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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Eutanásia: um desafio para a consciência - EB (Parte 2)

Nestas situações, não há eutanásia, pois esta implica - vamos repe­tir - numa deliberada vontade de acabar com a vida do enfermo. É um atentado contra a dignidade da pessoa a procura deliberada de sua morte, mas é próprio dessa dignidade a aceitação de sua chegada nas condições menos penosas possíveis. E é no fundo do coração do médico e do paciente que se estabelece esta diferença entre provocar a morte ou esperá-la em paz e do modo menos penoso possível mediante alguns cuidados que se limitem a mitigar os sofrimentos finais" (Comitê Episcopal Para a Defesa da Vida, A eutanásia, San Pablo, Madri, 1993).

Marciano Vidal documenta sua posição citando outrossim a Confe­rência Episcopal Alemã, segundo a qual "o direito a uma morte humana não deve significar que se busquem todos os meios à disposição da medicina, se com eles se obtém como único resultado o de retardar artificialmente a morte. Isto se refere ao caso no qual por uma intervenção de caráter médico, uma operação, por exemplo, a vida se prolonga por pouco tempo e com duros sofrimentos,... a graves transtornos físicos ou psi­cológicos. Em semelhante situação, uma decisão eventual, do enfermo, de não se submeter à operação deve ser respeitada sob o ponto de vista moral.

Existem, além disso, hoje em dia, possibilidades técnicas da medici­na que nos colocam diante de problemas novos. Podemos justificar dian­te de nossa consciência moral o uso prolongado de um pulmão artificial, por exemplo, para manter com vida um paciente? Desde o momento em que se pode vislumbrar que, com este tratamento, o enfermo grave se pode curar, é nosso dever utilizar semelhantes meios, e é tarefa de um Estado de caráter social agir de sorte que aparatos e meios, inclusive caros, sejam postos à disposição daqueles que deles necessitam.

Mas é diferente o caso no qual, eliminada toda esperança de melho­ra, o emprego de particulares técnicas médicas não serve para outra coi­sa senão para retardar a morte à custa de mais sofrimentos. Se o pacien­te, seus parentes e o médico, depois de ter avaliado todas as circunstâncias, renunciam ao emprego de medicinas e de medidas excepcionais, não hão de ser acusados de estar usurpando um direito ilícito para dispor da vida humana. Para o médico, isto pressupõe, naturalmente, o consen­timento do paciente, e, quando isso já não seja possível, o consentimento de um de seus parentes. Em tal caso, respeita-se o direito de que a vida termine com a morte, que Deus colocou como limite dela" (Conselho Permanente da Conferência Episcopal Alemã, 1974, Ecclesia n. 1758 [27-IX-1975] 19-20).

Como se vê, o livro de Marciano Vidal é valioso, pois reafirma de maneira sólida e persuasiva a doutrina da Igreja, enriquecendo-a com citações interessantes e ilustrativas. A leitura é, por vezes, um tanto pesada, pois o texto recorre a vocábulos técnicos, cujo sentido nem sempre é claro à primeira vista. Contudo isto não impede a compreensão do pensamento do autor. Além do mais, a obra oferece ocasião de refletir sobre a morte - o que é salutar.

2. APÊNDICE

A documentação que M. Vidal apresenta, inclui dois textos que pare­ce oportuno reproduzir aqui, dado o seu elevado significado. O primeiro se refere se refere aos Centros de Terapia Intensiva, e vem a ser uma advertência à despersonalização ou à desumanização das condições em que se acha o paciente aí internado.

I. CARTA DE UMA ALUNA DE ENFERMAGEM EM ESTADO TERMINAL ÀS SUAS COLEGAS

"Sou uma estudante que vai morrer. Escrevo esta carta a todas vocês que se preparam para ser enfermeiras, com a esperança de vocês participarem daquilo que experimento, a fim de que um dia estejam - oxalá! - mais preparadas para ajudar aqueles que vão morrer.

Restam-me ainda de um a seis meses de vida, talvez um ano, mas ninguém quer falar disto. Encontro-me, por isso, diante de um muro sólido e frio. O pessoal não quer ver o moribundo como pessoa e, por conseguinte, não pode comunicar-se comigo. Eu sou o símbolo do seu medo. Vocês entram em meu quarto na ponta dos pés para me trazer a medica­ção e tomar-me o pulso e desaparecem, uma vez cumprida sua tarefa. Seria por ser aluna de enfermagem ou simplesmente como ser humano que eu tenho consciência do medo de vocês e sei que o medo de vocês aumenta o meu medo? De que vocês têm medo? Sou eu que estou para morrer. Percebo o mal-estar de vocês, mas não sei o que dizer nem o que fazer. Suplico que acreditem em mim. Se vocês se preocupam comigo, não me podem fazer mal. Digam-me somente que vocês têm essa preocupação; não necessito de mais nada...
Não fujam. Tenham paciência. Tudo de que necessito, é saber que alguém estará a meu lado para pegar minha mão entre as suas, quando eu precisar.

Tenho medo. Talvez vocês estejam cansadas de ver pessoas morrer, mas para mim é uma novidade. Morrer... nunca isso me ocorreu. É, de certo modo, uma ocasião única. Vocês falam de minha juventude, mas, quando alguém está para morrer, não é alguém tão jovem.

Há coisas de que eu gostaria de falar. Não tiraria muito tempo de vocês... Se nos atrevêssemos a reconhecer onde estamos e a admitir, vocês como eu, nossos medos, acaso isso tornaria menos valiosa sua competência profissional? Estaria realmente excluído que nos comuniquemos como pessoas, de forma que, quando nos chegue a hora da morte no hospital, tenhamos a nosso lado pessoas amigas?" (R. DELGADO, em JANO [6-17-ll-1985] 61).

O outro texto é o depoimento de um homem famoso indiferente à religião nos dias de sua glória, mas voltado para Deus ao se sentir próxi­mo da morte.

II. DECLARAÇÕES DE FREDERICO FELLINI

O famoso diretor de cinema italiano manifestou numa sugestiva entrevista as vivências e profundas experiências que lhe proporcionou a grave enfermidade que sofreu em agosto de 1993, meses antes de morrer. Internado num hospital depois de ter sofrido um ataque cerebral, sofreu uma paralisia no lado esquerdo, o que não era um bom sinal. Pouco de­pois foi transladado para outro hospital para dar início ao tratamento de reabilitação da parte esquerda de seu corpo.

Fellini sempre esteve, e não teve dificuldade em afirmar isso quando o achou oportuno, afastado do mundo da fé. Por isso, as suas declara­ções tornam-se significativas nestes momentos em que se encontrou, como ele diz, "com alguém maior que este pobre homem, que ocupou meu lu­gar na cadeira de diretor".

Reproduzimos, em seguida, parte de sua jocosa entrevista:
"- No seu "script", ou, se prefere, na encenação de sua existência, você previra este golpe de cena.

- Em verdade, não. Não esperava. Esta é a verdade. Não estava preparado, nem sequer me passara pela imaginação, e creio que, pela primeira vez, alguém maior do que este pobre homem que sou eu, ocupou minha cadeira de diretor e me contou uma piada que não é de todo má.

- Melindrou-o esta intromissão?
- Não, não creio que me tenha incomodado, mas cansou-me...

- Que significa para você agora o medo?
- Antes de tudo, não lhe escondo que tive medo. Quando no hospital me veio visitar meu amigo Titta, precisamente ele, o materialista e blasfemador, me disse: "Sabe, Fellini? Rezei por você". Naquele momen­to tive medo. Meu medo é mais que o temor de não ver mais as luzes que dão colorido ao filme de minha vida ou de vê-las desaparecer pouco a pouco, como se meu ser se afastasse lentamente delas.

Rezou durante esses dias?

Sim, rezei.

Que é a oração?

Uma maneira extremamente racional e inteligente de pôr no chão os fardos mais pesados da vida e de confiar a alguém o peso das angús­tias e das dúvidas.

Pensou em Deus?

E como se poderia viver sem pensar nele?

No filme de sua vida, o protagonista se converteu num crente?

O caminho é longo e as tentações muitas, e creio que meu protagonista terá fortes crises, mas não me faça dizer mais, porque, de outra maneira, revelaria todas as minhas surpresas" (Labor Hospitalaria, nº

228, 122-123).
Como se vê, o diálogo termina em reticências (...) é importante, porque revela como a chegada da morte transforma as pessoas: as mais autossuficientes e indiferentes a Deus sentem o vazio de toda a glória humana e concebem a necessidade de se voltarem para Deus, o único amigo que não falha, Aquele que fica quando tudo passa, Aquele com quem todo homem se encontra definitivamente no momento final da sua caminhada terrestre.

¹ Eutanásia. Um Desafio para a Consciência. - Ed. Santuário, Aparecida 1996, 135 x 210, 174 pp.





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