia, portanto, quer dizer algo como tagarelice, falatório, verborragia, prolixidade. Como vemos, na fiel tradução desta passagem dificilmente caberiam as palavras “vãs” e “repetições”, tão alardeadas.

Outro ponto importantíssimo é compreender que Jesus diz que não devemos falar muito, multiplicando as palavras (atenção) do mesmo modo como fazem os pagãos. É claro que os pagãos não recitavam os salmos, nem as orações que usavam os judeus e muito menos o Pai Nosso, que o Senhor ensinou aos seus discípulos. Se o fizessem, seriam recriminados? Certamente que não.

Agora, se "rezar" fosse o mesmo que usar de "vãs repetições", no sentido de repetir as mesmas palavras, então Jesus mesmo rezava, como vemos no Evangelho segundo S. Marcos, que mostra o Cristo falando a Deus Pai no jardim de Getsêmani, antes de Judas o trair:

"E, afastando-se de novo, orava dizendo novamente a mesma coisa..." (Mc 14, 39)

Se esta cena se passasse no Brasil, hoje, certos "pastores" diriam que Jesus estava cometendo um erro, "rezando" em vez de "orar", usando de "vãs repetições"...

Isso acontece porque muitos memorizam a Bíblia, mas poucos entendem o seu contexto e seus significados realmente profundos. Além disso, certas comunidades ditas "evangélicas" procuram valorizar sempre as diferenças, por menores que sejam, aumentando cada vez mais o fosso da separação entre cristãos. Ainda pior, querelas fúteis como esta servem de pretexto para alimentar a confusão entre os que buscam o verdadeiro cristianismo. Acentuando as diferenças, seja no culto ou nas palavras, imediatamente se identificam como “crentes” ou “evangélicos”, e se distanciam de católicos e ortodoxos. É uma tática inteligentemente adotada para crescer e prosperar: levar os ingênuos a acreditarem que somente eles são os detentores da salvação e da Verdade divina: somente eles é que conheceriam os sentidos das palavras, quando a realidade é o exato oposto.

E além de tudo, sejamos francos: quantos falsos profetas, – que já conhecemos tão bem, – são verdadeiros mestres da oratório, gênios dos belos discursos? Dizem que "oram", berram elaboradas palavras diante da assembleia deslumbrada, mas suas vidas estão repletas de podridão, luxúria, ostentação, idolatria ao dinheiro e às riquezas. Já uma certa Madre Teresa de Calcutá era tímida no falar, assim como Irmã Dulce dos Pobres e Frei Damião, apenas para citar alguns exemplos bem conhecidos: todos estes diziam "rezar", e suas vidas foram exemplos de caridade cristã. Quem se atreveria a dizer que essas pessoas não rezavam com o coração, com fé e grande amor a Deus?

Para finalizar, observemos o Salmo 135/6, que reproduzimo abaixo (na tradução protestante de J. F. de Almeida):

"Louvai ao SENHOR, porque ele é bom;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Louvai ao Deus dos deuses;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Louvai ao Senhor dos senhores;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que só faz maravilhas;
porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que por entendimento fez os céus;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que estendeu a terra sobre as águas;
Porque a sua benignidade dura para sempre.

Aquele que fez os grandes luminares;
Porque a sua benignidade dura para sempre..."

E assim prossegue a oração do salmista, até o final, repetindo sempre a mesma fórmula, de novo e de novo. Assim é que cai por terra, definitivamente, o argumento de que os católicos usem de vãs repetições em suas orações, e a suposta importante diferença existente entre os termos "orar" e "rezar".

Tanto "rezar" quanto "orar" englobam todos os gêneros de súplicas a Deus, desde aqueles de petição e agradecimento até as orações de louvor e glorificação ao Criador. Não se trata de nenhum segredo escondido: o leitor pode comprovar esta  simples realidade através de breve pesquisa. Tudo que precisamos fazer é deixar de dar ouvidos aqueles que se consideram donos da verdade, e buscar a Vontade de Deus com amor soberano, pureza de alma, fé desapegada e absoluta sinceridade.
 
Fonte Eletrônica;
 
http://www.ofielcatolico.com.br/2001/05/diferenca-entre-orar-e-rezar-as-vas.html

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